— Desista, Cleiton! Olhe em volta, não importa o que você faça, não há como sair por cima dessa situação. Está acabado. — Ângela Lizerd tinha seu cajado com a ponta já brilhante apontada para nosso… para meu companheiro.
“Como ela pôde? Como isso foi acontecer? Ele já esperava nossa chegada. Alguém avisou… Claudia? Não…” Minha mente viajou pelo último dia, não teria como terem enviado um aviso antes de Hinfrimmue.
Mas quem teria enviado? Claudia enganou Cleiton aquele tempo todo? Ela esteve conosco até o momento da partida.
Os dois homens que observaram minha chegada? Cleiton disse para não me preocupar com eles, não eram ninguém.
Os aventureiros que recolheram a mão de Greeta? Eles não sabiam que eu era uma anja.
“Então, quem?”
— Você acha mesmo que tem alguma chance contra mim, só porque armou essa emboscada? Não sabe quem eu sou? — Cleiton respondeu Ângela, sua voz era sombria e carregada pelo vento.
“Armou uma emboscada? Ângela… É claro!” Na noite anterior, quando ela conversava com alguém no beco, um mensageiro. Foi ela!
Raiva e desprezo cresceram em mim enquanto eu gemia e forçava as mãos contra o braço do trono. Minha cabeça levantava sob o peso da mão do Lorde Lizerd, mas ele usou mais força e bateu-me de volta contra o trono.
— Parece que eu não estava pondo força o suficiente. — Riu.
“Droga!”
O baque do meu rosto no móvel chamou a atenção de Cleiton, que imediatamente removeu a pedra verde do bolso. No mesmo momento o lorde deu a ordem ao gritar.
— Disparem!
Quase que no mesmo segundo, uma chuva de flechas disparou, e magias de diferentes cores irromperam de círculos mágicos rapidamente conjurados, tudo na direção do anão.
— Cleiton! — gritei, quase esquecendo de Greeta e Ângela também no local.
Foi tudo quase rápido demais para acompanhar, os projéteis viajaram pelo salão em instantes, não tive nem tempo de cogitar imaginar como eles sairiam daquela situação. O que meus olhos pegaram foi uma Greeta encolhida em uma bola, dando as costas para cima com a cabeça protegida; um pilar de chamas que subia ao redor de Ângela; e Cleiton com o braço com a pedra mágica levantado.
Foi nesse momento que a pedra mágica brilhou mais forte e o ar se distorceu visualmente por uma grande área em torno do anão, e cresceu até ultrapassar Greeta e Ângela e pegar todos os projéteis em movimento.
O ar ao redor pareceu vibrar, formando ondulações visíveis como as da água de uma fonte. O espaço à sua frente se torceu como um reflexo distorcido, lançando pelo ambiente uma projeção de cores derivadas das magias que se aproximavam. Era como se o próprio ar estivesse se dobrando por seu poder.
Não acreditei no que vi. Não sabia como era possível. Todas as magias e flechas pararam ao atingir a área, não, não pararam, mas se tornaram lentas, muito lentas. As magias se dissiparam poucos momentos depois de entrarem na área de efeito da magia de Cleiton, e as flechas eram lentas até para cair. Até a magia de Ângela se dissipou.
— Greeta! Pegue Amyrrh! — ordenou o anão de repente.
Minha amiga lagarto parecia perdida, mais do que eu, ao se desenrolar e olhar ao redor, parecendo ter uma certa dificuldade para girar o pescoço. Mas quando o ar subitamente voltou, visualmente, ao normal, como se todas as distorções fossem sugadas para a pedra, seus movimentos tornaram-se leves de novo.
— Mas que porra foi essa?! Disparem de novo! — ordenou o senhor Lizerd.
— Agora! — gritou o anão.
Nenhum dos dois lados perdeu tempo. Como se Greeta tivesse voltado à si, disparou como uma flecha à mesma medida que mais flechas dispararam de todos os lados, na direção de Cleiton.
Mais uma vez, quase não pude acompanhar quando as flechas e magias alcançaram o anão, mas ele baixou com tudo a pedra mágica, batendo-a contra o chão um instante antes de ser alvejado pelos projéteis.
Seu ato gerou uma espécie de onda de energia, ou vento, crescente que varreu tudo ao redor para longe, inclusive Ângela, que voou para trás com o impacto da magia. O poder que cresceu foi tamanho que alcançou alguns dos atiradores nas paredes do salão, derrubando-os, enquanto os que não foram alcançados, tiveram que lidar com os projéteis devolvidos.
— Amyrrh! — gritou Greeta ao tentar me alcançar, mas teve que parar para lidar com um dos guardas do trono. Cada vez mais guardas moviam-se das fileiras para fazer um cerco em volta de mim e do lorde Lizerd.
— Greeta! — gritei. Queria fazer algo, qualquer coisa, mas não conseguia.
— O que estão fazendo?! Matem! Matem Cleiton Gloire agora! E capturem a lagarto das neves, se puderem. Ela é rara, mas não tão preciosa quanto o prêmio que já temos. — Levantou meu rosto e bateu contra o trono. A dor me atordoou demais para que eu pudesse dizer qualquer coisa.
— Seu filho da… — Greeta lutava de forma incansável, derrubava um após o outro enquanto subia as escadas.
Suas garras eram cravadas nos corpos, através das armaduras. Sua força era suficiente para derrubar até dois homens de uma vez com seu braço deficiente. Mas não era suficiente, mais e mais guardas se aglomeravam nela.
— Amyrrh! Aguenta! — Ela já estava completamente rendida, nesse ponto. Vários guardas à seguravam enquanto ela só focava em avançar. No fim, a puseram de joelhos na escada.
“Droga! Droga! Eu sou só um fardo!”
Minha visão ficava embaçada com as lágrimas. Mais uma vez, estava em perigo por minha própria fraqueza, e não havia nada que eu pudesse fazer.
Atrás da montanha de homens que segurava minha amiga, Cleiton, que com sua espada, derrubava com habilidade vários guerreiros que optaram por enfrentá-lo mano a mano, parecia ter visto a situação e usou mais uma onda de vento, bem menor, dessa vez, para afastar seus oponentes.
Quase que ao mesmo tempo, apontou a pedra para o chão atrás dele e uma rajada poderosa de vento o ergueu do chão. Ele estava vindo em nossa direção, ele ia nos salvar, ou foi o que pensei.
Uma figura nova saiu em passos suaves de trás do trono e saltou com uma rajada de vento, indo de encontro ao anão no ar. Cleiton, que estava descendo, trouxe sua espada curva, visualmente banhada em um redemoinho de vento, de cima para baixo, enquanto a figura misteriosa balançou sua espada fina, também envolvida em vento, em um movimento de baixo para cima.
Duas lâminas se chocaram no alto, e o ar ondulou em rajadas de vento furiosas.
Os vidrais atrás de nós quebraram-se primeiro, e só depois a onda mágica me atingiu com força quase suficiente para me libertar do domínio do lorde, mas infelizmente, não aconteceu.
Os dois grandes guerreiros se afastaram com o choque das lâminas. Cleiton caiu de pé como uma pedra, pesada e imóvel, na beira da escada, enquanto a outra figura, pousou habilmente no alto da escada, à nossa frente.
— Cleiton Gloire… Dizem que suas habilidades com o vento são reconhecidas por todo o norte do continente. Quero checar se isso é verdade. — Apontou a espada para Cleiton. A voz era tão tenebrosa que mal conseguia distinguir, mas parecia feminina.
Suas vestes eram pretas e justas, uma máscara cobria sua boca, seu cabelo negro era cortado extremamente curto, mais que o de Draven.
— E você deve ser o Kamaitachi de Hinfrim. A cadelinha dos Lizerds. — A voz do anão projetava-se pelo ar, podia ouvi-lo como se estivesse perto de mim.
— Oh! Já ouviu falar de mim? — Inclinou a cabeça para o lado.
— Só o que ouvi falar é que sua magia medíocre de nephilim só serve para levitar os lordes na cama! — Sorriu maliciosamente enquanto fazia um arco para trás com sua espada.
De onde eu estava, era difícil ver, mas pude claramente distinguir que apenas com aquele movimento de espada, um traço profundo foi cortado no chão de pedra sem que a lâmina nem mesmo precisasse tocá-lo.
— Mas já ouviu falar de mim! — Sua voz explodiu em ânimo junto ao vento que vazou de seu corpo descontroladamente.
Ela podia usar magia como Cleiton, sem círculo mágico. Será que era tão poderosa quanto ele? Não podia ser. Cleiton tinha que conseguir derrotá-la!
Se encararam por uns instantes, a tensão crescendo junto a ondulações que surgiam no ar ao redor do anão.
Quando ele deu o primeiro passo, para subir o primeiro degrau, senti-me ser puxada para cima.
— Espere! — O lorde Lizerd levantou-se. Puxando meus cabelos, me arrastou com ele enquanto andava lentamente. — Não há necessidade de destruírem meus salões. Essa luta não tem que acontecer.
— O quê? Vai dar para trás agora? — O tom de ironia era claro na voz do anão. — Não me diga que teme que seu melhor lutador perca?
Eu tentava me libertar enquanto ele caminhava.
— Ha! Claro que não. Tenho plena confiança em minha fiel espada. Mas depois de vê-lo, convenci-me que é um desperdício matá-lo. Seus serviços caberiam bem à Hinfrim. — Chegou à beira da escada, ao lado daquele chamado Kamaitachi. — Farei uma última proposta…
— Eu nego. — Interrompeu com convicção. — Solte minhas companheiras e eu não mato seu guerreiro. É o trato que faremos.
— Bom… — Voltou à caminhar. Deu a volta no homem, ou mulher de preto e desceu alguns degraus até onde estava Greeta com os soldados. — Que tal assim, então? — Pegou uma espada da mão de um dos soldados.
— E-espera, o que você vai fazer? — Minha voz soava mais desesperada do que eu imaginava que estaria enquanto via o homem nobre levantar a espada.
— Escuta aqui, seu pedaço de merda! Se eu me soltar… Aaah! — Greeta parou de falar com um grito que entrou em meus ouvidos e percorreu todas as extremidades de meu corpo.
A espada penetrou as escamas amarelas, e entrou mais que a ponta, ao lado do longo pescoço.
— Para! Tira ela daí! — gritei, sem saber o que fazer.
— Oh… Tirar? — Começou à mexer a espada ainda presa em minha amiga, que gritava cada vez mais enquanto o sangue escorria de seu ombro. — Poxa, está presa. Acho que não consigo tirar. Talvez se eu fizer assim… — Empurrou mais fundo a espada.
O grito dolorido de Greeta ecoou por todo o salão.
— Pare! Filho da puta! Se você não largar essa espada agora, eu juro que vou…
— Vai fazer o quê, Cleiton? Cleiton. Oh, Cleiton. Pobre Cleiton. Você não esta em posição de nada. — Largou a espada, que ficou presa em minha amiga, e pegou outra com outro homem. Colocou a ponta da espada na cabeça de Greeta, que bufava de dor com a cabeça baixa. — Ajoelhe-se, e sua amiga pode sobreviver. Faça qualquer outro movimento, e dê adeus.
Observei o rosto do anão, era claro o conflito em seu olhar, mas eu sabia, sabia que se tivesse de escolher entre mim e Greeta, ele não demoraria para me escolher.
Tinha algo que ele pudesse fazer? Daquela distância? Qualquer coisa… Não. Ele não podia fazer nada. Não podia esperar por ele.
E Greeta? Ela estava rendida. Ela não era poderosa como Cleiton, só era um pouco forte, não podia esperar que ela magicamente se soltasse dali e me ajudasse. Se pudesse, já teria feito.
— Seu tempo está passando, Cleiton. — A espada começou à penetrar as escamas, uma linha de sangue escorreu devagar de sua cabeça até o fim de sua testa.
“O que eu faço? Ninguém vai me salvar. Ninguém vai salvar Greeta. Ela vai morrer… Não.”
Quando a primeira gota de sangue pingou do rosto de Greeta, eu observei-a cair de forma bem lenta, com um único pensamento em mente.
“Não… Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não…”
Quando a gota tocou o chão e a revolta dolorida mais uma vez saiu da boca de Greeta, um grito explodiu de mim.
— Não! — Um longo e demorado gesto de negação à cena que se desenrolava à minha frente, embora, logo, eu já não pudesse mais vê-la.
Com o grito que tremia a terra, em questão de segundos, o chão sob meus pés se deformou, crescendo aleatoriamente para fora ao meu redor em picos de pedra que pareciam se expandir sem parar, desfazendo toda a situação.
Quando parei de gritar e me dei conta de meus arredores, já não estava mais sendo segurada pelo Lorde Lizerd, que estava fora de vista. Ao meu redor, só morros de pedra da mesma cor do chão se inclinavam para fora. Não havia sinal dos guardas ou de Greeta…
“Greeta!” O reconhecimento de que minha amiga podia ter sido pega em… seja lá o que tenha acontecido, me despertou para procurar por ela, mas no primeiro passo, cambaleei e caí para frente, com as mãos no morro de pedra para não bater o rosto.
“Estou fraca? O quê… Isso fui eu?” Meus pensamentos foram bagunçados quando aqueles poucos segundos de silêncio acabaram.
— Amyrrh! Argh! Fi-fique onde está, estou indo! Urgh! — A voz de Greeta soou um pouco distante e dolorida em meio à vários murmúrios do salão.
Antes que eu pudesse respondê-la, outra voz chamou minha atenção em meio a gemidos de dor.
— Mas que droga! Argh! Gizel, pegue o maldito anjo! Agora! — O Lorde parecia estar em algum lugar atrás de mim.
Um som de uma rajada de vento explodiu em algum lugar e senti uma pressão repentina crescer em cima de mim, em instantes, quando uma sombra me cobriu. Olhei para cima, ainda deitada, o Kamaitachi descia com sua espada segurada com as duas mãos e apontada para baixo.
O espaço de uma respiração foi tudo o que tive enquanto via a lâmina descer em cima de mim, mas assim que essa respiração foi completa, outra figura… Cleiton, bateu com tudo no Kamaitachi e o empurrou para um pouco longe.
Cleiton caiu de pé bem ao meu lado, mas não teve tempo sequer para olhar para mim. Antes mesmo de tocar o chão, seu oponente girou e saltou no ar, um impulso de vento que deixou uma onda visível no ar atrás dele ao mandá-lo de volta para onde estávamos.
Quando o homem de preto alcançou o anão, sua lâmina balançou para ir de encontro a de meu companheiro, que defendeu o ataque.
O vento resultante da colisão das lâminas me fez rolar com gemidos para o mais longe possível estando cercada pelas estruturas de pedra.
— Amyrrh! — Ouvi Cleiton chamar, apesar do tilintar do metal das lâminas que se chocavam e do vento arrasador que soprava meu cabelo para longe. — Levanta! Levanta e corre! Agora!
Procurei por sua voz. Ele era ágil com a espada e, ocasionalmente, parecia conjurar vento ao seu favor em movimentos incríveis demais para minha compreensão, mas seu oponente não ficava atrás.
— Levanta! — Quando sua voz nervosa voltou aos meus ouvidos, a realidade bateu em mim.
Ainda não estava segura, não podia continuar deitada ali.
Com mais um impacto brutal entre as duas espadas, outra onda de vento mais uma vez me empurrou, mas não fui tão longe, visto que estava em uma subida. Não me dei tempo de recuperar-me do choque, levantei com tudo o que tinha, apenas para cair para trás de novo.
“Vamos!” Forcei meu corpo ao me posicionar de quatro. Se não podia me levantar, iria engatinhar. Eu tinha que fugir dali.
Minha visão estava turva, o vento era forte e eu cambaleava enquanto fugia o mais rápido que meu corpo fraco me permitia, mas continuei em frente, na árdua subida ao morro.
— Não vai fugir! — A voz gritou muito, muito próxima e uma dor súbita surgiu na região inferior de meu corpo, junto à um estralo agoniante.
Deixei-me cair imediatamente com o choque, e quando procurei o que havia me atingido, mal pude ver o pé do Kamaitachi sair de cima de minha perna direita ao receber um golpe certeiro de Cleiton, um corte de baixo para cima em suas costas que o enviou para longe em uma rajada.
Não tive tempo de reagir quando a pedra na mão do anão brilhou mais forte e conjurou uma barragem de vento que me expulsou imediatamente dali.
Vi-me voando para longe do epicentro da batalha. Do ar, enxerguei a destruição que eu tinha causado. Cones de pedra com quase o dobro do tamanho de Greeta saíam do chão da escada, onde Cleiton, bem no centro, lidava com o Kamaitachi, que já não parecia mais lutar de igual para igual com o anão. Mas como ele ainda podia continuar a luta após aquele ferimento?
Era quase impossível tirar a visão dos dois lutadores, mas enquanto caía, minha atenção mudou para o resto do salão, onde rachaduras corriam pelo chão até uma certa distância de onde os cones foram conjurados.
Vi Ângela, seu braço parecia sangrar, ela se movia em direção ao seu pai. Não me importei com ela.
Procurei por Greeta, que encontrou meu olhar quase que ao mesmo tempo. A mulher lagarto se defendia de um golpe com uma espada de ponta ensanguentada, contra um soldado de armadura que atacava com uma espada semelhante, mas sem sangue.
Ao me ver, ela fez um movimento rápido com a cauda para derrubar o homem que enfrentava e correu, pisando em cima dele.
Mesmo que ela tenha sido rápida, não chegou à ponto de impedir que uma dor percorresse todo meu corpo tão rápido e forte que escureceu minha visão.
— Amyrrh!
No instante seguinte, ao abrir os olhos, estava sendo carregada, no pescoço de Greeta, que eu já conhecia bem, mas minha visão ainda estava escura.
— Droga, droga! Amyrrh! Responde! — implorava minha amiga, sua voz vazava preocupação.
— Estou aqui. Argh! — A dor me dominou, não só a do meu corpo, que gritava, mas da minha perna que se se queixava ainda mais alto. Não conseguia movê-la.
— Porra! Pensei que estava morta! — Greeta aparecia aliviada ao virar levemente o rosto reptiliano para me encarar em cima dela.
— Eu disse que ela era dura na queda! Não diminua o ritmo! — Cleiton estava ao lado. Estávamos correndo pelo corredor de onde viemos.
— O quê? Urgh! — A dor era agonizante. — Cleiton? E o Kamaitachi?
— É só não olhar para trás! — gritou ao atirar uma onda de vento para trás de nós.
Segui a onda. Atrás de nós, uma montanha de gente preenchia o corredor vindo em alta velocidade. A maioria foi barrada pela barragem de vento, mas um deles, no centro da multidão, se destacou ao fazer um corte visível na onda e continuar em frente na mesma velocidade.
— Cleiton! O Kamaitachi tá vindo! — Minha voz soava aterrorizada.
— Eu disse para não olhar para trás!
— Qual o plano?! — perguntou Greeta. Não notei antes, mas vazava muito sangue de seu ferimento no ombro, deixando um rasto por onde passávamos. Era muito profundo.
— Corremos pela rua principal! Somos mais rápidos! Quanto ao Kamaitachi, eu cuido dele enquanto tiver mana!
— Você tem alguma poção?!
— Não!
— E quando sua mana acabar?!
— Não vai!
— Isso é loucura! Vamos morrer! — gritei. Meus pensamentos estavam confusos.
— Não enquanto eu viver! — respondeu o anão.
— É disso que eu tô falando! Vamos todos morrer!
Não me responderam quando passamos pelo portão de entrada, para fora da casa do lorde. Estávamos na rua principal.
Ao olhar para trás, enquanto nos afastávamos dos portões de ferro, parecia até que escaparíamos tranquilamente, seria ótimo se os portões apenas se fechassem, mas então, “ele” saiu, e uma multidão de pessoas atrás.
Com uma onda poderosíssima de vento para trás, o Kamaitachi disparou até nós ao empurrar diversas das pessoas atrás dele e nos alcançou em segundos, mas uma onda poderosa de vento o empurrou para trás antes de realmente chegar em nós.
Ele caiu de pé, desacelerando um pouco, mas logo voltou à correr, rápido como uma flecha.
— Vamos! Vamos! — gritei, minha voz muito alterada.
As pessoas na rua pareciam não entender o que estava acontecendo, olhavam com curiosidade enquanto corríamos em tamanha velocidade que a área nobre da cidade ficou para trás em pouquíssimos minutos.
Logo estávamos no mercado. Onde o Kamaitachi, mais uma vez, se lançou contra nós, apenas para ser rebatido por Cleiton outra vez. E assim nos mantivemos por minutos, com o homem de preto se lançando ocasionalmente contra nós. Suas ondas de vento empurravam as pessoas e barracas do mercado, ate que saímos dele.
Continuamos o ciclo pela cidade, com meus gritos para acelerar sendo as únicas palavras. Quando alcançamos o portão da cidade, ele estava aberto, com um grupo muito grande de pessoas que o atravessavam com uma caravana.
— Não para, Greeta! Não para! — gritei, sem acreditar em minhas palavras. Por onde ela iria passar?
Para minha surpresa, e com certeza muito mais surpresa para os humanos que atravessavam o portão, tanto Greeta quanto Cleiton saltaram para passar por cima da caravana. Tive que me segurar no susto para não cair.
O peso da mulher lagarto afundou sobre seja lá o que tivesse embaixo das cobertas, mas ela não demorou um segundo para recuperar o equilíbrio e continuar em frente.
Saímos da cidade, mas tinha certeza de que o Kamaitachi não desistiria.
— Greeta, salte! — gritou Cleiton de repente.
— O quê? — Greeta não diminuiu o passo em direção à gata Lesly.
— Faça!
A mulher lagarto gemeu, mas deu um salto sem dificuldades, que me fez, mais uma vez, agarrar-me ao seu pescoço. O que veio depois foi um vento extremamente poderoso que impulsionou Greeta para além da cabeça de Lesly.
Gritei enquanto caíamos nas costas da gata gigante, que miou em resposta ao nosso pouso desastrado próximo ao assento.
A dor de minha perna piorou com o impacto, como se fosse amassada uma segunda vez.
— Ei! Que isso? — perguntou o humano dono da gata, Ed, lembrei, mesmo naquele momento.
— Nos tire daqui, agora! — Cleiton caiu na gata logo depois de nós. Dessa vez, não foi uma queda hábil. Seu tom era autoritário, mas também alterado, diria que preocupado.
— Cleiton! — O Kamaitachi saiu pelo portão.
— Vai! Agora! — gritei.
— Lesly! Corre, garota! — Ele parecia ter entendido a mensagem.
A gata deu uma volta rápida com o comando de Ed e em um salto, que fez com que tivéssemos de nos segurar nos pelos, passou à viajar extremamente rápido. Olhei para trás, onde nosso perseguidor ficava cada vez mais distante. Suspirei aliviada e me deixei amolecer no assento de Lesly.
Olhei para Cleiton, depois para Greeta, ambos exaustos e com expressões sofridas em seu rosto, mas tínhamos escapado. Fechei os olhos… Apenas para abri-los mais uma vez com uma ventania que, se eu não me segurasse, no reflexo, teria me derrubado da gata.
— Foi uma boa disputa de poder esse jogo de ver quem tinha mais mana, Cleiton! Mas a sua chegou ao fim! — o Kamaitachi estava acima de mim, com os pés no topo do assento e ambas as mãos contra as mãos de meu companheiro, que ainda segurava a pedra mágica em seu punho fechado.
— Caralho! Me deixa em paz! Porra! — Rajadas de vento saíam de trás do anão, tal como das costas do Kamaitachi.
— Você não vai se livrar de mim! Não agora, que está fraco! Não pode fazer mais nada! Eu vou te matar e levar o Anj…
Um soco de uma mão tão grande quanto a cara que foi acertada o calou, e o Kamaitachi voou para fora de Lesly, girando.
Virei rápido para trás para observar sua queda. Foi feia. Ele rolou no chão de forma anormal e ficou para trás com velocidade.
— Cara chato, esse seu namoradinho. — Greeta tinha o punho melado de sangue, mas a chuva já estava o limpando.
Cleiton suspirou e disse: — Valeu. — Depois deu um tapinha no braço caído de Greeta e se deixou cair nas costas da gata.
Greeta relaxou a postura e se sentou quase que imediatamente.
Desconfiada, olhei para trás mais uma vez, nenhum sinal do homem. Senti a pressão de meus ombros, e do corpo em geral, diminuir e, ainda não muito confiante, finalmente relaxei.