A chuva era carregada pelo vento forte na campina. Em frente onde o grande lagarto de caminhada descansava, junto à mim e Draven que observávamos, Greeta se posicionava à vinte passos de distância de Cleiton.
— Não vou pegar leve com você só porque acha que tem chance contra mim sem magia — disse a mulher lagarto ao fazer o movimento de estralar o pescoço, embora eu não pudesse ouvir por conta dos barulhos da tempestade.
— Não preciso de magia ou armas para dar um jeito em um filhote como você. Venha — chamou o anão, fazendo um gesto com a mão como se chamando a oponente.
— Quem você acha que ganha? — perguntou Draven, sua voz demonstrava curiosidade e ânimo.
Greeta era forte demais, mas Cleiton era muito experiente, mesmo sem magia. Um tempo atrás, pensaria que Greeta poderia vencer apenas por sua força ser superior, mas ela mesma me provou que oponentes mais fortes podem ser derrotados com intelecto.
— Cleiton, sem dúvidas — respondi.
— Sim, com certeza. Aquela bobona é fraca. — Riu.
Não pude responder, já que minha atenção foi para a cena à minha frente. Sem aviso, Greeta avançou e, em segundos, alcançou o anão, com um punho levantado. Mas por mais que fosse rápido para mim…
— Lenta. — Esquivou do soco com um passo para o lado enquanto dava um tapa em suas costas.
— Uoah! — O resultado foi Greeta avançando demais para frente e caindo de cara no chão com o desequilíbrio e um grito esquisito.
— Ai! — exclamou Draven ao meu lado, se movendo como se a dor da queda tivesse sido nele. — Isso me lembra de quando Romeu nos treinava antigamente.
Olhei para o garoto, interessada de repente, mas dividindo esse interesse com a luta.
— Com “nos”, você fala de você e seus companheiros?
— Sim. A gente treinava assim quando os guardas liberavam a arena… Ei! Ela vai se levantar!
Queria saber mais, mas imediatamente voltei a olhar para a luta quando ouvi Greeta falar.
— Seu maldito! Disse que não usaria…
— O que eu usei foi seu peso contra você mesma. Você dá tudo de si no início para compensar a distância e ainda atacar seu oponente com um golpe poderoso o bastante para encerrar a luta antes mesmo de começar, mas isso não funciona se seu oponente for mais forte, mais rápido, ou mais inteligente que você, como eu fui agora — explicou rapidamente enquanto Greeta se levantava.
Com um rosnado, Greeta atacou enquanto respondia: — Tá me chamando de burra?!
Ela avançou com um chute lateral, o que me parecia uma jogada esperta, mas Cleiton apenas deu outro passo para trás e, com uma mão, empurrou a perna em movimento, fazendo Greeta girar mais do que pretendia.
Em seguida, o anão deu um passo longo e a empurrou pela cintura com uma mão, o que fez a grande mulher lagarto se desequilibrar e cair com espanto.
— Haha! Isso tá engraçado! — A cauda de Draven balançava muito atrás dele. Onde ele via graça, eu não sabia o que achar, mas com certeza era interessante. — Ah! Ei, acha que eu e você venceríamos Cleiton?
— O quê?! Impossível — afirmei.
Greeta era forte demais sem magia. Eu sabia que Cleiton era poderoso, mas a mulher lagarto tinha mais que o dobro de sua altura, era impossível que ele fosse mais forte que ela fisicamente. Foram necessários mais de quinze homens para segurá-la em Hinfrim. Se ela não tinha chances, nós muito menos.
— É, acho que ainda não ganharíamos dele. Mas de Greeta a gente ganha — falou com um sorriso inocente e confiante.
— Com certeza não também. Ela é muito forte, Cleiton disse que sua força vale por três homens.
— Então eu e você juntos vamos valer por quatro homens e derrotar ela.
Não pude deixar de dar risadas animadas com a ideia. Mas então, com magia, isso, talvez, não fosse impossível…
— Não fale enquanto ataca, isso te desconcentra. — A voz de Cleiton me chamou de volta para a luta. Ele aguardava sua oponente se recuperar sem fazer nenhum movimento.
— E por que você está falando?! — gritou Greeta em meio a rosnados, ao se virar e atirar terra em seu oponente, mas Cleiton apenas inclinou a cabeça pro lado e a terra passou reto.
— Porque eu sou seu superior, e você é previsível. Tem que ser mais rápida, estar pronta para reagir, nunca cair e, se cair, ser capaz de se levantar na mesma hora. Caso contrário…
— O quê?! — Greeta, já de pé, avançou com um soco, mas o anão apenas se abaixou um pouco para passar por baixo de seu movimento e aproveitar de sua altura para socar sua perna.
O impacto empurrou a perna de Greeta para fora do chão, enquanto ela avançava para frente. Cleiton passou por baixo e ela caiu mais uma vez.
No mesmo instante, Cleiton finalmente deu passos um pouco mais apressados ao se virar para subir em cima dela e caminhar por suas costas até pisar em sua cabeça.
— Caso contrário, os inimigos aproveitarão o tempo para fazer o que quiser com você.
— Uou! Caraca! Cleiton é demais! — Draven me balançou com um braço e começou a vaiar Greeta. — Uuuh! Greeta é muito fraca!
— Sim… ele é demais… — Voltei à prestar atenção na cena.
Já sabia que Greeta perderia, mas ainda assim, mesmo que fosse a terceira vez vendo-a ser rendida, ainda era difícil acreditar que aquela grande mulher poderia ser derrotada, e ainda tão fácil…
— Maldição! — Ela deu um golpe no chão, mas não se moveu além disso.
— Entendeu suas falhas? — perguntou Cleiton, ainda em cima dela.
— Sim…
— Ótimo, porque tem mais. Você ataca com todo seu corpo, dando brecha para te usarem contra você. Quando vai dar um soco ou um chute, só se preocupa com o braço ou perna atacante, e não com o resto do seu corpo, por isso perdeu o controle dos movimentos quando te ataquei.
— E o que posso fazer sobre isso?
Notei que os olhos dela estavam fechados enquanto falava… Ela parecia calma, por mais que estivesse, literalmente, por baixo do anão.
Os dois passaram a falar em um tom mais baixo e calmo, mas ainda podia ouvir, mesmo com a chuva.
— Aprenda à usar todo seu corpo de forma eficiente, ao invés de apenas jogá-lo no oponente. Você poderia ter usado sua cauda para me pegar desprevenido enquanto estava no chão, ao invés de jogar terra em mim, por exemplo.
— Isso funcionaria?
— Não comigo, você é muito lerda. Mas talvez com outra pessoa, se você for rápida.
— Entendo… Tem mais?
— Muito mais… mas você não vai se levantar para continuarmos? Sabe que, com sua força, pode me jogar para trás à qualquer momento.
— Eu sei…
— Bom… — O anão tirou a bota de cima da cabeça da mulher lagarto, que ficou suja de lama, começou a se ajeitar e… sentou nas suas costas. — Parece que entende o seu lugar.
— Não enche…
— Ei, acabou? — perguntou Draven em um tom de voz alto mais que o suficiente para que os outros ouvissem.
— Acabou — anunciou Cleiton. — Não tem mais nada para os dois assistirem. Ao invés disso, pratiquem a liberação de mana. Partiremos em poucas horas.
— Ah, que chato…
— Não se preocupe, logo sua vez vai chegar.
— Isso! — Fechou o punho ao levantar e abaixar o braço em um gesto de vitória. Depois virou para mim. — Você ouviu, irmã? Logo vai ser minha vez de lutar.
— Isso não me parece tão animador… — Olhei do garoto pros outros dois que conversavam entre si, depois de volta pro garoto. — Viu o que ele fez com Greeta? Foi muito fácil…
— Greeta é lenta, você ouviu. Nós somos menores, igual Cleiton, então somos mais rápidos.
— Não sei se essa lógica faz muito sentido. — Sorri meio boba ao lembrar de minha primeira corrida com Greeta.
— Já te falei que nós somos muito melhores. Podemos derrotar Greeta se tentarmos. — Seu entusiasmo era comovente.
— Você está muito convencido, sabia?
— Claro que estou convencido, porque sou um gênio. — Empinou o nariz, mostrando confiança.
— Cleiton disse para não deixar isso de gênio subir a cabeça — falei enquanto observava o balançar de sua cauda.
— Eu não deixei subir a cabeça, é apenas a verdade, eu sou um gênio — dizia com um sorriso e transmitia uma confiança quase palpável através de seus olhos amarelos que exalavam inteligência. — Você também ouviu Cleiton, eu sou um verdadeiro gênio da magia, e você é poder puro com magia de terra. Se juntarmos meu “celebro” e seu poder, seremos a dupla mais poderosa do mundo!
Considerei o que disse. Não estava apenas cheio de si, afinal. Ele era, realmente, muito inteligente e parecia aprender rápido, já sabia uma magia das trevas e havia começado a conjurar mana pura assim que Cleiton demonstrou como era.
Se ele fosse capaz de, de alguma forma, aprender a desconjurar outras magias e pudesse usar magia de terra para isso, eu poderia usar meus cristais para dar um fim a tempestade…
Com um sorriso em meu rosto que espelhava o de Draven, eu respondi: — Certo, você é o gênio e eu sou o poder, mas Greeta são os músculos e Cleiton é o líder.
— Hã? Por que Greeta é os músculos? — Sua expressão mudou para dúvida.
— Por que ela é forte, você ouviu Cleiton dizer isso, e ela precisa ser alguma coisa na equipe.
— Hum. Tá, mas eu sou mais importante que ela. Então nós quatro dominaremos o mundo! — Ergueu os braços para o alto com uma cara fofa.
Eu soltei uma risadinha e falei: — Dominar o mundo me parece meio errado, mas podemos salvá-lo da tempestade, o que acha? Seríamos tipo heróis, né?
— Hum… Parece bom também. — Abaixou os braços.
— E só mais uma coisa, gênio.
— O quê?
— É cérebro, não celebro — disse com ironia.
Ele piscou algumas vezes com um olhar de dúvida, até parecer entender.
— Ah, é que eu só sou um gênio para magia. — Coçou a cabeça com um sorriso meio envergonhado.
— Acredito nisso. — Sorri. — Então, pode me mostrar como começar com a liberação de mana pura?
— Ah! Sim. — Juntou as mãos em forma de concha. Demorou mais de meio minuto para que a mana pura se manifestasse em um fluxo contínuo para cima. — É meio difícil, de manter, mas é fácil de fazer.
O fluxo de mana sumiu de suas mãos.
— E como é? — Juntei minhas mãos como as dele e esperei suas instruções.
— É fácil, tipo tirar muito ar do nariz. Mas primeiro eu tive que sentir ela e fazer ela ir até minhas mãos, da mesma forma que tia Claudia me ensinou a fazer ela ir para minha garganta para falar o feitiço de escuridão.
— Hum… Vou tentar.
Tinha uma ideia do que fazer, mas nunca havia feito aquilo antes. Primeiro, olhei dentro de mim, visualizei a chama que era minha mana. Estava lá, como sempre, se movendo devagar pelo meu corpo, mas parecia muitas vezes menor que antes, ainda não havia se recuperado do evento de horas atrás, provavelmente, já que gastei toda minha mana naquilo, pelo que Cleiton disse na conversa com Claudia em Hinfrimmue.
Visualizar a mana era fácil, mas fazer ela ir para algum lugar, comandar e mover a mana dentro de mim, isso era complicado…
— Não consigo — falei ao abrir os olhos. A chama dentro de mim não se movia como eu queria.
— Estranho, para mim foi fácil. Deve ser porque sou um gênio. — Sorriu.
— Ou com certeza por ser um nephilim — rebati.
— Não, com certeza é por eu ser um gênio. Mas não se preocupe, eu vou ensinar você assim que descobrir mais. — Sorria ainda mais confiante.
Não gostava muito de pensar no jovem garoto sendo tão melhor que eu em magia. Era quase como observar os anjos usarem magia no reino dos anjos enquanto eu ficava para trás, mas de qualquer forma…
Suspirei e respondi com um sorriso: — Mal posso esperar.