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Ângela tinha uma expressão confiante no rosto, enquanto Greeta parecia querer muito aquilo que estava para acontecer.

— Por que você sugeriu uma coisa dessas? — perguntei a Cleiton que se encontrava ao meu lado.

As duas deram o sétimo passo uma para longe da outra na floresta escura e chuvosa. O espaço em que se encontravam era aberto o suficiente, sem árvores ou arbustos no caminho.

— Preciso saber com quem estou lidando nessa viagem. É uma boa forma de testar sua amiga — respondeu o anão, sem tirar os olhos de Greeta.

Oitavo passo. Ansiedade crescia dentro de mim. Não queria que ninguém se machucasse, mas ao mesmo tempo, estava curiosa para ver em primeira mão uma das lutas que pouco vi nas imagens das fontes.

— Testar? Ficou maluco? E se elas se matarem?

Nono passo. Greeta removeu sua capa de chuva; a pedra vermelha no cajado de Ângela começou a brilhar.

— Não vão, fique tranquila. Essa é uma forma delas estabelecerem a hierarquia. Com a chance de se mostrar superior, duvido que qualquer uma das duas queira matar a outra.

E então o décimo passo foi dado. Ambas estavam de costas uma pra outra, no aguardo, até que, depois de uns segundos, Cleiton elevou a voz.

— Comecem!

No momento em que ele gritou, cobri os olhos para não ver o que ia acontecer, mas a curiosidade falou mais alto e abri uma brecha entre os dedos para enxergar.

Greeta iniciou com uma arrancada incrivelmente rápida, muito mais veloz do que ao correr comigo, era quase inacreditável a forma como ela fechou metade dos vinte passos em um instante.

No outro instante, vinda do outro lado, uma bola de fogo maior que a cabeça de minha amiga lagarto voou em sua direção.

“O que ela vai fazer? Talvez se esquivar?” Foi o que imaginei, mas antes que o pensamento fosse concluído, a bola de fogo já havia alcançado seu rosto coberto por seu braço.

O braço se abriu na hora do impacto, inacreditavelmente dissipando a explosão de chamas como se não fosse nada demais, e mais importante não diminuindo seu ritmo nem por um segundo.

— Não vai funcionar! — Um sorriso surgiu em seu rosto.

— Ela sabe o que está fazendo — comentou Cleiton, o que me fez ter vontade de perguntar como ela pôde simplesmente fazer aquilo com a bola de fogo, mas não tive palavras para me expressar.

Ângela parecia perdida naquele momento, entretanto, ao ficarem à apenas três passos de distância, uma parede de chamas subiu do chão entre as duas, separando-as.

Greeta não parou, indo com tudo através da parede de fogo, com o sorriso no rosto e uma mão estendida para pegar Ângela, mas o que ela não contava era que a humana usaria a parede de chamas como cortina para conseguir se esquivar dela. E deu certo.

Com maestria, Ângela não só se esquivou de minha amiga, como também teve a proeza de passar um laço de chamas por cima da cabeça dela, prendendo-a ao seu cajado pelo pescoço.

Greeta não parou de correr, mas quanto mais ela avançava, mais o laço visivelmente apertava e queimava o seu longo pescoço. Ela foi forçada a frear sua corrida e agarrar o laço para tentar afrouxar.

Com um sorriso vitorioso, Ângela deu um puxão no cajado que apertou mais o laço e provocou: — Uma criatura boçal como você fica melhor na coleira. Desista!

— Nem morta! — Pegou a machadinha na cintura e cortou a corda do laço de chamas. O fogo em seu pescoço se dispersou, e o que sobrou foi apenas uma marca de queimadura.

Sua persistência e confiança no olhar faziam-me arrepiar todos os pelos de meu corpo e contrair os dedos dos pés sobre a terra.

Em seguida, ela jogou a machadinha na direção de Ângela. A arma girou com velocidade, gritei assim que ela chegou próxima da cabeça do alvo, mas a humana apenas se abaixou, e a machadinha passou reto por ela.

Mais uma vez, Greeta passou a correr na direção de Ângela, que respondeu com uma chuva de bolas de fogo de tamanho de punhos.

Em reação aquilo, minha amiga apenas fez um X com os braços em frente ao rosto para se proteger e continuou.

As bolas de fogo bateram contra ela em pequenas explosões, mas nada a abalou. Era impressionante como ela negligenciava as prováveis dores das queimaduras. Não sei se eu conseguiria o mesmo feito.

Sem saída, Ângela tentou fugir de Greeta, mas a mulher lagarto a alcançou no espaço de um segundo, se jogando em cima dela com a mão em sua cabeça, prendendo-a ao chão.

— Muito bem, acabou! Greeta venceu e Ângela vai ficar calada pelo resto da viagem — anunciou Cleiton, batendo palmas. — Agora, sai de cima dela.

— Eu queria muito rasgar seu pescoço agora, mas vou deixar essa passar, nobrezinha. — Se levantou e foi até sua machadinha, que havia ficado presa em uma árvore.

— Droga — disse Ângela, ainda no chão.

— Ei, Amyrrh, se ficar tanto tempo com a boca aberta ela pode acabar caindo. — Cleiton riu, antes de ir até Ângela.

Com seu aviso, no mesmo segundo fechei a boca, não queria que ela caísse. Ao respirar bem fundo, voltei a mim. Antes estava tão absorta na batalha que nem reparei o seu fim.

Logo corri para Greeta, envolvendo-a em um abraço.

— Ai! Amy, isso dói. Pra que isso?

— Ah, desculpa. — Afastei-me. — Eu só… Isso foi perigoso. E se você morresse? O que seria de mim? Vocês enlouqueceram? Poderiam ter se matado! Você… vocês…

— Ei! Eu nunca vou morrer, tá bem? Fica tranquila. — Bagunçou meus cabelos.

Dei uma boa olhada nela, seu corpo estava coberto por marcas de queimaduras, mas a de seu pescoço era a pior. Como ela pôde reagir só com ai com tantos ferimentos?

— Promete?

— Prometo.

Cleiton se aproximou de nós duas nesse momento.

— Já conversei com Ângela, deixei as coisas claras pra ela. Podemos seguir viagem normalmente, se quiser.

— Claro, podemos continuar, certo Amy?

— De jeito nenhum! E esses ferimentos?

— São só umas queimaduras bobas…

— Não, Amyrrh está certa. Tenho um pouco de myrrh na minha mochila, podemos tratar isso, depois continuamos.

— E deixar você por as mãos no meu corpo? — Tinha uma expressão de nojo no rosto. — Não, obrigada.

— Claro que eu não! Que tipo de pervertido pensa que sou? Faça você mesma. — Tirou a mochila das costas e abriu para começar a procurar.

— Está bem, eu mesma passo.

Cleiton entregou a Greeta um pote envolto em um tecido amarrado em cima.

Greeta abriu o pote, enfiou seu dedo que era grande o suficiente para tirar uma boa quantidade da mesma gosma que ela havia passado em mim durante todo o meu tempo de recuperação, e começou a espalhar pelo corpo nos locais das queimaduras.

Enquanto ela passava o gel curativo, aproveitei para fazer algumas perguntas que não tive chance de fazer durante a luta.

— Por que você foi pra cima das chamas invés de esquivar? Podia ter sido pior, não podia?

— Ah, eu estava toda molhada, e minhas escamas são fortes, sabia que não ia me machucar.

— Na verdade, escamas de lagartos das neves não são resistentes ao calor, mas sim ao frio. Mas está certa sobre a água, é uma tempestade mágica, o elemento fogo diminuiu muito sua eficiência nas últimas duas semanas, magias simples como as de Ângela não são mais tão perigosas.

— Aquilo eram magias simples? — Não conseguia me lembrar de ter visto nada como aquela coreografia nas fontes.

Uma vez, meus amigos me mostraram uma batalha de magia na fonte, mas eram só bolas de fogo disparadas dos dois lados. Não conseguia de forma nenhuma imaginar como Ângela tinha tanto controle sobre as chamas.

— Pra alguém que tem um grimório, sim, eram simples. Claro que já saíam das básicas magias de bola, mas os círculos mágicos usados não eram nada complexos demais. Imagino que vocês não tenham magia assim no Reino dos Anjos, certo?

— Não. Não usamos esses círculos vermelhos com desenhos. Nós só… bom, eu não consigo, mas os outros dizem que basta querer.

— Não consegue? Bom, deve ter alguma magia que você consiga usar. Sua raça se destaca com o uso da magia sagrada.

— Eu sei, mas não consigo. Nunca consegui usar nenhuma magia antes.

— Que estranho. Posso tocar seu peito para ver?

— Não vai tocar em peito nenhum! — exclamou Greeta.

— Deixa de pensar besteira! Eu só vou ver a quantidade de mana dela. Se não for o peito então as costas servem.

— Ah, sendo assim então tudo bem, se ela quiser.

— Não entendi, você quer tocar minhas costas pra sentir minha… mana? O que é isso?

— Mana é uma energia que corre em nossos corpos e na natureza, ela é a origem da magia. Quero ver se tem algo diferente com a sua, se me permitir.

— Não sei se entendi, mas tudo bem.

Tirei minha capa de chuva, que era a única peça de roupa que usava. O anão logo cobriu os olhos.

— Por favor, vire-se de costas antes que sua amiga me mate.

— Tudo bem. — Greeta riu. — Ela não tem nada no corpo, nem peitinho, nem nada embaixo, na frente ou atrás. Me pergunto pra onde a comida vai.

— Sério? Mesmo assim, prefiro não olhar. Vire-se, Amyrrh.

Não compreendi o que ele quis dizer, mas me virei mesmo assim. Queria que acabasse logo, já estava encharcada com a chuva fria. Embora o frio não fosse algo que me incomodava, a noite no Reino dos Anjos era tão fria quanto.

— Pronto — falei.

Esperei, por algum motivo um pouco de ansiedade crescia em mim. Seja lá o que ele fosse fazer, o resultado disso parecia importante.

Após um segundo, senti o toque de sua mão áspera entre minhas asas. Sua pele era diferente das escamas de Greeta, era mais suave, ao mesmo tempo que também era grossa.

— Vou começar.

Não senti nada com seu aviso. Greeta já havia parado de passar o gel no corpo e foi até sua capa de chuva sem tirar os olhos da gente. Demorou todo o tempo dela vestir a capa de chuva para Cleiton voltar a falar.

— Isso é incrível! No início pensei que não houvesse nada, mas agora, vejo que a quantidade de sua mana é ínfima, e a qualidade e péssima.

— Sério? O que isso quer dizer? — Animei-me com sua surpresa.

— Quer dizer que, sozinha, você não conseguiria usar magia nem com auxílio de uma pedra mágica.

— Ah… — Caí em frustração.

— Não se preocupe. A quantidade da mana cresce conforme você usa, a sua pode crescer, desde que use muito.

— Mas como vou usar se você acabou de falar que não consigo?

— Eu disse que não consegue sozinha, mas vou te dar um empurrãozinho. O primeiro passo pra usar mana é senti-la.

De repente, senti algo me invadir e parecia… se mover? Parecia, mas bem lento, quase parado dentro de meu corpo. Era uma sensação esquisita, mas… poderosa, de certa forma.

— O que você fez? — Suspirei.

— Estou injetando mana em você, consegue sentir? Sua mana estava praticamente parada em um único ponto, mas com isso, ela vai começar a se movimentar.

— Sim, estou sentindo. Mas o que eu deveria fazer com isso?

— Por enquanto só foque em sentir. Eu vou parar de injetar minha mana, você tem que ser capaz de sentir a sua mana sozinha.

— Está bem!

Ele removeu a mão de minhas costas e quase toda a mana que eu sentia se foi, sobrando apenas uma pequena brasa acesa a flutuar no vazio.

— E então, ainda sente?

— Não, só sinto uma coisinha… minúscula.

— Essa coisinha minúscula é sua mana, não a perca de vista, nunca. Esse é o primeiro exercício pra aprender a usar mana: primeiro, “sinta”. O segundo exercício seria “mova”, e deveria ser aplicado assim que o primeiro fosse completo, mas…

— Ah, perdi. Não sinto mais, será que a gente pode fazer de novo?

— Bom, como eu ia dizendo: mas você não está pronta. Peça a sua amiga para te ajudar quando tivermos tempo, isso gasta muita mana e já estou cansado de andar a noite toda. Quero sair logo dessa parte da floresta para poder descansar.

— Ué? Porque não descansamos aqui?

— Os animais da floresta nos comeriam. E então, vamos? — disse Greeta ao entregar o pote de myrrh para Cleiton.

Ele recebeu o pote e tomou a dianteira.

— Como desejar.

Com isso, vesti minha capa de chuva e começamos a andar, Ângela se juntou a Cleiton na frente, eu e Greeta seguimos logo atrás.

Não importava para onde olhasse, não havia nenhum animal na floresta, o que me deixava com dúvidas, mas as guardei pra mim enquanto tentava voltar a sentir a pequena partícula de mana dentro de mim, mas sem sucesso.

Demorou um tempo até chegarmos em uma parte menos densa da floresta e finalmente avistarmos o primeiro animal que vi desde que cheguei aos reinos inferiores. E com isso, nossa caminhada parou.

— Hora de caçar — disse Greeta, com um sorriso e um tom de voz malicioso.

— O que? Não! — falei.

— Sim. Vamos caçá-lo. — Cleiton tirou sua mochila das costas.

Fiquei indecisa entre qual dos dois tentava parar enquanto os via indo cada um pra um lado na intenção de cercar o animal.

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Olá, eu sou o TolrielMyr!

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