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Em meio ao choro da mulher acorrentada e aos gemidos gritados que vinham do outro lado da sala, Greeta não hesitou nem mesmo por um segundo em sua decisão.

A porta pesada de madeira e detalhes de ferro se abriu imediatamente com o empurrar de sua mão. Foi rápido, toda a cena foi rápida demais para que eu formulasse algum pensamento.

Tudo o que pude fazer foi me segurar firme no momento em que Greeta adentrou a sala, parecendo rápida como nunca, em um avanço direto à um hobgoblin mutante maior que os outros.

Sem a tocha em mãos, um pulo foi dado, com suas garras cinzas já para fora e miradas no ponto crítico. Em um segundo, o sangue da garganta do monstro já encharcava a mão de minha companheira.

No instante seguinte, quando o mundo deixou de ser rápido demais para respirar, a criatura rosnou um grito dolorido e bateu seu braço contra Greeta em um golpe que a jogou para trás com um gemido.

— Greeta! — gritei de cima dela, mas ela não respondeu.

Minha companheira continuou de pé por um momento, mas parecia desnorteada, cambaleando. Eu sabia que ela também havia sido mordida por aranhas, um golpe daqueles foi difícil de aguentar nesse estado. E então ela caiu sobre um joelho.

— Ah, mas que merda… Merda! Merda! — disse Astu com palavras horrorizadas atrás de nós. Ele devia acabado de entrar. Eu não podia ver sua expressão, mas sabia o motivo de seus xingamentos.

Com Greeta parada, foi possível ver mais claramente na sala iluminada por tochas. O monstro entrou em foco: com um corpo enorme, maior que o de Greeta, não só em altura mais em músculos, onde da metade para baixo era como uma aranha gigante e a metade de cima era um hobgoblin com um braço esquerdo e dois direitos, com a boca de uma aranha aberta no peitoral e uma face com diversos pequenos olhos vermelhos e nenhuma boca ou nariz. Era completamente desprovido de pelos da metade para cima e as únicas características de goblin que tinha eram a cor esverdeada e as orelhas pontudas.

Aquilo era de fato um monstro saído de pesadelos, uma criatura horrível que sangrava rios verdes pelo pescoço.

Mas ainda não foi isso que me chocou. Quando a criatura monstruosa se moveu, um gemido alto chamou minha atenção, e embora fosse muito difícil desviar o olhar da criatura, eu segui a origem não distante do som.

Uma mulher, de quatro em uma mesa ao lado do monstro, com uma venda nos olhos e baba escorrendo pela boca. Mais um gemido saiu de sua boca e seu corpo se contorceu, me fazendo ver a cena toda, o que eu preferia não ter visto.

De um dos orifícios da humana, uma coisa que parecia grossa demais para estar realmente lá, rosada e curva, saía completamente melada e pulsante de dentro dela conforme o monstro aranha se virava para nós e os gemidos dela continuavam sem parar.

Um sentimento de repulsa explodiu em mim, por mais desacreditada que estivesse diante daquela cruel realidade. E isso só se intensificou mais quando o monstro removeu completamente seu enorme membro da mulher e um líquido branco jorrou das partes da humana, que caiu na hora.

A boca no peito do monstro aranha soltou um grito gutural e suas patas se moveram com velocidade em nossa direção. Greeta ainda estava tonta e não reagia aos meus apelos. Por um momento pensei que fosse o fim, mas um jato de chamas veio de trás de nós, batendo contra o rosto da criatura e fazendo-a cessar sua caminhada.

— Monstro maldito — dizia Astu, avançando ao nosso lado com sua magia de fogo sendo disparada continuamente de seu cajado. — Queime como deveria estar queimando no inferno!

Com sua frase, a grossura do jato cilíndrico aumentou, e as chamas passaram a girar e pareceram adquirir um tom levemente mais avermelhado. O cajado então estava disparando uma torrente de chamas muito maior e mais quente do que antes de um grande círculo mágico que pareceu se atualizar, de alguma forma, com mais linhas sendo traçadas em seu interior.

Aquilo era… fantástico. Como ele podia enfrentar uma criatura como aquela daquele jeito?

A criatura parecia não aguentar a intensidade da torrente de chamas, enquanto Astu seguia sua marcha, ela recuava devagar com as três mãos na frente do corpo para bloquear a magia, mas era inútil, as chamas passavam e atingiam seu peito. Passavam até mesmo por ele e chegavam na parede do outro lado da caverna.

Mas por mais magnífico que fosse, preocupação e medo estavam instaurados em mim, e não pude deixar de me preocupar ainda mais por ter visto o rosto de Astu antes dele passar por nós. O mago tinha sangue vazando de seus olhos conforme seu poder aumentava. Não sabia quanto tempo ele poderia aguentar.

Saindo do transe, fiz mais um apelo: — Greeta! Vamos, você tem que lutar!

Minha amiga parecia ter finalmente ouvido. Sem dizer nada, ela apenas parou por um segundo e balançou a cabeça antes de focar na luta à sua frente.

Ela olhou para trás à procura de algo e correu para a espada velha que Astu largou no chão. Após pegá-la, deu uma arrancada em direção ao monstro, veloz o suficiente para alcançá-lo no momento em que as chamas cessaram, e em um salto, enfiar a espada até a metade no rosto abominável.

O ser mutante socou Greeta novamente com os dois braços, jogando-nos alguns metros para o lado até batermos contra a parede da caverna.

Bati a cabeça. Tudo ficou escuro. Olhos de aranhas se abriram na escuridão de minha mente e queimaram com uma intensidade absurda.

A mesma sensação de antes, choque, frio e quentura se apossaram de meu corpo, fazendo-me despertar apenas para procurar pela sala e ver o monstro caído imóvel, com a espada no rosto e bolhas de queimaduras terríveis pela metade de cima do corpo; Greeta ao meu lado tentando se levantar; e Astu, com dificuldade de respirar, apoiado na mesa de pedra melada onde a mulher humana estava deitada.

Respirei fundo. Havia acabado. Sobrevivemos à criatura mutante. E tudo o que eu conseguia pensar era em onde estava Cleiton.

Estava aliviada. Apesar da situação terminar em uma morte, estava aliviada. Aquele parecia ter sido o último monstro.

— Amy… Você tá legal? — perguntou Greeta se levantando, ainda visivelmente desnorteada.

Balancei a cabeça para responder: — Só bati com a cabeça… — Olhei para a moça humana na mesa e a sensação estranha se intensificou. — Acho… Acho que precisamos tirar aquela moça daqui agora.

— Está certo. Vamos só… descansar um pouquinho, tá? — Já completamente de pé, ela se deixou cair um pouco para trás para se escorar na parede. — Só um pouco.

— N-não — Astu se pronunciou, demonstrando dificuldade clara no momento de beber o líquido de um de seus frascos antes de continuar: — Não podemos… ficar. Podem ter outros… Vamos voltar… Esperar Cleiton.

Ele estava pálido, a única cor em seu rosto iluminado pela luz laranja das tochas era o vermelho do sangue que escorreu de seus olhos.

— Voltar? Por que não… esperamos aqui? — perguntou Greeta.

— Os monstros podem nos encontrar aqui… — falei, criando uma lógica na minha cabeça, ou entendendo a lógica de Astu. — Se voltarmos, os monstros só nos encontrariam se subissem o túnel, e Cleiton e os outros podem estar tentando abri a passagem, ele tem uma pedra mágica da terra.

Greeta respirou fundo e consertou sua postura.

— Mas e as garotas? Não vou deixá-las.

— Não vamos deixá-las… — Astu parecia estar um pouco melhor, de certa forma, mas ainda continuava do mesmo jeito. Não havia nem sombra de seu sorriso e bom humor. — Vamos esperar ajuda para salvá-las… Não conseguimos quebrar as correntes, teríamos que explorar todo o covil atrás das chaves.

— Talvez estejam nessa sala, não? Vou procurar por elas. Você não pode se mover agora mesmo.

Astu respirou muito profundamente antes de se sentar no chão com as costas contra a mesa e responder com um balançar de mão: — Tem razão. Faça o que tem que fazer.

Ao fim da conversa, segui Greeta até a mesa onde a mulher estava. Ela tinha a pele clara e cabelo liso curto em um tom violeta muito claro, não podíamos ver seu rosto por baixo da venda. Não olhei para o estado da parte de baixo de seu corpo, não queria olhar. Não queria sequer imaginar.

Apesar de tudo, ela não apresentava ferimentos, parecia bem. Queria tentar acordá-la, mas não quis tocá-la, conhecia bem a sensação de ser tocada após uma experiência como essa, embora o que eu passei não tenha sido nada em comparação…

Pobres mulheres. Por que esse tipo de coisa era permitido que acontecesse?

— Não vamos tirar sua venda. Não quero que ela acorde e veja à si mesma… desse jeito — disse Greeta, ela também não a tocou. — Astu…

— Farei o meu melhor para acalmá-la se ela acordar. Fique tranquila — respondeu o humano sem esperar que Greeta terminasse.

Minha amiga assentiu e se moveu de meu lado, mas eu fiquei, observando a mulher por mais um tempo.

Não era mais possível ouvir os gritos da garota do lado de fora. De repente, notei um silêncio quase absoluto e desolador.

Tudo o que aconteceu nas últimas horas foi demais para mim. Se essa fosse a vida de um aventureiro… Se fosse a vida de um explorador… Talvez eu não tivesse sido feita para experimentar esses horrores, e mesmo assim, que escolha eu tinha além de ficar mais forte para não passar mais por isso? Ficar mais forte para voltar para casa…

Mesmo tentar levar uma vida comum nesse mundo parecia impossível para mim. A mulher na minha frente era a prova. Não apenas ela, mas tudo o que vi desde que cheguei. Ninguém estava seguro, muito menos eu, e tudo graças à Tempestade Eterna.

Senti-me prestes a encarar o espaço negro mais uma vez, após tanto tempo, mas não aconteceu quando Greeta chamou-me.

Voltei à mim e deixei a mulher à minha frente com um pesar para seguir o chamado de Greeta do outro lado da caverna.

Evitei passar por perto do cadáver gigante do monstro… Era estranho que ele estivesse preses à nos matar poucos minutos antes e então ficou daquele jeito… Morto.

— O que foi? — perguntei ao alcançar minha amiga, e a resposta que eu obtive foi ela removendo um grande pano de cima de uma pilha de coisas douradas e prateadas.

Moedas, cálices, joias, pergaminhos. Era muita coisa.

— Achamos o tesouro dos goblins — disse ela com um pouco de ânimo.

— Cleiton vai adorar isso… — eu dizia quando minha visão alcançou um livro negro, com adornos de ouro e pequenas pedras vermelhas que lembravam os olhos das aranhas.

— Por que ele iria? Foi eu quem encontrei, então é todo meu — disse orgulhosamente. — Mas eu divido com você também. Pode pegar o que quiser.

— Posso mesmo?

— Claro. O que é meu, é seu. — Sorriu, mas não foi um grande sorriso como o de costume.

Sorri de volta, um sorriso sem humor que espelhava o dela, e dirigi minha mão ao que eu queria.

Talvez fosse pela batalha ou pelo veneno ainda agindo em meu corpo, mas parecia que quanto mais minha mão se aproximava do livro negro de olhos de aranha, mais pesada ela ficava. Ainda assim, fui até o fim e toquei o livro, apenas para puxar de volta minha mão imediatamente com uma reclamação dolorida em voz alta.

— O que foi? — perguntou Greeta.

Olhei para minha mão antes de responder: — Ele me queimou… — disse isso, apesar de não haver queimadura alguma nas pontas de meus dedos.

Enquanto eu abria e fechava a mão sem ter certeza do que tinha acontecido, notei Greeta se agachar e pegar o livro.

— Estranho, parece um livro normal para mim. — Ela apoiou o livro em seu braço sem mão e abriu. — Ah, não tão normal. Tem uma escrita estranha… Vamos pedir para Cleiton ver depois.

Eu assenti quando ela fechou o livro e abriu uma bolsa presa na base de sua cauda para colocá-lo dentro.

— Acha que Cleiton está bem? — perguntei.

— Tá brincando? He. Nada pode machucar aquele monstro. Não se preocupe com ele. — Deu-me outro sorriso daquele antes de voltar-se para a pilha de ouro. — Acho que não dá para levarmos muita coisa agora, mas só por garantia, vamos cobrir…

— Urgh… — Um gemido feminino interrompeu Greeta, que imediatamente se virou para a mesa de pedra, assim como eu. — O que… Quem são vocês?

A mulher humana havia se sentado na mesa, mas sem remover a venda.

Astu se levantou atrás dela, seu cajado preso nas costas.

— Você está bem? Consegue se mover?

— S-sim. Acho que sim. — Ela tentou se levantar, seu corpo completamente nu cambaleou ao ficar de pé, mas Astu a pegou com seu braço bom antes que ela caísse. Ela virou a cabeça para cima para encarar o aventureiro, mesmo com a venda, e disse: — Obrigada…

O rosto de Astu de repente ganhou cor, ficando vermelho quando ele virou a cabeça para Greeta e respondeu: — Não foi nada. Greeta, será que pode…

Greeta não perdeu tempo, já marchando em direção à eles com o pano que cobria o tesouro antes.

— Vamos te cobrir — disse ela ao enrolar o tecido sujo em volta da moça, que o segurou e agradeceu. — Não devia ficar de pé, não vamos sair daqui agora.

— Não — respondeu a mulher, sua voz fraca ao tocar o braço de minha amiga. — Outros virão logo, temos que ir.

A ideia dos monstros revezando a moça me veio à mente e senti minha expressão mudar, ao mesmo tempo, a mulher virou seu rosto para mim, como se pudesse me ver. Não pude ler sua expressão.

— Greeta, talvez seja melhor… — dizia Astu quando foi cortado por Greeta.

— Está certo. Amy, venha, vamos tirá-la daqui. Encontraremos com Cleiton e depois salvaremos as outras.

Fiz como ela pediu e me movi dali, tomando a frente deles para o lado de fora. Com os dois feridos e carregando a mulher, talvez eu fosse a melhor chance se encontrássemos um inimigo. Nenhum dos dois questionou essa ação.

O som de nossos passos ecoaram pela sala. Logo passamos pela porta por onde entramos. Peguei a tocha ainda acesa no chão e ergui, seguindo caminho com cautela.

Do lado de fora da sala, procurei por um momento enquanto me afastava da porta, tendo a certeza de que meus companheiros estavam atrás de mim.

— De onde viemos… — perguntei, mas antes que alguém me respondesse, os gritos vieram da parede atrás.

— Não! Não! O que vocês estão fazendo?! É ela! É ela! — gritava a garota acorrentada, Orianna.

— O quê…

— Tenha calma, Orianna — disse Astu em meio aos gritos histéricos da garota. — Nós voltaremos por…

— Vocês não entendem! É ela! Matem ela!

— Não! Não! Não!

— Ela não!

— Por favor, não!

Outras mulheres passaram a gritar junto à garota, enchendo a caverna antes silenciosa de um desespero contagioso que fez tanto à mim, quanto meus companheiros ficarem confusos.

Em meio ao desespero da garota um único gemido entrou em foco em meus ouvidos quando minha atenção foi atraída para Greeta, que tinha a machadinha na mão, e dedos humanos enterrados em sua barriga.

O olhar de minha amiga de repente adquiriu um aspecto doente e sangue escorreu por uma narina. Só tive a chance de gritar metade de seu nome quando vi uma cena que parecia impossível.

Greeta balançou sua machadinha, mas a mulher segurou seu braço sem dificuldade aparente com ambas as mãos.

— Estúpida. — A mulher gargalhou no momento em que um braço musculoso em carne viva simplesmente cresceu abaixo de seu braço direito e empurrou Greeta para trás, fazendo minha amiga cair de costas no chão.

Astu tentou socá-la, mas também foi empurrado como se não fosse nada.

Após derrubá-los, ela olhou para os dois aos risos que sobrepunham os choros desesperados das mulheres ali.

Quando terminou sua risada, ela virou-se para mim com um sorriso anormalmente largo e removeu a venda de seu rosto.

— Olá, anjo.

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Olá, eu sou o TolrielMyr!

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