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— Nome, idade e classe desejada.

O líder da guilda tinha uma cara feia, era de se imaginar que ele não esperava ter que fazer isso. Porém, não me deixei intimidar, sabia exatamente o que responder.

— Amyrrh Gloire; onze anos; maga de suporte.

— Onze? — Ergueu uma sobrancelha, podia ver sua raiva crescer ainda mais, mas não tanto quanto foi ao preencher a ficha de Draven. — Tsc. Maga de suporte então. Elemento especializado e função na equipe.

— Especialização em magia de terra; participarei da defesa e ataque diretos — respondi com confiança.

— Magia de terra para defesa e ataque. Só pode ser brincadeira. — Bufou. — Experiencia de batalha?

— Derrotei goblins sozinha e venho treinado em equipe contra meu líder.

Não podia contar das aranhas, mutantes e, principalmente, do demônio. Teríamos que elaborar uma história convincente e ainda seríamos taxados de mentirosos por não termos provas, exceto pelo livro demoníaco, mas isso só os faria querer ficar com o livro para si e não receberíamos nada em troca. Foi o que Cleiton explicou.

— Goblins, o mesmo que o garoto e a mulher lagarto. E ainda acham que vão enfrentar um dragão — dizia enquanto anotava as informações com um tipo de cristal que riscava o papel como tinta.

— Filhote de dragão — falei, lembrando-me de Cleiton.

— Hum, claro. — Largou o cristal na mesa e levantou-se. — Iremos aplicar seu teste. A mulher lagarto e o semi-humano saíram-se bem, mas confesso que quero muito saber o que você esconde por trás desses olhos negros e dessa corcunda atrás de você.

Levantei-me também e o segui para longe da arquibancada, ficando onde pude ver os olhares curiosos de todos os humanos focados em mim. Depois de verem do que Draven e Greeta eram capazes, provavelmente sua raiva se voltou para uma curiosidade genuína em relação à mim, que aos olhos de todos, era só uma garotinha estranha. Isso me deixou um pouco nervosa.

— Arrasa, Amy! — gritou Greeta sentada entre a multidão. Era fácil notá-la, um grande ponto amarelo em meio à tantos marrons, pretos e brancos comuns das roupas de aventureiros. Junto à ela, estavam Cleiton e Draven.

— Mostra o que sabe! — gritou meu irmãozinho.

Levantei uma mão e acenei para eles, apesar do nervosismo. Isso me animava um pouco.

— Não costumamos testar suportes de defesa e ataque nessa guilda, muito menos especializados em terra — começou o líder. Virei para encará-lo. — Por isso, vamos te testar como testamos magos de batalha. Primeiro você vai mostrar quais os limites de sua conjuração, depois vai enfrentar um mago de mesma classe para mostrar que é capaz de lutar. Como seu objetivo é a missão do dragão, acredito que não deva ser problema enfrentar um desafio à altura, certo? — Sorrio.

— Problema algum. — Nunca havia lutado contra um mago antes, mas Cleiton me garantiu que eu era mais do que capaz de lidar com qualquer mago que eles me fizessem enfrentar.

— Convencida — sussurrou antes de anunciar em voz alta para a plateia. — Chamo para atestar as habilidades da avaliada, Amyrrh Gloire, filha do rank B, Cleiton Gloire, meu amigo e braço direito, único rank C além de mim em Gáinel, o ascendente Jorge Peres!

A plateia explodiu em comemoração, mas eu não pude refletir o ânimo. Um ascendente… Nem Cleiton e nem Claudia falaram sobre isso. Não fazia ideia do que um ascendente era capaz…

Um homem negro, alto e forte descia da arquibancada e entrava na arena. Suas roupas não eram do tipo que magos usavam, e eu não via nenhum cajado, báculo, ou acessórios com pedras mágicas…

Ele era como eu? Estava escondendo cristais? Ou era como o Kamaitachi de Hinfrim, um nephilim capaz de usar magia sem pedras mágicas e com muita mana? Mas ele parecia humano… Eu poderia enfrentar um cara assim?

— Olá, garotinha. — A voz grossa me tirou de meus pensamentos quando ele veio à mim. — Seu grupinho teve sorte até então, não havia ninguém forte para colocá-los no seu lugar, mas comigo será diferente. — Seu sorriso era amedrontador.

O líder da guilda se afastou enquanto o grande homem continuava. De perto, podia ver que ele era, facilmente, dois de mim.

— Seu teste será simples — falava para a plateia ouvir —, vê aquele boneco? —Apontou para um tipo de boneco de madeira posicionado à alguns metros de nós. — Sem passar da linha aos seus pés, você deverá atingir aquele boneco com magia. Algo fácil para usuários de magia de fogo, vento e até mesmo água, com essa chuva imunda. Faça o seu melhor.

Ao terminar, ele cuspiu no chão, próximo de meus pés, onde uma linha branca estava riscada no chão de terra. Ele se afastou um pouco depois disso.

Olhei para o boneco, o encarei por uns momentos. Era uma distância considerável, mais do que meu alcance comum para uma coluna de terra.

Sabia que, na verdade, meu alcance real era muito maior que aqueles poucos metros. Havia outro boneco mais adiante, bem mais longe do que meu alvo. Poderia tentar acertá-lo se quisesse, mas era perigoso, não controlava bem meu poder. No entanto, mesmo que não acertasse, seria mais que suficiente para mostrar do que eu era capaz.

Cleiton disse para não mostrar tudo de mim, mas para deixá-los impressionados. Como poderia fazê-lo?

— A gente não tem o dia todo, fedelha! — gritou uma voz da arquibancada, deixando-me ansiosa.

Procurei pela voz na plateia, mas só encontrei Greeta xingando quem quer que tenha dito. Depois voltei a concentrar-me no boneco.

O vento soprava de forma suave as mechas de cabelo loiros que escapavam de meu capuz. A chuva continuava forte ali, mas já fazia muito tempo que ela não me incomodava mais. Pensei bem no que poderia fazer, só que não havia muito à ser feito.

Respirei profundamente, agachando-me devagar e pondo as mãos na terra. Comentários vinham de pessoas que falavam alto o suficiente para que eu ouvisse: “O que essa maluca tá fazendo?”; “Ela nem tem um cajado…”; “Disseram que ela é uma maga?”. Não me importei com eles. O que eu faria ali, decidiria meu rank.

Tornar-me uma aventureira era o primeiro passo para realizar meu objetivo. Não importava o que fizesse, tinha que fazer bem feito.

Sem mais cerimônia, forcei minha mana para fora rapidamente, a senti correr pela terra em segundos, como uma “onda” única antes de se dividir em duas e alcançar o boneco.

De cada lado, ao mesmo tempo, dois picos de terra sólida brotaram do chão em uma velocidade absurda, inclinados para atingir o centro do boneco, errando por pouco e acertando um pouco acima, bem abaixo do “pescoço”. Tudo acima das duas pontas das estruturas de terra voou com o barulho dos picos se chocando e do quebrar da madeira.

A cabeça do boneco caiu para trás. Após esse momento, levantei-me com calma e olhei para o ascendente, ele estava desacreditado. Logo, mais comentários vieram da plateia: “Sem círculo…”; “Como isso é possível?!”; “Que time absurdo…”; “Essa garota não é humana.”

Respirei fundo e relaxei enquanto ouvia Greeta vibrar em meio aos comentários. Pela expressão não só do ascendente, como do próprio líder da guilda, era quase certeza de que havia concluído meu objetivo.

Fiquei em silêncio por um tempo esperando, o ascendente continuava a me encarar, a plateia continuava desacreditada, mas nada prosseguia. Olhei para baixo e comecei a mexer um dos pés, balançando de um lado para o outro, o sorriso surgindo em meu rosto.

“Com certeza estavam impressionados.”

— Certo. — O ascendente parecia ter saído do transe. Levantei a cabeça para olhá-lo. — Seu ataque, bem, está bom. Acho que não precisamos de uma luta.

— O quê?!

— Um ascendente está arregando para uma criança?!

A multidão ficou em fúria de repente, mas eu apenas fiquei aliviada o suficiente para suspirar.

— Mas… — gritou ele, sobrepondo-se às reclamações da plateia — … você terá que provar que está hábil para a defesa. Prepare-se!

No mesmo instante, sem me dar tempo para processar, ele puxou algo fino e comprido de sua cintura, algo que eu reconheci: uma varinha de condão.

Quase me assustei, não sabendo o que fazer ou pensar, mas então, o choque se foi quando eu o vi balançar a varinha no ar. Ele estava fazendo um círculo mágico vermelho.

“Magia de fogo. Um jato? Uma bola?” perguntei-me enquanto assumia alguma posição aleatória com meu corpo nos segundos que tive antes do círculo estar completo.

De onde ele estava, uma chama surgiu no ar à frente do pequeno círculo, crescendo em instantes em um tipo de parede que avançou rapidamente em minha direção.

Logo antes dela me alcançar, desci com tudo e, assim que minhas mãos tocaram o chão, uma parede de terra se ergueu à minha frente, barrando as chamas por completo.

Quando a barragem de fogo passou por mim, dissipando-se ao entrar em contato com minha estrutura conjurada, eu coloquei lentamente minha cabeça para o lado da parede de terra.

— Acabou? — perguntei após alguns segundos.

— Sim, isso é suficiente — disse para mim, depois virou-se para a plateia. — A avaliação acabou.

Vários gritos nervosos ecoaram pelo lugar. A frustração deles era clara, e de certo modo, meio que acabei me frustrando também.

— É só isso mesmo? — perguntei ainda atrás da parede por medo de ser algum truque. — Eu ainda posso fazer mais, se quiserem.

Pude jurar que vi uma veia saltar em sua testa quando ele se virou para responder: — É só isso. Vamos decidir seu rank após avaliarmos os outros candidatos. Pode voltar pro seu grupo.

Ainda estava desconfiada, mas saí de trás de minha proteção. Entretanto, não pude deixar de perguntar enquanto passava por ele.

— Tem certeza que você é um ascendente?

— Some da minha frente, sua… — Ele bufou e se moveu rápido com passos pesados para onde seu líder estava.

Ignorei sua ofensa repentina e continuei meu caminhar, subindo pela escada da arquibancada, os olhares e comentários de todos fixos em mim. Estava olhando apenas em frente, com medo de encará-los ou ouvi-los, até chegar em meus companheiros que, felizmente, estavam sentados numa ponta.

— Muito bem, Amy. — Cleiton bagunçou meus cabelos. Senti-me corar com o gesto.

— Você viu a cara dele? Como estava? Eu queria ver o que ele estava pensando. — Greeta riu do que disse. Soltei um sorriso para ela.

— Ele estava com cara de bobo — respondi.

A verdade era que até eu estava um pouco impressionada, mesmo que tenha escondido. Foi muito rápido e violento, um movimento daquele em um ser vivo seria… E o mais espantoso era que eu só me senti gastar um pouco de mana.

— Foi muito massa quando você explodiu aquele boneco! — exclamou Draven enquanto eu me sentava ao seu lado.

— Não tão massa quanto sua avaliação. Você derrubou aqueles bonecos muito rápido, e sua luta foi muito boa também — falei, a mais pura verdade.

— É mesmo, eu fui muito melhor. Só queria que tivessem me deixado usar minha adaga, invés daquela de madeira. Mas você foi boa mesmo. — Ele parecia animado.

De repente, senti alguém me cutucar pelas costas. Uma moça humana, jovem, pele parda como a de Ângela, roupas de maga e um cajado em uma das mãos.

— Ei, você foi muito bem, colega. — Ela tinha um sorriso gentil no rosto.

— Ah, obrigada…

— Aí, garota, inveja mata — disse Greeta de repente. A moça pareceu um pouco desconcertada com isso.

— Ah, não, de jeito algum. Eu só estava querendo entender como ela fez isso. Quero dizer, muita gente quer entender, você nem usou uma pedra mágica. Tem algum colar com você?

— Amy, não responda, não é bom revelar coisas para qualquer um. — Greeta permanecia do contra, por mais que Cleiton apenas observasse. Mas eu sabia que ela estava certa.

— Por favor, não me entendam mal, eu só…

— Muito bem, iniciaremos agora as avaliações a partir da lista de candidatos. — O líder da guilda estava no centro da arena novamente. A moça parou de falar para ouvir. — Candidata número dois! Venha!

— Oh! Sou eu. — Levantou-se a moça simpática. — Não sou boa como você, mas espero que goste de assistir minha avaliação. — Ela sorriu antes de sair.

— Claro — respondi, observando-a ir para a escada. Seus dois amigos a encorajavam enquanto ela descia, como Greeta e Draven faziam comigo.

Observei-a o tempo todo. Sua avaliação não foi diferente da minha, mas me surpreendi com sua magia.

Ela conjurou um círculo mágico azul com seu cajado e as gotas de chuva à sua frente pararam de cair por instantes, elas flutuaram e se aglomeraram em uma bola, para ser lançada na direção de um boneco, que balançou com o impacto, mas não caiu. Ele era preso ao chão.

Nunca tinha visto magia de água pessoalmente, principalmente depois da tempestade. Foi interessante assisti-la.

Sua luta foi contra um avaliador diferente do meu, achei que ela se saiu bem. Mesmo que ela só conjurasse bolas de água, ela conseguia conjurar enquanto andava, e conseguiu esquivar-se das bolas de fogo de seu oponente.

Por fim, ela voltou para seu lugar para comemorar com seus amigos após o término da avaliação. Não nos falamos muito mais depois, mas conversamos um pouquinho enquanto assistíamos os outros candidatos.

O resto das avaliações não seguiram um padrão diferente: atacar bonecos e lutar contra um aventureiro. Sinceramente, eu achava esse teste bem falho, não mostrava nada do que um aventureiro enfrentaria, então como isso poderia avaliar quem estava pronto ou não para ser aventureiro?

Aqueles candidatos estavam acreditando que enfrentariam avaliadores em suas missões, mas a verdade é que enfrentariam monstros, era completamente diferente.

Se eu pudesse avisar para aquelas pessoas o quão difícil seria, elas desistiriam? Mas se nem eu desisti…

As avaliações continuaram até depois do escurecer, a arena estava sendo iluminada por tochas em vários pontos. Quando finalmente acabou, com Greeta já dormindo há um tempo, o líder da guilda se preparou com papeis em mãos para fazer anúncios.

— Agradeço à todos os nobres candidatos que compareceram no dia de hoje e peço perdão pelos problemas que tivemos no início. Vou direto ao ponto. Os avaliados que conseguiram se tornar aventureiros são… — Ele olhou os papeis com dificuldade. — … do grupo de Cleiton Gloire: Draven, rápido, preciso e letal. Assassino rank D.

— Isso! — gritou Draven extremamente animado.

— Greeta Pilliau — continuou —, incansável, veloz e destrutiva. Guerreira rank D.

— Ouviu isso, Greeta? — perguntei, mesmo sabendo que ela estava dormindo.

— Amyrrh Gloire — anunciou. Minha ansiedade cresceu mais do que achei que seria possível —, maga capaz em defesa e ataque, brutal. Suporte rank D.

— Isso! — Não me contive, minha voz soando mais fina que o normal junto à Draven.

Nós dois comemoramos alto enquanto Cleiton nos parabenizava. O sorriso em meu rosto com certeza alcançava meus olhos enquanto pulávamos de nossos lugares. Uma emoção dominava meu peito, algo que eu já quase não conhecia mais.

Foi só aí que percebi: eu estava feliz. Pela primeira vez em muito tempo, estava feliz. Meu objetivo estava um passo mais próximo.

Éramos, enfim, aventureiros.

Olá, eu sou o TolrielMyr!

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