COF* COF*
— Droga, esse lugar de novo?
Li reconheceu o céu vermelho que havia visto anteriormente, o cheiro de queimado, o cenário destruído, tudo menos o encanto, o feiticeiro e o exército que estavam ali.
— Bem, pelo menos isso ainda está aqui — recordou.
A pedra pontuda onde o canto era entoado estava no mesmo lugar, somente com a falta de quem o proferia.
HMM*
De um buraco na sola do rochedo, uma pequena criatura soltou um leve choro. Um vira-lata, muito parecido com um beagle, colocou a cabeça para fora.
— Você? É o cachorro da garotinha da vila, o que você está fazendo aqui, meu amiguinho?
O filhote olhou para Jihan por alguns segundos, saltando imediatamente para fora do buraco e começando a correr.
— Ei! Espera aí! — gritou, correndo atrás do animal.
Sem noção de tempo ou espaço, Li perseguiu o cachorrinho. Até mesmo a exaustão e a fadiga pareciam não existir. Após o que pareceram minutos ou talvez horas, finalmente chegou a um lugar que reconhecia minimamente.
— Que…?
O cenário em frente deixou o garoto sem palavras. Se um dia existiram muros, há muito foram tombados. Se um dia existiram casas, há muito foram demolidas. Se um dia existiram pessoas… há muito foram dizimadas.
A vila de Edremit estava completamente devastada, nem mesmo uma alma viva habitava a cidade. O cachorro, que havia parado momentaneamente, olhou para Jihan e correu em direção a uma das construções desabadas.
— Quer que eu veja algo?
AU AU*
O filhote tentou cavar na base dos destroços, indicando que algo estava embaixo. Li, sem ter muito o que fazer, começou a retirar os escombros um a um. Após algum tempo, o fundo foi revelado, uma imagem que fez Jihan levar as mãos à boca. Segurando o vômito, ele perguntou ao animal.
— Era isso que você queria que eu visse?
AU AU*
— Mas não tem mais nada além disso aqui!
AU AU*
— Está… faltando?
— LI!
Uma voz soou no ar, um grito de uma voz que Jihan conhecia bem.
— LI!
— Akemi?
— Acorde logo, moleque!
— Wang?
E, subitamente, dando uma última olhada no filhote, sua visão escureceu e pouco depois iluminou-se. A visão de Jihan finalmente normalizou, um teto de madeira estava centralizado a sua frente. Uma leve dor de cabeça confundia sua mente.
— Onde estou? — perguntou ainda confuso.
— Em Edremit — Uma voz rouca respondeu e Jihan olhou em direção a ela.
— Wang? O que aconteceu com você? — Li perguntou surpreso. Xu estava coberto de faixas, das mãos à cabeça. Algumas ainda estavam molhadas de sangue, outras pareciam ter sido trocadas recentemente.
— Alguns goblins desgraçados e um peso morto, foi isso que aconteceu comigo.
— Eu… desculpe por isso — respondeu Li, abaixando a cabeça.
TSK*
— Não é hora para isso, de qualquer forma — vendo a reação do garoto, Wang desistiu de provocá-lo. — Que merda que aconteceu com você? Já estava parecendo um pouco mal, mas foi quase um suicídio!
— Xu está certo, você parece estar piorando, enquanto estava desacordado, eu e ele decidimos que é melhor terminarmos essa missão sozinhos — Akemi concordou.
— Como assim? Vocês não podem fazer isso somente por que eu desmaiei por algumas horas!
— Dois dias! — exclamou a Meio-Elfa — você ficou desacordado por DOIS dias!
“Dois dias?” Li sussurrou para si mesmo. “Pareceu muito menos…”
— Enfim, não é hora para esse tipo de coisa — Xu a cortou e se virou para o garoto deitado. — O que está acontecendo com você pode estar ligado com o que temos estranhado nesses últimos dias, então, se tem alguma coisa, pode começar a falar.
Jihan olhou no rosto do albino, os olhos vermelhos o diziam que muito mais do que preocupação, ele estava determinado em concluir a missão, de uma forma ou de outra.
“Uma determinação objetiva é muito mais sincera do que um sentimento torpe” Pensou Li consigo mesmo.
— Pesadelos… estou tendo alguns pesadelos estranhos quando apago… — respondeu.
Wang levou a mão ao queixo.
— Pesadelos…? E como são?
— Estou aqui, dentro do mundo da missão, mas… é diferente…
— Li, diferente como? — perguntou Akemi.
— Na primeira vez, eu vi um ser proferindo algum tipo de encanto que eu não entendi, em frente a um exército de goblins — explicou. — Na segunda vez eu não vi nenhum monstro, somente o cachorro da filha do líder da vila. A filha do…
Li pensou um pouco sobre, mas seus pensamentos foram interrompidos por 2 homens entrando na tenda onde eles estavam.
— Você finalmente acordou — disse o chefe da vila — minha filha já estava ficando preocupada.
De trás do homem, uma garotinha espreitava, olhando para Jihan, apesar da idade, seu olhar expressava genuína preocupação. Li arregalou os olhos e levou a mão à boca como se segurasse algo, porém logo depois, deu um sorriso de canto para acalmar a garotinha.
— Alguma novidade? — perguntou Akemi.
— Bem, felizmente, apesar da falha da missão principal, o exército recuou para defender o seu líder. Não sei o que vocês fizeram, mas o estrago foi grande, visto que eles não retornaram na noite de ontem — explicou Bator. — Mas ainda temos que ficar atentos, eu sinto que o recuo é muito mais uma calma antes da tempestade do que qualquer outra coisa.
— Eu concordo, devemos tomar uma atitude o mais rápido possível, não sabemos quando a calmaria irá passar — disse Wang.
Assim que terminou de falar, um homem entrou correndo na tenda.
— Senhor, relatório! — disse o soldado.
— Prossiga!
— Nossos batedores avistaram uma grande movimentação suspeita nas regiões próximas ao ninho de goblins, os animais estão agitados e berros de monstros estão ecoando pelo vale da região. — explicou.
— Tão cedo… precisamos agilizar o nosso passo — disse Wang.
— Concordo, aparentemente não temos muito tempo — concordou Li.
— Sim, eu e a Meio-Elfa vamos cuidar disso, você fique aqui.
— O quê? Eu me recuso, estamos nessa missão juntos.
— É uma ordem! — exclamou.
— Quem te fez o líder dessa operação? — retrucou Jihan.
— Nós… nós fizemos — Akemi os interrompeu.
— Akemi…?
— Não podemos tomar o risco de você ser um peso novamente, Jihan — explicou. — Até termos certeza do que tem de errado contigo, não podemos arriscar… foi uma decisão da maioria do grupo.
— Acho que o garoto deveria ir, mas se é assim que decidiram, é assim que vai ser — concordou Beldor.
Li, sem ter o que falar, apenas engoliu em seco e aceitou a demanda.
— Enfim, vamos, temos que nos preparar para o que está por vir — declarou Bator. Assim que terminou de falar, o restante concordou e seguiu o Capitão para fora da tenda, deixando para trás apenas Jihan, a filha de Beldor, Maria, e um pequeno filhote.
— O senhor está bem? — perguntou a garotinha de perto da entrada.
— Eu estou, haha, pode chegar mais perto se quiser — um pouco desanimado, Jihan tentou deixar a menina mais confortável.
Se aproximando da cama, com o seu animal de estimação em mãos, Maria sentou-se na beirada do colchão.
— Eu ouvi o que você estava falando antes de nós entrarmos… estava falando sobre ter pesadelos, né? — perguntou.
Li estranhou a pergunta da menina.
— Sim…, mas estou bem, são só imaginações da minha cabeça, nada de mais.
A garotinha olhou nos olhos de Jihan
— Eu também costumava ter pesadelos, sabe?
Sem ter muito o que fazer, ele decidiu entreter Maria por algum tempo.
— Sério? E como eram esses seus “pesadelos”?
Desviando o olhar da direção do garoto, ela encarou o cachorrinho em suas mãos.
— É escuro… escuro… muito escuro, eu estou sozinha e não consigo me mover — a voz da menina tremeu de leve. — Estou sozinha e meu corpo dói… então, de repente, eu ouço o latido do Bin. — Maria então passou a mão na cabeça do cachorro. — Logo eu não estou mais sozinha e não está mais escuro, a dor some e de repente eu acordo. — E novamente ela olhou para Jihan. — Os seus pesadelos são assim também, moço?
Li encarava a menina com os olhos arregalados, sua mente trabalhava a milhão, ele olhou para baixo, tapando a visão de seu rosto com os seus cabelos. Em sua memória apenas uma imagem repetia centenas vezes. Olhos opacos, sem cor. Pele pálida. E por fim, o cheiro pútrido de um cadáver sem alma, um corpo sem feridas, com um leve sorriso, como se morresse em paz.
Jihan novamente levou as mãos à boca, tentando segurar o vômito que saía de sua garganta.
— O se- seu pai sabe disso? — gaguejando algumas palavras, Li perguntou.
— Sim, ele é incrível, não é mesmo? Ele é o capitão da guarda, mas sempre arruma tempo para brincar comigo.
— Hahaha… — rindo de nervoso, Li perguntou — Você quis dizer chefe da vila, não é mesmo?
— Não, meu papai é o homem com espada — discordou a menina. — O senhor me ajudou com os pesadelos e desde então eu vivo com ele, eu nunca saio de perto dele.
— Então, por que está aqui agora?
— O Bin me disse para voltar, ele me disse que você me protegeria.
Jihan lentamente olhou para o cachorro nas mãos da menina. “O que está faltando…”
CAIN*
No momento do choro do filhote, Li deu um breve suspiro de atenção. — CUIDADO! — rapidamente pulou e segurou a menina.
BUM*
A tenda explodiu de fora para dentro e todos foram atirados para longe. Após a poeira baixar, apenas um homem estava de pé.
— Hahaha… Tolos! Enfrentar todos os três seria um desafio, mas quem diria que seriam estúpidos o suficiente para se dividir dessa forma.
Um ser com presas pontiagudas, pele escura e olhos amarelos se erguia perante a área destruída. Apesar da aparência monstruosa, sua face era relativamente reconhecível.
— Quanto a você… — O monstro estendeu a mão e, do meio dos escombros, um pequeno animal se ergueu no ar. — Estou cansado de seus truques! Você é só uma ferramenta, uma que já não tem mais uso. — Energia começou a emanar do corpo do cachorro e fluir em direção ao corpo do ser. Assim que o fluxo parou, o filhote caiu no chão, já sem força.
— A força vital de uma Ninfa, ainda mais uma tão especial… que consegue manipular sonhos? Você realmente achou que eu não perceberia? — debochou, sua aparência ficava cada vez mais humana, até se tornar a figura de sempre, o chefe da vila, Beldor. — Tínhamos um acordo, eu ajudava a menina e você me ajudava com seu poder para que eu tomasse o exército daquele monstro imbecil. Quem diria que um ser com um poder tão poderoso seria reduzido a isso, um mero animal doméstico. — Sentindo o fortalecimento com a alma que acabara de tomar, ele declarou: — Agora só preciso que aqueles estúpidos se matem, hahaha, oferecerei as almas de todos os mortos para Grindar!
Assim que terminou de falar, Beldor se virou e foi embora. Alguns minutos depois, um braço coberto de sangue perfurou os escombros. Colocando metade de seu corpo para fora, já bastante ferido, Jihan respirou fundo e com sua outra mão levantou uma garotinha praticamente ilesa.
— Me desculpe não ter conseguido te ajudar…, mas pelo menos vou cumprir seu desejo — disse Li, olhando para o corpo da Ninfa, transformada em um animal.
— Hmm… o que aconteceu… senhor, por que está tão machucado!? — disse Maria acordando.
— Não se preocupe com isso. — Se apoiando no chão, Jihan retirou-se por inteiro, seu corpo todo machucado. — Preciso ir agora, se esconda na floresta.
— O quê? Não pode! Você está muito ferido — exclamou a garotinha.
— Estou bem — Li acariciou a cabeça da menina. — Mas se eu não for agora, meus colegas estarão em perigo, por isso preciso ir. — Sorrindo fortemente, Jihan assegurou a menina. — Não se preocupe, eu ficarei bem, sou bem mais forte do que pareço.
— Você promete?
— Eu prometo.
Com Maria soltando sua camisa, Li virou-se na direção em que foi Beldor. Assim que seu rosto saiu da vista da menina, ele se tornou extremamente sombrio e luvas se materializaram nos punhos de Jihan.
“BELDOR!”