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Capítulo 53: Mnemósine (2) 

RENNNNK 

As dobradiças enferrujadas da porta de madeira rangeram ao serem empurradas. O vento soprou pela velha casa, cujas janelas estavam fechadas, levantando a poeira que se acumulava no chão. 

— Parece abandonada? — Observou Matheus.  

— Estamos mesmo no lugar certo? 

— Acho que sim, olhe ali — apontou. 

Uma espada estava exposta, pendurada logo acima da lareira apagada. Os cômodos do primeiro andar eram praticamente todos conectados, possibilitando enxergar todo o ambiente.  

— O garoto disse que o homem costumava ser um aventureiro… digo, é um indício — explicou. — Quais as chances de acharmos outro ex-membro de guilda vivendo no mesmo caminho? 

— Vivendo…? Não sei se alguém realmente vive aqui… 

A parte de dentro da casa parecia praticamente intocada. Exceto por uma cadeira que estava derrubada, tudo parecia organizado e em seu devido lugar. 

— Queria não ter que concordar com você… — suspirou. — De qualquer forma, já estamos aqui, vamos nos separar e checar a casa. 

— Você fica com o andar de cima, eu vou vasculhar embaixo — disse Fynn, já saindo em direção a um dos cômodos. 

Separando-se, Matheus subiu as escadas que levavam até a parte de cima. Cada um dos degraus rangeu como se fossem desabar junto da casa. 

— Certo… 

Abrindo a primeira porta, tudo que encontrou foi um quarto comum. Cama, escrivaninha, armário e alguns rabiscos, que lembravam desenhos de criança, na parede. 

“Deve ser o quarto do garoto chamado Goven” pensou. “Como é possível esquecer do próprio filho… mesmo vendo tudo isso…” 

O pensamento correu por sua mente, mas rapidamente cessou. 

“Não é justo julgá-los dessa forma…” 

Voltando ao corredor, se direcionou a próxima porta, abrindo-a. Apenas uma cama maior, banheiro e dois armários compunham o cômodo. 

TOC 

— Hm? 

Vindo de dentro de um dos armários, Matheus ouviu barulho. Se aproximando com passos leves, ele abriu lentamente a porta. 

GRAAAH 

Assim que abriu, um corvo grasnou em seu rosto e voou para longe, levando-o a suspirar mais forte do que antes. 

— Não sei o que deveríamos encontrar aqui… — resmungou. — Esperava que ele estivesse em casa. 

Nada de diferente chamava sua atenção. Saindo do quarto, o homem se direcionou ao próximo. 

“Esse corredor… digo, esse andar parece bem menor visto de fora…” 

Outras três portas fechadas estavam dispostas a sua frente. 

“Talvez um banheiro e… quarto de visitas?” 

Abrindo a primeira, de fato era apenas um banheiro. 

“Ah… não vamos achar nada aqui, talvez devêssemos só ir embora” pensou. “Vamos fazer isso rápido e descer logo. 

A frustração já estava o atingindo, mas logo seguiu, abrindo a próxima porta.  

— Quê? 

— Líder? Por que você está vindo pela frente? Saltou lá de cima? 

Matheus se virou de costas. Olhando para trás, tudo que viu foi a pradaria; O vento soprava as gramíneas que balançavam num movimento quase robótico. Em sua cabeça, um som oco começou a ecoar, como se alguém estivesse batendo contra um vidro embaixo da água.  

— O que está acontecendo aqui…?  

— Líder? 

— Fynn, em guarda! — Ordenou. — Tem alguma coisa errada… eu estava no segundo andar agora a pouco! 

O barulho em sua mente continuava, mas um calafrio subiu pela sua espinha no momento em que uma voz veio de seu lado. 

— Líder, com quem você está falando? 

Saltando na direção oposta, Matheus se virou no sentido da voz. No entanto, antes que pudesse se equilibrar no chão, ele chocou-se contra uma parede. 

— O que tem de errado com você? 

O dono da voz era Fynn, que estava ao seu lado. Ele mesmo não estava próximo à porta, e sim no meio da sala, por isso chocou-se contra a parede quando saltou. 

— Você ficou um tempo parado agora a pouco e do nada começou a falar sozinho… 

— Eu… acho que estou um pouco mal, minha cabeça está doendo e… tem um barulho estranho… 

Fynn se aproxima. 

— Matheus, você está bem? 

Arregalando os olhos, o líder da equipe recua alguns passos. 

— O que foi? 

— Quem é você… não… o que é você? 

— ‘O que’ sou eu? — perguntou. — Sua dor de cabeça está te deixando doido?  

Quando o homem tenta se aproximar, Matheus também dá mais um passo para trás. 

— Pode tentar imitá-lo…  

 Apertando sua mão esquerda, a braçadeira que equipava seu braço subitamente se expande, crescendo até tomar a forma de um escudo micênico. 

— Mas os olhos e a expressão dele… 

Das suas costas, ele puxa um bastão de metal. No momento em que se posiciona em posição de guarda, a arma esticasse tornando-se uma lança.  

— Não são tão sãos quanto a sua…  

O som em sua cabeça, cada vez mais parecido com pancadas, aumenta a cada minuto. 

— Vou perguntar mais uma vez… o que é você!? 

                                                                                                     

  Assim que o questiona, o rosto de Fynn se contorce. Um sorriso que corta seu rosto de orelha a orelha aparece. Sua boca, acompanhada de toda a sua face, derrete como cera no fogo. Uma risada ecoa por toda a casa. Mas, o som que antes era uma batida oca, se torna um grito. 

— LÍDER, ACORDA! 

Abrindo os olhos, Matheus se depara com um homem posicionado a sua frente, de costas para ele. Com o canto da visão, seus olhos se encontram. Os de Fynn, como sempre, exalando a linha tênue entre a sanidade e a loucura.  

Seu rosto, no entanto, estava manchado do sangue que escorria de sua testa. 

— Finalmente… se você não acordasse, teria te abandonado aí! 

Levantando-se, rapidamente analisou seus arredores. 

— Corvos?  

Mesas, estantes, janelas, portas, cadeiras. Todos os lugares estavam cobertos pelos pássaros. Sua cor tornava o cenário completamente escuro, como se as sombras cobrissem toda a luz e apenas olhos amarelos brilhassem na noite. 

— Ha! Se fossem apenas animais, acha mesmo que eu estaria tendo problemas para lidar com isso? — Debochou. — Ele está se escondendo na escuridão… consigo sentir. 

Armando-se novamente, Matheus posicionou na retaguarda do outro. 

— Consegue me atualizar da situação? 

— Você caiu alguns minutos após entrarmos… isso já faz algum tempo… talvez mais de uma hora. 

— Somente eu?  

— É… meu palpite é que ele não consegue derrubar nós dois, nem para controlar todos esses animais ao mesmo tempo — explicou. —   Deve ter escolhido você por concluir que eu me libertaria mais cedo… e que você duraria mais… 

PLING PLING 

Gotas de sangue pingam aos pés de Fynn. 

— Você está ferido?  

— Perdão, líder. Lutar protegendo outra pessoa não é meu forte… 

— Não precisa se desculpar, adagas não são sua arma principal, você já estava em desvantagem desde o princípio… só aguente firme, vou nos tirar daqui! 

— Haha… você é realmente confiável… 

— Consegue achar a fonte dessa magia? 

— Se eu tiver tempo… talvez. 

— Tente. 

No momento em que Matheus terminou de falar, um dos milhares de corvos atirou-se em sua direção. Levantando seu escudo, o homem aparou o animal. 

CLING 

— Do que é feito essas coisas!? 

— Já te disse… se fossem apenas animais, não seria um problema — falou. — Se prepare, agora que ele não precisa dividir atenções, os ataques vão vir muito mais fortes.  

Como flechas vivas, dúzias de corvos dispararam em direção à dupla, que habilmente defletia e aparava cada um dos ataques. 

— Não podemos ficar aqui para sempre, provavelmente vamos nos cansar antes dele — disse o líder. 

— MATHEUS!  

Do meio da escuridão, uma voz masculina gritou. No segundo de hesitação, um dos animais passou pela defesa do homem, atingindo-o no ombro. 

GASP 

— Ei, não perca o foco! — gritou Fynn. 

Rapidamente se recompondo, Matheus defendeu o próximo ataque. 

— Pensei ter ouvido… 

— Se concentre na minha voz!  

— Fynn, vai ficar tudo bem?  

Dessa vez, a voz de uma mulher ecoou pelos ares. 

TSK 

— Fynn, você mentiu para mim? 

Os pelos no braço do brasileiro arrepiaram, um leve choque percorreu seu corpo. 

— Você… — A voz do homem de mullet engrossou. — Está passando dos limites… 

— AHAHAHAAHAHAHA  

Uma risada tortuosa e metálica reverberou pela casa. Um dos corvos que miravam em Matheus, mudou subitamente de direção, voltando-se ao outro homem. Mas, no momento em que o animal se aproximou, ele explodiu no ar. 

— Líder… vire seu escudo na minha direção… não consigo controlar isso muito bem… 

A pessoa com quem ele estava falando, que ainda se defendia de alguns projeteis, acenou com a cabeça, confirmando. 

Fynn respirou por alguns segundos. Uma aura elétrica percorreu seu corpo e o protegeu das ameaças que se aproximavam. Abruptamente, ele fixou seus olhos em um canto específico. Seu sorriso insano exposto em sua face. 

— Te achei. 

BUM 

Ao mesmo tempo, em que sua aura disparava em todas as direções, na velocidade de um raio, seu corpo investiu em um sentido exato.  

Devastando todos os animais que estavam ao seu redor, um fantoche de madeira foi revelado. Grudado na parede, imóvel, apenas observando. 

No instante em que Fynn estava prestes a alcançá-lo, uma energia escura o atingiu primeiro. O fantoche riu enquanto o rosto de uma mulher, a qual o homem conhecia muito bem, era moldado em sua face sem expressão. 

Um momento de hesitação era tudo que a maldição encarnada precisava. 

— FYNN!  

O monstro se afundava na parede, sumindo. Ao mesmo tempo, dezenas de animais atingiram o homem, empurrando-o para uma porta que abriu e se fechou quando ele passou. 

A onda de ataques repentinamente cessou, como se nunca tivessem existido. 

Matheus, correndo em direção à porta, a abriu. 

— Merda… 

Não havia nada. 

Nada além de um quarto, que era diferente.  

Não era de madeira, mas de tijolos. 

Um colhão velho e mofado estava no chão. 

Não havia escrivaninhas, armários, banheiros, nem mesmo cadeiras. 

Apenas um colchão no chão. 

Matheus conhecia muito bem esse lugar. 

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Olá, eu sou Dealer!

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