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Capítulo 59: Mnemósine (7) 

— Li!!! — Gritou Glória. 

O impacto do golpe o afundou em uma cratera em meio as raízes secas do chão. 

— HAHAHAHAHAHAHAHA. — A Criatura ri freneticamente, a mesma risada férrica e agoniante de antes. A cor de seus olhos vermelhos se intensifica.  

— Glória, você consegue sentir alguma coisa de errado com esse demônio? — pergunta Lisa, aparentemente não afetada pelo ataque que Jihan recebeu. — O demônio, apesar de ter um certo controle de mana, não possui inteligência avançada e nem parece ser capaz de se comunicar, tudo que ele faz é repetir frases e rir, apesar de ele ter alguns pontos fortes, suas outras características não parecem acompanhar… talvez possamos ganhar. 

O monstro se vira e lentamente caminha em direção ao trio. 

— O que você está dizendo, não viu o que acabou de acontecer? O que aquilo fez com o Jihan? 

— Está tudo bem… ele prometeu.  

As mãos da sacerdotisa tremem, mas seu olhar permanece estável. 

— O Li não é tão fraco! 

O monstro subitamente olha para trás, ouvindo alguma coisa. 

Do buraco criado pelo impacto, uma mão se estendeu, uma mão transpirando uma mana clara, brilhante e pura. Ele se impulsiona para fora, seu cabelo longo cai em seu rosto, tapando sua visão, o sangue que escorre de sua cabeça o molha e se torna incomodo. Li suspira e com seus dedos arrasta suas mechas para trás. Sua mana brilha, mas seus olhos cor de âmbar parecem brilhar mais ainda. 

Arrancando seu poncho rasgado, revelou seu antebraço esquerdo, rasgado pelo golpe que acabará de tomar. Sua armadura leve de couro continua relativamente intacta, mas visivelmente o ataque atravessou sua defesa, já que sangue escorria por todo seu corpo. 

“Acho que quebrei algumas costelas… meu braço esquerdo está quase inútil… mas… minhas pernas ainda estão boas…”  

— Ei, coisa feia! — Gritou em direção a criatura. — Nossa discussão ainda não acabou… onde pensa que vai?  

“Esse sentimento…” 

O monstro mais uma vez partiu para cima de Jihan, que tomou uma atitude diferente. Ao invés de tomar o golpe de frente, Li defletiu o braço da maldição para o lado esquerdo e rotacionando seu próprio corpo, acertou um chute lateral no tórax do demônio.  

“Essa sensação!” 

 Sua mente gravava cada sequência de golpes que seu inimigo tentava encaixar, adaptando-se e respondendo sempre que um ataque repetido vinha. Como uma máquina, cada segundo de combate era uma informação nova, um conhecimento novo, a maldição tentava consumir seus inimigos, não apenas fisicamente, mas mentalmente, porém, nesse momento, Jihan estava a devorando. 

“É A MELHOR!”  

                                                                                                     

— Seu tratamento está pronto, senhorita — disse Lisa. 

— Certo… mas… — Glória olhou para Jihan, apesar do combate parecer desfavorável, o homem não estava sendo empurrado. — Não acho que possamos ajudá-lo nesse momento.  

— Eu concordo — disse Hans. — Não diretamente, primeiro vamos tentar libertar o corpo de Fynn. Ainda temos que achar o Matheus… 

Os três concordaram, pelo rumo que a luta estava tomando, eles poderiam mais atrapalhar do que ajudar. Apesar de estarem presos em uma espécie de globo formado pelas árvores, o espaço não era curto de forma alguma, cerca de 20 metros separavam Li, que estava na extremidade e os outros integrantes que estavam no meio. Tomando algum tempo para analisar o corpo de Fynn, Lisa percebeu que seu corpo estava mais pálido do que antes. 

— Temos que tirá-lo, rápido! Acho que aquela coisa está se alimentando da mana dele. 

— Tem certeza de que é seguro? Não sabemos o que pode acontecer se agirmos sem cuidado — aconselhou Hans. 

Ignorando o conselho do homem, Glória puxou uma das raízes que estavam conectadas ao corpo inconsciente. Um buraco se abriu no lugar onde a planta foi retirada e sangue começou a vazar pela ‘veia’. 

— Glória? — surpreendeu-se Lisa. 

— Não temos tempo, eu sei que Li é forte, mas não sei exatamente quanto tempo ele vai aguentar… 

— Hm? — Repentinamente, a ferida que havia se aberto fechou-se.  

— Ele se regenerou…? Você por acaso sabia disso, líder?  

— Não… esperava que você pudesse curá-lo enquanto o tiramos, mas isso é melhor ainda, agora sei por que ele não estava ferido, não fazia sentido o Fynn ter sido capturado sem ferimentos… 

— As raízes estão mantendo-o vivo para usar como alimento… — concluiu a menina. — Apesar disso, à medida que formos retirando, a cura vai ficar mais lenta… 

— Felizmente temos você, certo? — disse Hans. 

— Sim… vou fazer o meu melhor. 

No momento em que ela tocou em outra raiz, novos monstros, semelhantes aos primeiros, saíram das árvores. Glória suspirou. 

— Logico que não seria fácil assim… — disse a mulher, levantando sua arma. — Lisa, continue com a operação, nos cuidaremos disso. 

                                                                                                     

Simultaneamente, o combate continuava, ambos estavam aprendendo um com o outro. O monstro tinha mais mana e continuava se regenerando, Li, pelo contrário, parecia assimilar informações e experiencias mais rápido, porém seu desgaste se acumulava.  

“Não posso deixar isso estender por muito mais tempo… tenho que acabar com isso o mais rápido possível, mas como…”  

Enquanto pensava, uma memória cruzou a mente de Jihan.  

“Escuta, Li, das quatro artes de Shijin, o Mergulho do dragão é provavelmente a mais difícil de se aprender” A voz de Amélie ecoou em sua cabeça. “Se o Quebra Cascos é uma concentração de mana explodindo de uma vez, o Mergulho do dragão é uma sequência de três ataques, sozinhos eles são fracos, mas se você conseguir conectar os três, a força é exponencial!” 

“Eu não tinha conseguido executar antes… mas nesse momento sinto que consigo! Só preciso de uma chance” 

Quando decidiu seu plano, o demônio, que até o momento havia se concentrado totalmente na luta, se virou na direção de onde estava o trio. 

“Agora!” 

Concentrando a mana na sola dos pés, Li acumulou toda a força que podia nas pernas e disparou num impulso que cortava o ar, alcançando imediatamente o demônio distraído e surpreso pelo súbito aumento de mana do homem. 

— ASCENSÃO!  

BUM  

Seu pé conectou com o queixo da criatura, atirando-a para cima. Seus olhos vermelhos balançavam desconexos e perdidos.  

GASP 

“Só o primeiro golpe já consome tanta energia!?”  

Ignorando a dor, Jihan rapidamente pulou no ar e chutou o tórax do monstro, com ainda mais força, atirando-o no chão. 

— MORDIDA! 

BUM 

Pousando em uma árvore próxima, Li mais uma vez impulsionou-se alcançando a maldição que estava prestes a atingir o chão. No momento em que se aproximou, Jihan girou seu corpo no ar, ganhando velocidade de rotação e aumentando a força de seu impacto. No segundo em que a criatura acertou o chão, o último chute conectou. 

— MERGULHO!  

BUM 

Com a explosão do golpe, a terra por baixo das raízes levantou no ar, criando uma cortina de poeira. Jihan se aproximou do buraco que havia criado.  

“Funcionou?” 

— Urgh! — Li se ajoelhou no chão, sentindo uma dor absurda.  

“Isso é o rebote do golpe? Minha mana está quase esgotada…”  

SHANK 

— Er…? 

PLING PLING 

Sangue gotejou do tórax de Jihan. A poeira lentamente baixou. Uma lança de metal vinda do chão atravessava seu estomago. O brilho da mana branca lentamente baixava, mas antes que sumisse, Li enxergou um rosto familiar por baixo de todas aquelas raízes. Sua boca balbuciava palavras desconexas com a realidade. 

— Morra… demônio… imundo  

Li sussurrava suas últimas palavras enquanto seu corpo já ajoelhado caia no chão e seu coração parava. 

— Ah… Matheus… é aí que você… esta…va. 

THUD  

— AhaHAhahaHAHAHAHAHAHAHahahahaHAHAHAHAHAHA — A risada ecoava por toda a floresta.  

                                                                                                     

— Li…? 

Vendo de longe, a sensação de que o homem havia ganho a luta foi curta, cortada rapidamente após ouvirem a risada percorrer toda a floresta. Lisa, que havia acabado de retirar Fynn do chão, foi a primeira a ver o corpo no chão após a poeira baixar. Dentro da sua mente, outra voz gritava desesperadamente. 

“Troque de lugar comigo, menina! A última chance se foi, eu consigo nos tirar daqui, é melhor que sobreviva sozinha do que morra com todos!” Luna implorava, mas a sacerdotisa não a ouvia. 

— Ele… morreu? 

Ao ouvir as palavras da garota, Glória raciocinou a melhor saida na situação. Ela queria estar em qualquer outro lugar, em qualquer outra situação, por dentro desejava que nunca houvessem saído de Anpýrgio, mas como líder, ela não podia se deixar tomar por tais sentimentos agora. 

— Hans, tem alguma coisa que possa carregar a menina para fora daqui?  

— Talvez… mas para dá-lo energia para carregá-la para fora, mesmo comigo inconsciente, eu teria que me desfazer da invocação que está indo em direção à cidade… e de Hildisvíni — respondeu o homem, entendendo o pedido. 

— Eu realmente não sirvo para ser uma líder… — lamentou Glória. — Faça! 

— Fico feliz que tenha tomado essa decisão, líder — agradeceu o homem. Hildisvíni desapareceu em cinzas e Hans recuou, deixando Glória com o trabalho extra. 

Puxando uma faca de sua cintura e a manga de sua camisa, desferiu um corte em seu braço. 

— Ei, o que é que você vai chamar?  

— Já vou morrer mesmo! — Deixando o sangue correr até suas mãos, o invocador entrelaçou seus dedos e estendeu os braços horizontalmente. — Oh, acorrentado caçador da noite, liberte-se de suas amarras e venha ao mundo. Responda ao meu chamado e afunde essa terra maldita de volta para a escuridão, venha FEN…  

THUMP 

Subitamente o ar congelou.  

Os monstros, Glória, Hans e Lisa paralisaram.  

THUMP THUMP 

O som de um coração batendo ressoou em suas mentes. 

THUMP THUMP THUMP 

As criaturas mais fracas foram as primeiras a colapsar. Logo em seguida, Hans, Glória e Lisa desmaiaram. A risada arrogante de antes também cessou. 

THUMP THUMP THUMP THUMP 

Apenas uma voz grave, rouca e pesada atravessava o som das batidas do coração., uma voz que carregava um terror maior do que qualquer coisa naquela floresta. 

THUMP THUMP THUMP THUMP THUMP 

— Quanto tempo faz… 

THUMP THUMP THUMP THUMP THUMP THUMP 

— Já não me lembrava de como é… 

THUMP THUMP THUMP THUMP THUMP THUMP THUMP 

— A sensação de estar vivo.  

Essa voz, vinha do corpo cujo coração a pouco havia parado de bater. 

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