Não existe razão alguma para não acreditar na possibilidade de haver uma evolução durante uma batalha.
Sem medo de falhar ~ Sócrates
— Até quando você vai ficar nessa posição, já está me assustando um pouco…
Com a parte matinal do torneio quase finalizada, Li ainda estava na mesma posição inicial, assistindo atentamente sem piscar cada movimento dos participantes das partidas. Gloria, Selene e Hans haviam descido para área dos participantes logo no início da manhã; a primeira já havia tido sua luta, com o resultado sendo a vitoria com certa facilidade, sobrando apenas a de Hans naquele dia e a da conjuradora no dia seguinte. O homem, no entanto, não perdia seu foco, sua atenção era tanta que até mesmo Fynn já estava estranhando.
— Digo, você não está nem mesmo piscando, isso é extremamente perturbador.
— Hm? Disse alguma coisa, Fynn — perguntou Li.
— O que é isso, você estava dormindo de olhos abertos ou algo do tipo? — retrucou desconfiando.
— Dormindo? Hahaha, não, só estava assistindo mesmo, de acordo com as chaves a partida de Hans está prestes a começar.
— Então, já é a vez dele…
*
“Acha que está preparado para o torneio?” Fynn lembrou de uma pergunta que fez a Hans alguns dias antes. Nas últimas semanas os dois começaram a treinar juntos arduamente, ficando cada vez mais próximos a ponto de se tornarem verdadeiros amigos.
“Vai saber…” respondeu o homem. “Meu estilo de luta não funciona muito bem no um contra um, além disso ouvi dizer que essa geração de novatos é uma geração de ouro…”
*
— Acha que ele vai ter problemas? — perguntou Li, voltando a olhar para arena A. Ao mesmo tempo dois homens entravam nesta mesma arena
— E com vocês, nossos últimos participantes do dia — anunciava o narrador. — De um lado, Hans Arkerman da facção de Arcadia!
HEEEEEEEEEEE
— Ele é daquela família?
— Achei que eles tinham desaparecido…
Varios espectadores começaram a conversar entre si na plateia.
“Não sabia que o Hans vinha de uma família famosa” Pensou Li.
— Do outro, Galilei, da facção de Solaris!
HEEEEEEEEEEE
— Problemas?
— Comecem!
*
“Meu estilo de luta não funciona muito bem no um contra um, além disso ouvi dizer que essa geração de novatos é uma geração de ouro… mas… pretendo acabar com pelo menos alguns deles.”
*
— Acho que é bem o contrário.
No instante em que o narrador deu início ao combate, Hans imediatamente colocou suas duas palmas no chão.
— Venha, Ooakimizu! — gritou.
Seu oponente, armado de espada e escudo amarelos e usando de uma armadura de ferro pesada, não entendeu a movimentação do homem, pelo menos nos primeiros instantes.
CRACK
Uma rachadura subitamente surgiu nos pés de Galilei, que saltou para trás por segurança.
— Tarde demais!
A rachadura no chão dobrou de tamanho e quebrou-se, revelando uma grande boca dentada que facilmente engoliria uma pessoa. O verme saiu do buraco, curvando-se na direção do homem que brandiu sua espada para defender-se.
CLING
— Impossível! — amaldiçoou Galilei quando sua espada defletiu no dente do monstro.
Ooakimizu seguiu seu caminho imparável, abocanhando por inteiro o homem e afundando seu corpo no chão. O verme continuou descendo, mas o corpo do homem saiu por sua parte traseira, junto a sua espada e escudo, mas sem sua armadura. Marcas de dentes marcavam todo seu corpo sangrento. A plateia que antes comentava sobre sua família calou-se. Até mesmo o narrador calou-se por um instante, mas assim que percebeu o silencio voltou a falar.
— Como esperado de alguém da família Arkerman… a vitória é de Hans Arkerman!
Sem dizer uma palavra Hans deixou a arena. Alguns espectadores comemoraram e bateram palmas, outros continuaram de boca fechada.
— Qual o problema dessa gente, foi uma vitória esmagadora, deveria haver mais alvoroço — disse Li.
— Eu sei que você não liga para esse tipo de coisa, Li, mas a família Arkerman não é muito bem vista há algum tempo — explicou Matheus.
— Não é? Porque?
— Desde que minha irmã traiu a humanidade e se juntou aos demônios — Hans, que havia acabado de entrar na cabine junto a Gloria e Selene, respondeu.
— Hans… — disse Fynn.
— Não tem problema, não é nenhum segredo de estado mesmo — falou o homem. — A família Arkerman é uma… era uma família capaz de domar demônios, mas já faz mais de um século desde que a última pessoa capaz desse feito havia nascido. Minha irmã gêmea era uma dessas pessoas… isso até ela mesma se tornar um.
— Mesmo assim — disse Li, ainda assistindo a última luta acontecendo. — Sua irmã é sua irmã, você é você.
Virando-se para Hans, ele continuou.
— Estou errado?
Se fosse qualquer outra pessoa dizendo a mesma coisa, talvez não teria o mesmo efeito no grupo, mas Jihan sempre era, as vezes até mesmo desagradavelmente, sincero.
— Não… você não está errado — respondeu Hans.
— E com este último resultado, finalizamos a parte matinal do primeiro dia do nosso grande torneio de Erebus! — anunciou Teo, o narrador. — Continuaremos com a parte da tarde após um curto intervalo para vocês, nossos telespectadores, aproveitarem nossas instalações para almoçarem.
— A próxima luta… — disse Gloria.
— É a minha — complementou Matheus. — Bramir… não tenho a menor ideia de quem seja essa pessoa.
— Termine logo e preste bastante atenção no oponente ao seu lado, especialmente na mulher — avisou Li.
— Na mulher?
— Na dúvida, a maior pessoa que estiver na Arena. Não vejo ela desde os testes, mas ela já era mais alta do que eu naquele momento.
— Lembre-se de focar você também — falou o líder. — Quando eu terminar, você vai ser o próximo.
— Meu oponente vai ser aquele Javier — pensou Li. — Fynn, você disse que o conhecia, tem algo a dizer sobre ele?
— Bem, conhecer é uma palavra muito forte, eu tenho familiaridade com ele — respondeu. — Sei que sua arma é uma lança curta, mas sem escudo. Ele luta de maneira despojada, sem se preocupar muito com sua defesa, além disso ele é da facção do Nilo, além de ser um dos novatos treinados por Medea, então tem bastante conhecimento sobre conjuradores e invocadores, o que não deve ser um problema para você.
— Acho que isso é informação mais do que o suficiente — observou Gloria.
— Eu fiz uma pesquisa sobre os possíveis concorrentes antes do torneio, fico feliz em ajudar — disse Fynn.
— Obrigado — agradeceu Li. — De qualquer forma, vocês deveriam ir comer alguma coisa, a luta de Matheus é daqui a pouco e logo em seguida já é a minha, fora isso a do Fynn é só amanhã.
— Não vai comer nem um pouco? — perguntou Selene.
— Estou ansioso demais para isso, quero logo testar tudo que aprendi ate aqui — respondeu.
— Nós voltaremos para assisti-los — afirmou Fynn, estendendo o punho. — É melhor não perderem.
— Com quem você pensa que está falando, vamos dar um show! — disse Li, cumprimentando o outro, também com o punho.
— Boa sorte pra vocês dois queridos — falou Gloria.
— Acabem com eles! — gritou Selene, empolgada.
Quando os quatro saíram, Li e Matheus se direcionaram ao salão onde os participantes aguardavam suas batalhas. Assim que entraram, Jihan esbarrou em uma pessoa encapuzada que passava ao seu lado.
— Ah, me desculpe — pediu.
— Sem problemas — respondeu a voz feminina.
Quando ouviu a resposta, Li instantaneamente parou e se virou para a pessoa alguns passos a frente.
— Akemi?
— Hm? — Uma pessoa também encapuzada que andava ao lado da primeira parou e virou-se, falando alto o suficiente para os dois homens ouvirem. — Ei, menina, aquele ali sabe seu nome, você o conhece de algum lugar? — Sua voz era de uma mulher mais madura.
A menina a qual a mulher mais velha se referiu também parou e virou-se para ela. Li conseguia ver sua boca se mexendo, mas nenhum som saia dela.
— Incrível… é linguagem élfica — comentou Matheus.
— Linguagem élfica? Mas eu não ouço nada — perguntou Li, confuso.
— Claro que não ouve, elfos são os seres mais próximos da mana, suas palavras não geram som a não ser que queiram, elas viajam através do vento direto para os ouvidos do ouvinte desejado… e sim, é tão complicado quanto parece, por isso é tão raro.
— É você, certo? — falou Li. — Eu reconheceria sua voz em qualquer lugar, Akemi.
— Minha aprendiz disse que não deseja falar com você neste momento — disse a mulher mais velha.
— Quem é a senhorita? — perguntou Matheus.
— Oh… usou as palavras certas, moleque — respondeu a mulher. — Meu nome é Miriem, sou de Yggdrasil.
— Miriem… Miriem!? — o líder ficou surpreso. — Você é aquela Miriem? A elfa mais jovem a se tornar uma Lorde de Yggdrasil?
— Ahahahaha, meu nome ressoa até mesmo nos reinos humanos — gargalhou a mulher. — Está vendo, garota, sua mestra é incrível!
A menina mais baixa puxou levemente o manto que cobria a sua mestra, mais uma vez mexendo a boca sem soltar nenhum som.
— Já entendi, já entendi — A Lorde se virou na direção de Li. — Garoto, minha Akemi disse que não vai falar com você nesse momento, ela disse que vocês vão se enfrentar nas oitavas, certo?
Jihan confirmou, acenando com a cabeça.
— Então basta você chegar até lá — falou a mulher, sorrindo. — Guerreiros de verdade conversam com seus próprios punhos! Vamos logo, Akemi. — Finalizou, se virando e continuando a andar.
— Então aquela é a Akemi, da história que você contou para o Valhir? — perguntou Matheus.
— Sim, exatamente ela.
— Sua amiga deve ser bem forte, Li; os discípulos de Lordes costumam ser talentos do tipo um em cem mil. Tem certeza de que consegue ganhar dela?
— Não sei sobre ganhar — afirmou, pela primeira vez não demonstrando a gigantesca confiança de sempre. — Mas vai ser um belo show. Além disso… você vai estar me esperando nas quartas, como posso te deixar sozinho nessa?
— É assim que se fala — disse Matheus, dando um tapa no ombro do outro homem.
— Vamos também, temos que nos preparar para o primeiro combate.