Capítulo 717 – Um dia em Aalto

Aalto em outubro era como um pedaço de fruta em cima de um bolo, doce, mas ligeiramente fria. O amplo terrento estava coberto de campos de cultivo dourados que formavam um forte contraste com as árvores amarelas da cidade. Juntos, formaram uma vista pitoresca. A música, que era produzida por diversos instrumentos musicais, podia ser ouvida a certa distância, o que acrescentava à imagem uma bela música de fundo. Aalto merecia o título de Cidade da Música.

“Floresta Negra de Melzer sempre parece tão escura…” disse Natasha. Ela estava parada à beira do rio Belém e olhando para as árvores do outro lado da água. O vento do outono acariciava seus longos cabelos roxos no ar.

A floresta negra estava cheia de lembranças de seus primeiros anos. Havia trabalho duro, dor e alegria na floresta. E ela nunca esqueceria o que uma vez aconteceu com ela ali.

“Abetos negros, únicos na área ao redor da Cordilheira das Trevas. A cor deles pode vir da contaminação de uma dimensão alternativa específica…” disse Lucien no tom de um professor.

Natasha se divertiu. “Eu não me importo com o porquê deles serem negros. O que realmente importa para mim é que uma vez fui perseguida por cinocéfalos¹, sofri dores fortes por comer frutas erradas, bati minha cabeça no chão devido à paralisia do veneno, fui esfaqueada na parte inferior do abdômen e então alguém teve que me colocar de costas e correr por nossas vidas…”

Ela sabia que Lucien queria que ela se animasse.

“Você foi perseguida por cinocéfalos? Achei que nunca tivessem sido um problema para você. Lucien estava bastante interessado. A seus olhos, Natasha devia ser uma pequena Valquíria desde que era uma garotinha.

Natasha curvou os lábios. “Se fossem menos de dez deles, sim, eu poderia vencer. Mas o problema é que havia centenas deles, e um deles podia até lançar feitiços!”

“O que diabos você fez para fazer várias tribos de cinocéfalos perseguirem você?” Lucien riu.

Natasha hesitou um pouco e acenou com o braço no ar. “Não me lembro!”

“Mas você tem dito que nunca esquece nada…”

“Nem sempre. Eu simplesmente não consigo me lembrar!”

Conversando alegremente, eles caminharam ao longo do rio e aproveitaram a brisa suave.

Nesse momento, Natasha parou e apontou para a beira do rio onde muito lixo se acumulava. “É aqui que você achou seu primeiro balde de dinheiro?”

“Sim… Muito obrigado à princesa que deixou cair o véu de rouxinol que me ajudou a dar o primeiro passo para sair da favela.” Lucien viu as pilhas de lixo e ficou um pouco emocionado.

Nas pilhas de lixo, um casal de pobres suportava o mau cheiro para procurar algo que ainda pudesse valer alguma coisa. Na margem do rio estava um homem atarracado que os supervisionava de braços cruzados. Mesmo em outubro, ele usava apenas um casaco fino e marrom.

Natasha suspirou: “Este lugar ainda está sob o controle dos bandidos.”

“Novos gângsteres depois da Gangue de Aaron.” Lucien não se surpreendeu. O nascimento de uma nova gangue não foi surpresa em Aalto. Era apenas uma questão de tempo.

O homem atarracado notou Lucien e Natasha. Ele estava prestes a avisá-los e fazê-los ir embora, mas se virou para desviar o olhar depois de ver as roupas elegantes que eles usavam. Aos seus olhos, eles poderiam ser nobres, então ele tinha que ter cuidado.

Para seu grande alívio, o casal não fez nada além de continuar caminhando em direção ao portão da zona do mercado.

Era hora do chá da tarde e os guardas parados no portão estavam muito cansados. Depois de dar uma olhada em Lucien e Natasha, que haviam mudado ligeiramente de aparência, um dos guardas acenou com a mão e os deixou entrar porque ambos pareciam bastante decentes.

A zona do mercado ainda tinha o mesmo tipo de movimento, e a língua comum no sotaque de Aalto e como as pessoas se vestiam instantaneamente os trouxeram de volta às suas primeiras memórias.

“Parece que nunca saímos daqui…” disse Natasha. Ela já havia cavalgado muitas vezes pelo portão e vindo ao mercado usando um véu para encontrar engenhocas interessantes, então estava muito familiarizada com este lugar.

Lucien assentiu e respirou fundo. O ar misturado com o cheiro de churrasco, temperos variados, corantes, fumo, bebida e fedores o puxaram de volta ao início, quando ele teve que dobrar as costas para se alimentar.

“Eu já fui um trabalhador aqui,” Lucien apontou para uma das lojas e disse, “mas não era forte o suficiente. Um único saco de areia poderia me fazer cair no chão.”

Natasha sorriu e ouviu. De vez em quando, ela apontava para uma loja e dizia: “Essa mercearia tem uns cinquenta anos. Quando a visitei pela primeira vez, era o avô quem dirigia o lugar, mas agora parece que o neto assumiu…”

“… O dono daquele lugar me reconheceu quando eu estava comprando um hetacorde lá, e ele quase desmaiou…”

Lucien também compartilhou sua experiência. “… Nesta rua, John e eu demos uma boa lição aos gangsters…”

Esse foi o primeiro passo para Lucien começar a aceitar o mundo.

Os transeuntes notaram o casal vestindo roupas chiques andando pelo mercado, mas Lucien e Natasha não se importaram.

Lucien e Natasha saíram do mercado e entraram no distrito administrativo. A rua começou a ficar mais silenciosa. Apenas alguns músicos de rua e bardos tocavam músicas maravilhosas e suaves.

Serenata para cordas em Sol maior, Luar, o segundo movimento da Sinfonia da Nova Nação, Pathétique, Para Silvia…

Enquanto Natasha ouvia as peças musicais, relembravam muitas de suas memórias. Ela disse a Lucien: “Você deixou Aalto há muito tempo, mas suas obras musicais ainda são lembradas pelas pessoas. Elas são clássicas.”

“Escute, sua criação também está sendo tocada”, disse Lucien.

Natasha ficou bastante orgulhosa, mas também disse: “Se compararmos com alguns anos atrás, devo dizer que suas peças musicais são menos populares agora. Tem muitas peças novas saindo.”

Ambos prestaram muita atenção ao desenvolvimento da música em Aalto, por isso estavam familiarizados com as novas obras musicais.

“É bom. As coisas estão sempre em desenvolvimento e progredindo. Se não houver novas peças saindo, a música de Aalto estará morta. Felizmente, não está.” Lucien não se importou.

Natasha e Lucien chegaram a um restaurante onde em frente à porta havia um músico de rua tocando Pathétique. Foi muito desafiador para a maioria dos músicos, mas ele tocou muito bem. Muitas pessoas estavam se reunindo porque podiam apreciar suas habilidades e talento.

A primeira parte da música foi tocada muito bem, pois a depressão, a dor e a tragédia nela foram totalmente apresentadas, e o último movimento foi ainda melhor. As habilidades requintadas haviam dominado totalmente os corações dos ouvintes.

Seguiram-se muitos aplausos.

O jovem pianista ficou um pouco surpreso com os aplausos. Ele estava sentado atrás do piano, parecendo um pouco perdido.

Ele era de uma cidade pequena e veio para Aalto há alguns meses. Era talentoso e vinha praticando muito desde criança. No entanto, as coisas que experimentou nos últimos meses começaram a fazê-lo duvidar de si mesmo, e a pobreza de que sofria o forçou a aceitar esse trabalho tocando na frente do restaurante. A calorosa salva de palmas estava totalmente fora de sua expectativa.

“Bom. Há sentimentos verdadeiros nisso, não apenas uma amostra de habilidades e toque.” Natasha também aplaudiu e pegou uma moeda.

Sorrindo, Lucien a deteve. “Você vai dar a ele uma moeda da rainha?”

Depois de expulsar a Igreja do Sul, o Reino de Holm também estava cunhando novas moedas. Uma moeda da rainha era igual a um Tale, mas havia o retrato da rainha nela.

Natasha estava um pouco envergonhada. “Não percebi. Você tem um Tale?”

Lucien pegou a moeda e a acariciou suavemente. A moeda da rainha instantaneamente se transformou em um Tale.

Os jovens músicos começaram a se curvar aos ouvintes para mostrar sua gratidão. Neste momento, ele viu uma moeda brilhante caindo na frente dele.

‘Um Tale?’ Ele ficou chocado. Isso foi muito generoso.

Uma voz suave falou: “Você tocou muito bem e havia seus sentimentos reais. Seus sentimentos transformaram esta peça musical em sua própria versão. Isso é muito bom. Mas sua compreensão da peça musical e algumas habilidades ainda são um pouco problemáticas…”

O jovem ficou muito surpreso, mas a análise do homem estava certa. Ele vinha se sentindo incomodado com alguns problemas em seu toque, mas não conseguia encontrar uma maneira de resolvê-los, e as palavras do homem lhe ensinaram uma grande lição.

Depois de um tempo, quando percebeu o que havia acontecido, descobriu que o homem e sua esposa haviam partido. Ele só podia vê-los se afastando por trás.

Ele queria correr atrás deles para agradecer, mas o dono do restaurante ainda o observava.

“Obrigado!” ele disse em voz alta por trás.

Um homem tão sábio e educado deveria ser músico!

Lucien não olhou para trás, mas levantou a mão.

“Você gosta de ser professor.” Natasha sorriu.

Lucien disse: “Não se trata realmente de ser professor. Foi por apreciação. Se não fosse o Sr. Victor e sua instrução, eu não teria esse conhecimento agora. Então, quando eu vejo alguém que precisa de ajuda, se eu puder, eu ajudo. Talvez alguma ajuda seja a última coisa de que precisam para ter sucesso. Estou retribuindo à sociedade.”

“Devolvendo à sociedade… Ummm…” Natasha estava um pouco divertida.

Agora eles haviam caminhado até a Associação de Músicos em Aalto e viram o edifício de formato único, conhecido por sua beleza desequilibrada.

A seus olhos, o prédio parecia o mesmo para eles, como se o tivessem visto ontem. Mas logo depois, Natasha balançou a cabeça e olhou em volta. “Não tenho certeza se é uma coisa boa, porém, que Aalto não está mudando nada. Por outro lado, Rentato está em constante mudança.”

Rentato estava em seu período de desenvolvimento mais rápido, exatamente como Lucien esperava. A cidade inteira estava passando por grandes mudanças.

“Se não considerarmos a vida das pessoas comuns, talvez Aalto seja mais adequada para o estilo musical atual…” disse Lucien objetivamente.

“Você tem razão. Não acho que a atmosfera de Rentato realmente se encaixe na sinfonia. Acho que deveria ser outra coisa.” Natasha assentiu com seriedade.

“Diferentes culturas e diferentes idades dão origem a diferentes tipos de música”, disse Lucien honestamente. Ele acreditava que um dia Rentato produziria até rock.

Natasha estava prestes a dizer algo, mas uma expressão de surpresa apareceu em seu rosto. “Sr. Victor…”

O Sr. Victor estava saindo do prédio da associação. Cercado por muitos músicos, ele subiu na carruagem e se dirigiu ao Salão dos Salmos.

Lucien observou o Sr. Victor subir na carruagem, mas não fez nada.

“Você não quer vê-lo?” perguntou Natasha.

Lucien balançou a cabeça e disse em voz baixa: “Não é necessário…”

Aparecer na frente dele perturbaria sua vida pacífica. Não foi fácil para Lucien fazer a Igreja esquecer Victor.

Natasha sorriu e mudou de assunto. “Então vamos para o Salão dos Salmos. Eu me pergunto quem está tocando lá.”

“Claro”, concordou Lucien. O círculo anti-magia não tinha efeito num Lendário.

1. homens cavalo[↩]