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O alíope não parecia muito amigável. Circulava calmamente Axel, como se estivesse esperando qualquer barulho, qualquer vibração. Axel notou na hora que ele não tinha olhos, era completamente cego, uma vantagem que ele podia explorar. 

“Basta fazer um portal na hora certa que já é. Mas fica a pergunta, onde?”

Olhou para o céu e deu um sorrisinho. Girou a espada e colocou ela na bainha novamente; preparando-se para sacar o mais rápido possível. O som da lâmina cortando o ar parecia ter sido aviso o suficiente pro alíope, que parou. 

Ambos ficaram parados, frente a frente. Axel não perdeu tempo com a cena de faroeste, bateu o pé forte no chão, fazendo barulho o suficiente para o alíope avançar. Não se intimidou com um bicho daquele tamanho correndo na direção dele, pois Axel tinha uma certeza: ele era burro. 

Puxou a slinger e deu dois tiros no ar, distorcendo o espaço a sua frente. Quando o animal estava a dois metros de chegar, Axel cortou o espaço e fez um portal para um local no seu campo de visão: o céu, a quarenta metros de altura. 

O alíope nem teve chance; incapaz de ver o portal, ele o atravessou sem hesitar e, subitamente, ficou sem chão, em queda livre. Caiu como um meteoro em cima de uma das casas, destroçando o teto e colidindo com toda força no chão. O som ecoou por toda a vila. 

Axel deu um suspiro e andou lentamente até a casa em que o alíope caiu. A poeira que o impacto levantou ainda estava alta, mas deu para ver de longe o estado do animal: caído no chão, tentando usar todas as suas forças para levantar, sem sucesso. 

Chorava baixinho e não parou nem mesmo quando Axel se aproximou; a queda tinha ferido seus tímpanos, tirando sua audição. Ficou numa repetição: tentava levantar, caia e contorcia-se de dor, apenas para tentar de novo. 

O gunslinger bufou, apontou a lâmina para o pescoço do alíope, numa parte onde a pele era menos protegida. Hesitou por um segundo, mas fez o que precisava fazer: perfurou o pescoço do animal com a espada. 

— Desculpa ai, mas você não me deu escolha. 

O animal tentou lutar contra, mas isso foi apenas por um segundo. Ficou mais lento, parado e quieto na medida que o sangue azul vazava para fora. Após dez segundos de movimentos rasos e desesperados, ele ficou parado. O alíope estava morto. 

Axel limpou a lâmina com a dobra do braço e guardou a slinger na bainha. Saiu daquela casa e olhou melhor ao redor. Um mar de corpos e cheiro de lixo misturado com cadáver em decomposição. 

— Definitivamente, deu merda. — abaixou-se um pouco para analisar. Havia sangue no chão, mas sangue seco, de pelo menos algumas horas atrás; o que diferia do corpo que ainda estavam frescos. Poderia tirar algumas conclusões, mas sentia que ainda não tinha o suficiente. 

Andou por mais alguns minutos ao redor da vila, procurando algum outro indicativo ou evidência. Pelo que lembrava, a Carreta estava num mato alto e o único lugar que atendia essas condições era o cerrado em direção leste. Foi aí que achou algo curioso, ao mínimo. 

— Um carro? — Embora não soubesse, era o mesmo carro que os sucateiros tinham usado para levar sua poderosa Mãe, Ramona. — Mas que porcaria é essa? Quem foi cego sem braço lobotomizado que fez isso? — Sem capacidade de não o fazer, começou a mexer naquele motor. Tirou peças inúteis, mudou fiações, apertou parafusos. Em cinco minutos, o ronco do motor estava mais alto que de um esportivo. — Ah, rapaz! A criança toda doente melhora logo com o primeiro ibuprofeno! 

Não conseguiu se segurar. Sentou-se no banco de motorista e colocou suas mãos no volante. 

— Deixa eu ver… se bem me lembro… Tinha uma vila bem próxima daqui. Para não ter ninguém na Carreta, deve ser porque foram para lá… 

Pisou com toda força no acelerador e circulou a mata alta em direção à vila. A região estava, em maior parte, exatamente como lembrava: mato seco amarelado, ralo o suficiente para a terra vermelha ser a cor predominante, e de partes em partes, grande o suficiente para quase parecer uma floresta. 

Em alguns minutos, ele chegou. A visão que teve não era acolheradora e, ao mesmo tempo, quase esperada: mais corpos. A entrada estava cheia de sucateiros, tendo seus corpos pilhados pela população da vila. Suas armas, armaduras e cada mísera coisa que poderia ser útil. 

Após estacionar o carro numa moita escondida o suficiente, foi até a vila a pé como se não quisesse nada. A população estava concentrada demais nos corpos para notar Axel, que não teve dificuldade alguma de se esgueirar. 

Estava esperando encontrar Quincas, Émile ou até mesmo Nil, mas o que achou foi um tanto quanto incômodo. 

— Axel?! — Sentada no chão e encostada num muro, estava Baret, com uma expressão horrível. Axel bufou e se aproximou. 

— Eaê, chefia. Tá no intervalo? Se quiser, volto depois, contanto que não esteja tirando um ronco. 

— Ah, se fode, vai! — Com um pouco de dificuldade, Baret levantou. — Mas quer saber? Tô feliz de ver que você tá vivo. Quer dizer que pode tirar a gente daqui. 

— É, acho que consigo entender a situação, em partes. Cadê o resto do pessoal?

— Hã? Eles deviam estar com você. Arya, Émile e Nil ficaram pra te proteger e o Quincas foi te buscar. Como tu não sabe onde eles estão?

— Quando eu acordei não tinha ninguém… Mais ou menos, na verdade. Sabe que eu achei? Uma gunslinger da Wild Hunt, aquela sniper que me acertou na perna e eu mandei pra puta que pariu, conhecido como aqui, tá ligada?

— Pera, quê?! — Baret se aproximou — Uma gunslinger da Wild Hunt?! Vocês lutaram?! Matou ela?!

— Calma lá! Tipo… Meio que sim. É… certeza que sim. 

— “Meio”?

— Eu meio que não fiquei pra ver ela sangrar até a morte… Mas foi um acerto no peito, um corte vertical, saca? Não tem como sobreviver sem tratamento imediato. 

Baret franziu as sobrancelhas como se respondesse “então não matou” e Axel apenas soltou um suspiro. Após alguns segundos de silêncio, Baret disse:

— Bom, o Quincas pelo menos tinha ido te buscar, antes que um tal de El Ciego fosse te devorar. 

— E que porra é essa?

— Um alíope cego ou… — Antes que Baret terminasse de falar, as sobrancelhas de Axel saltaram para fora dos óculos. Não havia expressão que entregasse o jogo do que aquela. Baret percebeu na hora. — Que porra aconteceu?

— É quê… digamos que encontrei o bicho… e matei. — Quando ouviu isso, Baret encarou Axel por um segundo e, em seguida, deu uma risada leve. — Qual a graça?

— Nada… — Riu mais um pouco. — Digamos que hyparam demais esse bicho, sabe? Falaram que era perigoso, não sei o quê, que nem tiro de escopeta vence… Já que você que matou, não era nada de mais. 

— Opa, calma lá! Foi mais uma questão de compatibilidade, ok? Se não fosse eu, o bicho certamente ia ser um perigo. 

— Aham, sei. 

Baret começou a andar em direção a entrada da vila, enquanto Axel ficou ali, parado. 

— Tá indo pra onde? — perguntou Axel. 

— Bom, vou te dar uma moral e confiar que você conseguiu matar a gunslinger — respondeu a líder. Alongou um pouco os braços e se virou, olhando para ele. 

— E…?

— E aí que se ela tá morta, não temos mais nada para fazer aqui. A gente volta para a Carreta e se encontra com o resto do pessoal. Eu pego o número da slinger da bucha que você matou, você faz um portal pra Romaniva e aí damos um fora daqui. Soa bem pra você?

— Não vou mentir, soa. 

Baret deu um sorriso e sinalizou para ele começar a andar logo. Saíram da vila e foram em direção oeste, para onde a Carreta estava. Estavam andando em ritmo lento, Axel por conta das feridas que ainda não tinham sido cem por cento curadas, e Baret pelos sintomas de intoxicação.

— Então… O que aconteceu enquanto eu estava desacordado? 

— Tiroteio, basicamente. Depois passamos a noite aqui, e aí usamos o feitiço do Quincas para mover a Carreta… Ela não tá exatamente nos melhores dos estados. 

— Eu trabalhei tanto nessa porra só para você destruir ela em menos de um dia…

— Porra! A culpa não foi minha! Ela taria de boa se você não tivesse feito um portal bem na frente de uma montanha de sucata?

— E eu lá ia saber, porra? Meu feitiço não funciona da forma que tu pensa!

— Ah, tanto faz! Não dá para chorar pelo leite derramado. 

O silêncio predominou e continuaram a andar, sem trocar uma única palavra. Não levou muito para isso ficar entediante para Baret. 

— Por sinal… a Émile salvou a nossa pele. 

— Como caralhos isso aconteceu? — Axel perguntou. 

— Sabe qual é o feitiço dela? — Após ver Axel negar com a cabeça, Baret disse: — É meio que copiar outros feitiços. Tipo, não exatamente nessas palavras, mas é uma cópia basicamente. 

— Então ela copiou quem? O Nil com aqueles tubarões ridículos?

— Não, não. Ela usou o feitiço do Quincas. A gente tava lutando contra um cara de armadura com uma espécie de campo de força, sei lá, nada funcionava. Aí sabe o que ela fez? Trocou ele de posição com uma sucata no topo do monte. O cara caiu que nem bosta e deu abertura para o Nil finalizar. 

— Ah, é? Então quer dizer que agora você é a única sem nenhum feito na lista de fodeza da Carreta Fogueteira?

— Pera, como é? Eu tenho feitos! Vários!

— Tipo?

— Eu matei um gunslinger sozinha!

— Isso foi antes do grupo, não vale. 

— Tá, então… Eu consegui ferir fatalmente aquela gunslinger no labirinto, ao sacrífico da minha mão. Isso é definitivamente um feito. 

— Porra nenhuma. Ela só não te matou por burrice, ela poderia ter te finalizado a qualquer momento. Além disso, fui eu que incapacitei ela. 

— Caralho, hein! Fica difícil quando você invalida tudo que eu faço. Beleza, então, eu que extrai a informação dos esconderijos, fiz a negociação com o Nil, com o cara do chapéu…

Axel ficou calado por alguns segundos, olhando o céu e pensando em contra-pontos. Baret já estava certa que era impossível ele não admitir derrota, mas Axel se pôs a falar. 

— A garota era neuro divergente, não conta. As negociações… pela negociação do Nil, a gente tá com uma dívida fodida, e a com do cara do chapéu acabou em tiroteio, então não contam. 

— Vai tomar no seu cu, né? 

Axel deu uma risada alta e então deu de ombros. Com um sorriso no rosto, disse: — A culpa não é minha se você é paia. Se contente com o último lugar. 

— Pera lá, e a Arya? O que ela fez para não estar em último lugar?! Pelo que tô vendo do seu critério, nós duas deveríamos estar empatadas!

— Aposta a minha slinger que foi ela que fez o curativo na minha cabeça. 

— Como caralhos você…

— Acertei, né não? Tem um ditado que diz “o healer sempre é o MVP”, e como a Arya curou eu, o verdadeiro dps do time, logo, ela ganha MVP. 

— Que papo de virjola. Último cara que veio com essas conversa pra cima de mim eu dispensei na hora. Tá querendo ser demitido?

— Só vou ser demitido até eu pelo menos ganhar o meu primeiro décimo terceiro. 

— Vou garantir que achemos o tesouro antes de eu ter que pagar um único décimo terceiro. 

— Isso, me dê motivos para fazer corpo mole agora. 

— Eu te mato. 

A conversa acabou após a ameaça. Na medida que andaram pelo mato, acharam corpos de sucateiros e, mais adiante, ao chegar onde o grupo tinha escondido a Carreta, viram algo curioso: nada, nenhuma alma viva e morta, apenas sangue no chão. 

— E eu não deveria ter confiado, você não matou a gunslinger — disse Baret, decepcionada consigo mesma por ter aquela singela esperança. 

— Impossível! Aquele corte era grande demais, como que ela…

— Não importa. Ela desapareceu. Agora o que me preocupa é ter tido um monte de sucateiro morto no caminho e nenhum conhecido nosso aqui. Cade a porra do Quincas? Eu mandei ele vir aqui!

— Talvez tenha se perdido?

— Nem fodendo. 

— Então deu merda! — Axel começou a caminhar pela área, buscando qualquer tipo de evidência. Entrou na Carreta, saiu. Olhou para o chão e de, uma hora para outra, pareceu ter todas as respostas. — Eles vieram para cá. 

— Hein?

— Olha, quando eu acordei, já não tinha ninguém aqui. Mas eu lembro de ter visto a slinger do Nil na Carreta, e agora ela não tá mais aqui. Além disso, tem sangue numas partes do chão que certamente não foi causado na luta. É quase como… Se alguém tivesse levado um tiro bem ali. 

— Tá dizendo que rolou algum tiroteio aqui?

— Bom, se rolou um tiroteio, foi certamente com uma slinger. Não achei nenhuma capsula de munição. Mas dada a ausência de corpo, dá para assumir que o tiro não foi letal. O que me leva a crer…

— Quê…?

— Eu achava que ia completar, mas tá, seria esperar demais de você. O que me leva a crer que a gunslinger que lutei contra déu algum jeito de se curar. Ai os outros do grupo vieram para cá, alguém levou um tiro e depois… eles foram embora. 

Baret olhou para toda aquela cena e, de fato, conseguia ver tudo isso acontecendo. Havia somente um problema na qual não conseguia ver uma resposta verdadeiramente lógica. Se pôs a dizer:

— Tá, mas se alguém levou um tiro… por que não ficaram aqui para se recuperar? Dependendo de onde foi, pode ser bem letal. 

— Ah, sei lá, pode ter sido de raspão ou talvez nem tenha sido um tiro. Talvez um nariz quebrado, vomito de sangue, gonorreia… Muitas possibilidades. 

Baret apenas revirou os olhos. Se encostou num troco de árvore caído para recuperar o fôlego. Após pensar um pouco, pensou no que fazer. 

— Tá, vamos esperar eles, então. Se a gente sair daqui, só aumenta as chances de nos desencontrarmos. Uma hora ou outra eles devem voltar. 

— Sei não. Não me sinto muito seguro tendo uma gunslinger por aí. Mas to com uma dor de cabeça… Vamos fazer assim: eu vou tirar um ronco e você vigia. 

— Hã? Nem fodendo! Você tava dormindo até pouco tempo atrás enquanto eu tô trabalhando sem parar faz horas! Eu que vou dormir enquanto tu vigia. 

— Vai colocar um ferido de guerra para vigiar? Ms. Compaixão você!

— Se fode rapaz! Tu se feriu porque é um idiota.   

A discussão continuou acirrada por horas, e no fim, nenhum deles descansou. 

. . .

Sempre teve um fraco com animais. Mesmos aqueles que eram hostis eram queridos em seu coração. Para Quincas Borba, qualquer animal poderia ser fofo e, principalmente, merecia uma morte digna. 

O que não foi o caso desse alíope. 

Estava caído numa das casas, com o corpo mole e em cima de grande poça de sangue, sangue esse que surgiu do buraco em seu pescoço. O teto quebrado que servia de iluminação natural só podia indicar uma coisa: aquele alíope tinha caído dos céus. 

— Que jeito horrível de morrer… — comento Quincas, baixinho. — O quê aconteceu aqui?

— Merecido, se quer saber — respondeu Nil, cuspindo no cadáver do animal — quase me mata do coração. 

— Pô, Nil! Tenha respeito. O animal só tava tentando sobreviver. 

— Você viu os cadáveres dos sucateiros? Essa porra arruinou os corpos! Esse aí matava porque gostava, não por necessidade.

Quincas não respondeu. Saiu da cabana junto a Nil e foi até Arya e Émile, que tentavam ficar longe do cheiro pútrido de corpos. 

— Ele não está aqui… — Arya comentou — Alguma evidência?

— Acho que sim. O bicho tinha uma ferida no pescoço, mais ou menos do tamanho da espada do Axel. Além disso… É como se o alíope tivesse caído do céu, pelo buraco gigante no teto. 

— Então foi Axel que matou?

— Deve ter sido. Agora, para onde o cabra foi? — Quincas coçou a barba e pensou. — Ele conhece a região, pelo menos, já passou por aqui. Talvez conheça as vilas próximas. Se ele foi para a vila que eu e Baret fomos, não foi pelo mato… Talvez por uma estrada de terra? Ou quem sabe foi com portal mesmo.

— Cada minuto que passa, a gente só se desencontra mais. — Nil disse, se encostando na parede de uma das casas. — Seria melhor a gente voltar logo para a Carreta. Se ele foi para vila, vai se encontrar com a Baret. 

— É, tem razão. Vamos voltar. 

Nil tomou a frente, querendo ser o primeiro a sair dali e daquele cheiro podre. O resto do grupo ia logo atrás. Mas quando estavam próximos de ultrapassar a última casa do pequeno vilarejo, algo aconteceu: um som de disparo. 

E ele sentiu. Sentiu naquele microssegundo o estômago revirar, apertar, queimar. Era uma sensação que não poderia ser confundida, e Nil sabia: tinha tomado um tiro bem na barriga. Antes que sua visão escurece-se… 

Viu o brilho da luneta no mato alto.

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Olá, eu sou Saike!

Hoje faz um ano que a Wild foi originalmente postada, não na Vulcan, é claro, mas no spirit. Embora eu ainda tenha que me preparar para fazer algo mais especial, ainda acho uma boa sensação postar cap no dia do aniversário.

Ainda que eu não saiba se a Wild está ou não sendo do agrado do povo aqui da Vulcan, espero que você, leitor, esteja gostando da jornada.

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