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2 de Janeiro de 19xx

Submersa na floresta, ao som do canto dos pássaros e do murmúrio do vento nas folhas, uma mulher seguia pela trilha. A luz do sol, filtrada pelo dossel das árvores, desenhava no solo de folhas secas, como se fosse um mapa natural a orientá-la. Com cada passo, a terra úmida amolecia sob seus pés nus.

A mulher alcançou uma clareira, que se revelava como um portal para um mundo distinto. No seu centro, destacava-se um santuário, uma estrutura de pedra sombria que brotava do solo. As suas paredes, revestidas de musgo e líquenes, remetiam à passagem do tempo e ao poder perene da natureza. A pesada porta de madeira, adornada com símbolos ancestrais, estava semiaberta, como um convite para que ela adentrasse.

Com um gesto de reverência, a mulher afastou uma mecha de cabelo que lhe caíra sobre o rosto e entrou no santuário. A madeira, desgastada pelo tempo e pelas orações de inúmeras gerações, rangia sob os pés dela. As únicas fontes de luz eram pequenas janelas em forma de cruz, que projetavam feixes de luz sobre as paredes empoeiradas. Um silêncio profundo reinava no local, interrompido apenas pelo som do crepitar das chamas em um braseiro quase extinto.

No centro do salão, um altar de pedra cinza jazia sob uma camada fina de poeira. Velas consumidas e cinzas dispersas indicavam que rituais vinham sendo praticados ali por séculos. Sobre o altar, um vasto espelho negro capturava a imagem da mulher. Ela tinha as vestes que eram uma mistura de preto e prata, como se tivesse sido confeccionadas a partir da própria essência da noite estrelada. Seus cabelos dourados caíam como uma gota de ouro derretido, e seu olhar ardente e carmesim, se perdiam em sua obscuridade.  

Nos nichos das paredes, estatuetas de madeira representavam as três divindades de um culto ancestral.

— A presença dela aqui é uma afronta à nossa paz!

— Nós a condenamos à morte como a bruxa que ela é!

— Famílias destruídas, crianças órfãs, tudo culpa daquela desgraçada! Ela pagará pelo caos que criou com a vida dela no fogo!

— Os campos estão inférteis, o gado está definhando. Tudo por causa dessa coisa amaldiçoada! A morte dela é muito pouco!

— Vimos as plantações apodrecerem e os rios secarem. Que o fogo incinere ela e sua maldição!

O coro de vozes zumbia em seus ouvidos como um enxame de abelhas furiosas. Falsas acusações soaram como um sino fúnebre, condenando-a à fogueira. A multidão, cega pela ignorância e pelo medo, lançou-a como bode expiatório de todos os seus infortúnios. Ela, porém, sabia da verdade. Sabia que era inocente, que era a vítima, e não a vilã. Mas a verdade, muitas vezes, era a primeira a ser sacrificada.

Um bebezinho dormia profundamente nos seus braços, alheio ao julgamento e ao destino que estava prestes a acontecer. Colocou-o sobre o altar e o cobriu com panos de linho branco.

— O ódio gera mais ódio. Se a condenação é minha, que seja um gesto de paz para você, meu pequeno.

Seus olhos amoleciam, e um leve sorriso delineava seus lábios. Ao inclinar-se, depositou um beijo na testa da criança, firmado em um voto silencioso de amor eterno. Uma única lágrima fugiu, traçando um caminho pelo seu rosto até cair sobre o tecido suave que aconchegava o bebê.

— Pois mesmo quando o mundo parecer perdido e as incertezas se multiplicarem, lembre-se de que temos o mesmo sangue, uma linhagem que nos une por inteiro. — Sua voz, embora fraca, carregava a força de um oceano.

O povo, até então hospitaleiro, transformou-se numa turba aterrorizada e enfurecida, exigindo justiça com um fervor que nunca abrandou. 

— É como se todos estivessem tomando o caminho errado, enganados por coisas que não são reais.

Os sons dos gritos ressoavam como trovões numa tempestade, escondendo a realidade por detrás de um ruído estridente de desconfiança. 

— E com certeza essas pessoas continuarão perdidas nessas mentiras.

O vento uivava entre as árvores, ressoando os clamores da multidão. Contudo, ela percebia uma voz distinta, mais terna e ancestral, a voz da natureza que a concebera. A terra, água, ar, todos eles testemunhavam sua inocência. Ela tinha a certeza de que a verdade emergiria, tal como a primavera desabrocha após o inverno severo.

— Não posso deixar de imaginar o que o futuro reserva para você. Mas acredito que será forte, não apenas no corpo, mas também no coração.


Olhos de Sangue, uma característica singular e hereditária. Seus olhos pulsavam num carmesim vivo, outorgando-lhe a potencial habilidade de antever o futuro.

Era o que sugeria um primeiro olhar.

“Por um minuto…”

Com um grunhido gutural, o Mephisto ergueu o punho, uma massa de músculos e ossos que desafiava a gravidade. O ar sibilou quando ele o lançou em direção ao torso de Mikael, com a velocidade desafiando a própria percepção humana.

O rosto dele permaneceu impassível. Seus olhos vermelhos brilhavam enquanto ele observava o ataque com uma calma quase sobre-humana. 

No último momento, se pôs de lado, deixando o punho do monstro passar a centímetros do peito.

O vento de sua passagem balançou suas roupas e chicoteou seus cabelos. O som estrondoso da rajada de ar ecoou pelo pátio, fazendo pedras racharem e mesas serem lançadas para trás, tudo em um raio de metros do ponto de impacto. 

“… esse poder ficará ativo.”

Mikael, em posição de ataque, levantou a perna. Uma aura de energia vermelha emanava de seu corpo, que colidiu com fúria descontrolada sobre as costas da criatura, catapultando-o para fora do pátio, rasgando o ar como meteoros em rota de colisão. 

A criatura, atordoada pelo golpe, caiu de bruços na grama. Um rastro de destruição marcou seu caminho, com folhas rasgadas, galhos quebrados e flores pisoteadas. Um gemido de dor e fúria escapou de sua garganta enquanto ela tentava se levantar.

Mikael não enxergava o futuro como um trajeto fixo, mas sim como uma série flutuante de possibilidades. Cada resultado almejado, como uma figura reluzente em um palco, oscilava ao ritmo das combinações possíveis.

Era como lançar uma moeda ao ar incessantemente, desdobrando um leque amplo de escolhas, resultava em “cara”, “coroa”, “coroa” e “cara” a cada jogada.

Cada ação, cada nuance desses resultados potenciais, insinuava os vários desfechos que poderiam ocorrer. Era uma dança alegórica surpreendente, uma demonstração impressionante do que poderia acontecer, tudo orquestrado pela mão invisível do destino.

“Agora.”

Aproveitando a vantagem momentânea, Mikael desapareceu em um piscar de olhos, como se tivesse se fundido com as sombras ao redor, um rastro de energia vibrante indo em direção ao seu objetivo.

Então, com uma surpresa brutal, ele irrompeu do chão acima de Mephisto. O choque de seus pés contra a barriga da criatura foi um impacto de esmagar os ossos, afundando-o profundamente na própria terra.

Estendeu a mão, canalizando a energia negativa que circulava em seu interior e, em um movimento rápido e eficaz, transformou a mão em uma pistola; seus dedos, banhados em um brilho iridescente, apontaram para a pele escamosa da criatura com uma sutileza que realçava a intensidade do poder que ele estava convocando:

— Bang!

O espaço, uma dimensão que se estendia infinitamente em qualquer direção, deu lugar à presença imponente de Mikael com um único movimento, atingindo-o com a mesma precisão de um relâmpago; sua cabeça, que era o alvo original, agora estava apontada para seu ombro esquerdo devido a um deslize.

Ali, sob seu impacto destrutivo, ele começou a se dobrar e se deformar em uma superfície aparentemente insolúvel. Essa distorção fez com que os músculos se rompessem, os tendões se esticassem até o ponto de ruptura e os ossos se fraturassem sob a pressão, estourando em um sopro de fumaça e sangue, dividindo o ar com seu barulho.

“Por pouco!”

Mesmo que seus olhos servissem como portais para um domínio infinito onde ele poderia exercer as forças que moldavam a essência de seus poderes, ainda assim era um desafio formidável. O poder absoluto que surgia dentro dele corria o risco de engolfá-lo, semelhante a um mar tempestuoso à beira de romper seus limites.

Do outro lado, apesar de toda extensão do braço do Mephisto ter sido destruída completamente, tentáculos irromperam do ferimento, contorcendo-se e retorcendo-se como serpentes antes de se unirem em uma mão improvisada, pronta para agarrá-lo.

Mikael estendeu o braço e uma onda de energia bruta pulsou da palma. Ela se chocou contra os tentáculos, repelindo-os com um respingo repugnante, permitindo que ele escapasse.

“Vai ser um problema gastar esses olhos aqui. Tenho que acabá-lo antes do tempo limite.”

Ele estava abrindo caminho entre as fileiras de videiras enquanto o ar vibrava com a ferocidade da caçada, com passos rápidos e respirações pesadas do Mephisto, que chegou atrás dele tão rápido.

O punho da criatura desceu como um martelo, atingindo o ar com um baque ao colidir com o antebraço de Mikael sobre sua cabeça, ao mesmo tempo fazendo seus ossos sacudirem. O chão tremeu sob suas botas e, brevemente, ele sentiu que suas pernas poderiam ceder.

Aproveitando a oportunidade fugaz, Mikael atacou com a mão livre, batendo com a palma aberta na carne do Mephisto. Uma onda de energia irrompeu de seu toque, uma explosão branca e quente que fez a criatura voar para trás. O impacto abriu um sulco na grama, deixando uma cicatriz enegrecida em seu rastro.

A aura carmesim ao redor de Mikael crepitava como um fio elétrico, uma coroa de energia negativa pulsante que espelhava a batida frenética de seu coração. Ele se tornou, ao avançar, um borrão, um cometa escarlate que se projetava sob o céu noturno que se aprofundava. A lua, uma lasca pálida na imensidão escura, canalizava sua luz fria para o seu ser.

Aquilo culminou com um soco devastador.

O Mephisto conseguiu antecipar o golpe. Em uma demonstração de agilidade surpreendente, ele se lançou à direita, diminuindo brevemente a distância.

O chão tremeu com o impacto, uma cratera se abriu onde o punho de Mikael encontrou o nada. Ele tropeçou, desequilibrado momentaneamente pela manobra enganosa. A força bruta que o percorria ameaçava consumi-lo, como uma fera selvagem lutando contra uma jaula frágil.

“Ele ainda está conseguindo atualizar suas funções. Preciso ir além.”

Tentáculos pesadelentos emergiram da nuvem de poeira levantada pela esquiva de Mephisto. Lisas e negras como obsidiana, chicoteavam como vinhas maléficas, enroscando-se no braço esquerdo de Mikael com um aperto que causava náuseas.

Os Olhos de Sangue, orbes de herança, resplandeciam com um brilho frio em contraste com a raiva fervente que o consumia. A antecipação, uma premonição arrepiante, pulsava por ele. Firmou os calcanhares no solo perturbado, resistindo ao ataque.

Mikael não era naturalmente forte, mas era um canal de poder bruto e não adulterado que utilizava a energia negativa que passava por ele, uma barganha faustiana por uma força imensa.

Seus músculos operavam muito além da capacidade normal, energizados pela força negativa. Esse poder extraordinário aprimorou seu sistema muscular, diminuindo a resistência interna das fibras e permitindo movimentos com o mínimo de atrito.

A intensidade de suas ações fraturou o solo, que não pôde suportar o torque rotacional da explosão de energia súbita. Combinando a rotação de seu corpo com a violência do ataque do Mephisto, as forças unidas lançaram a criatura numa trajetória balística.

Ele deslizou pelo ar como um dardo, impulsionado pela manobra conjunta de Mikael e sua força ampliada. Sua rota o conduziu para a segurança das árvores restantes, agrupadas sob um pedaço de céu banhado pela luz da lua.

O agente observou, com energia negativa crepitando ao redor de seu braço, se chocando contra o tronco robusto de um bordo, emitindo um som surdo. O impacto gerou ondas de choque ao redor, como um terremoto em escala reduzida. Folhas caíram das árvores, como uma chuva de confetes, celebrando o encontro.

“Isso tem que funcionar.”

Por cima do seu dedo indicador direito, um clarão branco anunciava a sua técnica, que rodopiava muito mais depressa do que qualquer coisa que o pudesse ter seguido e assumia a forma de uma esfera com carga positiva:

「 Ponto de Convergência 」

A energia vibrava como o cerne do cosmos. Mikael direcionou essa força para a ponta de seu dedo, concentrando-a em um nódulo brilhante. A luz era ofuscante, como uma estrela, condensando uma energia imensa em um espaço minúsculo. Ao liberar essa força no centro, a energia positiva iniciou uma reação em cadeia, uma implosão controlada que distorceu o espaço ao redor. Como um vórtice insaciável, ela sugou tudo em seu caminho, desde partículas subatômicas até a matéria, formando um ponto de singularidade.

「 Singularidade 」

O Ponto de Convergência não era apenas uma demonstração de poder, era também um canal para a harmonia destrutiva da Singularidade.

Um vórtice giratório de energia negativa pulsava com um brilho sobrenatural, atuando como um farol que desafiava as fronteiras do espaço, onde as energias positiva e negativa se encontravam e se condensavam com tamanha força que distorciam tudo à sua volta.

O ar vibrou em resposta, carregado de energia caótica. O vórtice tornou-se uma anomalia cósmica, um ímã que atraía tudo ao seu alcance. Seixos ricochetearam no chão, folhas se soltaram de seus galhos e até mesmo a luz da lua se dobrou e foi distorcida ao girar em direção ao redemoinho. 

Mesmo o temível Mephisto, com tentáculos que penetravam profundamente no solo, não pôde resistir à força da técnica, já que suas tentativas desesperadas de resistir se mostraram inúteis, como tentar resistir à força gravitacional de um buraco negro.

Assim como a luz não consegue escapar do abismo cósmico, qualquer substância que se aproximasse demais era comprimida em um plano vazio que existia na concentração espacial.

Quando Mephisto foi finalmente absorvido, a esfera compressora retraiu-se até desaparecer da vista, deixando o inimigo vulnerável à derrota; a fonte a ser superada.

O que antes era um adversário irritante agora não passava de uma lembrança fumegante. 

O tempo do Olhos de Sangue, em três segundos, atingiu seu limite, sendo desativado.

— Não vai o matar, mas garantirá que ele nunca mais volte.

Ele se dirigiu para a saída da Prairie Berry Winery. Uma vista para a cidade revelou uma visão horrível – um enxame de Mephistos inundando as ruas de Hill City à distância. 

— Essas coisas estão…

Vrr

Seu celular, apesar do tumulto que enfrentou, ainda parecia estar funcionando quando vibrou em seu bolso. Pegou e percebeu que era alguém da agência que estava ligando.

[Mikael, é a vice-líder, espero que esteja bem. Estive analisando os relatórios recentes sobre a distribuição de Mephistos em Hill City e não pude deixar de notar que essa manifestação tem apresentado uma demanda considerável nas últimas 24 horas. Estou aqui para garantir que todos os departamentos recebam o suporte necessário. Você está precisando de reforços?]

— E aí! Primeiramente, agradeço pela preocupação. Na verdade, estamos indo muito bem por aqui, e a equipe está conseguindo lidar com a carga de trabalho.

[Temos alguns dados estatísticos recentes que mostram um aumento nas atividades dos Mephistos na região. O número atual deles em Hill City é de 132, o que representa um aumento de 15% desde a meia-noite.]

— Sério? Eu senti uma agitação, mas ainda estou na linha.

Mikael observou um agrupamento de Mephistos reunido à distância com uma mistura de surpresa e sarcasmo.

[É fundamental considerar a possibilidade de que a crescente incidência de Mephistos possa sobrecarregar suas operações no futuro. Estou aqui para garantir que você tenha todos os recursos necessários para manter a segurança em Hill City.]

— Olha, sem falsa modéstia, estamos fazendo um trabalho incrível. Não precisamos de ajuda. Eles tem a mim.

Os comentários de Mikael eram incisivos e sua atitude mostrava o quanto ele era teimoso. 

Embora a vice-líder tenha sugerido que era necessário ter cautela, ele estava ansioso para demonstrar que sua equipe era mais do que capaz de lidar com a situação.

[Mikael, antes que você tome uma decisão precipitada, gostaria de enfatizar os números preocupantes que temos em mãos. São mais de 100. É minha responsabilidade garantir a segurança de todos. A situação é grave, e os dados indicam que estamos enfren…]

— A bateria tá acabando.

Ele afastou lentamente o celular do ouvido enquanto ela continuava a falar, dando mostras de sua impaciência crescente. Desligou o celular e encerrou a conexão.

— Isso vai ser descontado no meu salário — disse, jogando-o para longe. —, mas não importa.

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