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Capítulo 15: Conversa Particular com a Solidão

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O brilho da lua adentrou o ambiente, desenhando o piso com tons esbranquiçados em meio aos montinhos de poeira nos cantos. Os fios prateados de Silva balançaram e refletiram a luz de fora, seu cabelo foi desamarrado e uma grande juba despencou até os joelhos. Ela se jogou contra a cama e abraçou o travesseiro, aproveitando cada migalha do perfume e afundando o rosto contra a maciez do tecido.

Não era o melhor travesseiro que já teve, os de seu quarto eram muito melhores, mas havia uma diferença esmagadora quando comparado às almofadas duras da carruagem. Seus pés lançaram os sapatos para longe, a preguiça se acumulou sobre o conforme rolava de um lado para o outro naquele lençol.

— Aqui é o paraíso… — Ela soltou um suspiro de alívio, enfim voltando o rosto para o lado e reparando em Liane parado próximo a porta. — O que você faz aí? Se aproxime, não é pra ficar de pé.

O garoto tocou as pontas dos dedos e caminhou em direção a cama, com cada passo sendo mais lento que o anterior, como se estivesse com medo de chegar ainda mais perto. Silva reparou nisso rapidamente, sentindo-se forçada a saltar da cama e puxá-lo para cima do colchão. 

— Viu? Não é difícil, não precisa de vergonha! Além do mais, logo logo viveremos debaixo do mesmo teto, então é melhor começar a me tratar como sua amiga ao invés de ter medo de mim!

Liane abaixou a cabeça. Sua boca hesitou várias vezes, querendo falar algo, mas com as palavras presas no fundo da garganta. A garota nobre era acostumada a esse tipo de tratamento, seu cargo alto e seu convívio ao lado de pessoas que viviam lhe bajulando a fez desenvolver uma percepção quanto ao humor dos outros, junto de um detector de mentiras apurado demais para qualquer um enganá-la.

Ela odiava ter tais habilidades, pois ambas apitavam sempre e a fazia perceber como todos ao seu redor lhe tratavam de uma maneira desagradável, uma forma “falsa” em prol de evitar um julgamento ou desdém. A culpa foi inteiramente sua para que isso acontecesse, já que grande parte dos temores daqueles a sua volta vinham do temperamento imprevisível e falta de piedade aos outros.

— Eu sei que quer falar algo, desembuche. Se não me obedecer, vou cortar sua cabeça!

O pobre coitado empalideceu com aquelas palavras, tardiamente Silva reparou nas lágrimas se amontoando na ponta dos olhos dele. Essa era uma brincadeira comum com seus subordinados e eles sempre riam, mas com Liane as coisas foram completamente diferentes. Ela rapidamente abanou as mãos e retirou um lenço para limpar os olhos marejados do garoto.

— Calminha, calminha, é só uma brincadeira! Você não acreditou que eu faria isso com alguém tão especial como você, achou? Não fica assim, eu não falei sério.

— Mes-Mesmo…?

— Aham, prometo pela honra da minha linhagem! 

Liane se aliviou um pouco com essa notícia, mas isso o fez se conter ainda mais. Será que deveria falar o que pensava? Ou será que provocaria a raiva daquela garota, por ter um pensamento que ia contra tudo o que ela desejava? Qualquer uma dessas perguntas o colocou num labirinto mental, até uma fagulha surgir na sua consciência, emitindo a ordem: Faça.

O garoto engoliu seco e mexeu nos próprios dedos. Se Er’Ika dizia, não havia motivos para duvidar.

— Eu não sei se quero ir com você, senhorita Silva…

— Como assim? Ah, e corte o título de “senhorita”! Me chame pelo nome, como bons camaradas no fronte de guerra fazem!

Liane suspirou, achando que estava participando de algum teatro nada sério, mas enfim as palavras saíram do gargalo preso na língua:

— Nunca saí daqui, esse lugar é a única casa que conheço e tenho medo de ir embora. A irmã Zana ficará sozinha, tendo que cuidar de tudo sem mim. Tenho certeza que ela sentirá minha falta, e eu a dela, por isso não sei se devo aceitar e ir embora. Eu… eu não sei se morar com você é tudo o que dizem, também duvido que posso fazer algo pra te ajudar… Olhe pra mim, eu sou pequeno, sou fraco e nem sei balançar uma espada direito. 

— Ah… é isso. — Ela pôs uma das mãos no queixo, pensativa quanto àquelas palavras. — Liane, discordo bastante de você, na verdade, discordo de tudo que acabou de falar.

— Hum? Mas isso é verda…

— Largue desse pensamento pessimista, seu bobalhão. Eu já conversei com o capitão Aymeric, ele disse que não tem problema levarmos sua irmã junto, ou, no pior dos casos, anexar parte do território que esse vilarejo se encontra ao marquesado da minha família. Você poderia voltar para cá quando quisesse, desde que fosse por merecer, e se sentisse falta de sua irmã, bastaria irmos juntos para cá e fazer um acampamento de treino comigo. As coisas são fáceis de resolver, não entendeu?

Liane emudeceu. As afirmações caíram sobre seus ombros como tijolos. Era realmente idiota se preocupar por questões assim quando a outra pessoa estava disposta a arcar com os problemas e oferecer uma mão amiga? Estranhou receber tanto apoio, mais ainda quando essa garota apenas apareceu e disse  “Eu quero que você seja minha” na frente do seu rosto. De repente, uma dúvida brotou na sua mente.

— Por que você teve interesse em mim?

— Porque você não é como os outros. 

Os olhos de ambos se encontraram. Um suave sorriso se moldou ao lado das mechas douradas do cabelo de Silva. Se combinado com a lua banhando as suas costas, tornou a visão algo digno de um quadro artístico renomado.

— Todo mundo é falso por causa dos meus status. Por todo lugar que vou, vejo aquelas pessoas se remoendo de inveja, se contendo para não falar asneiras de mim e sempre pegando leve comigo. Eu não gosto disso, de ser subestimada e tratada como uma boneca de porcelana. Odeio a sensação de ficar mantida numa caixinha de joias à mostra para todo mundo, e francamente, me sinto só de ser assim.

Ela suspirou, os dedos no vestido apertaram o tecido fino.

— Quando te vi pela primeira vez, eu queria saber se o mesmo aconteceria de novo, se até as pessoas do campo me detestavam por ser desse jeito. Você ficou cambaleando de lá pra cá com aquela espada de madeira, eu sabia que estava garantida a minha vitória e que eu teria outra decepção, mas, não sei porquê, senti que deveria continuar, até que você me surpreendeu indo com tudo pra cima. Foi por um breve momento, e nessa janela de tempo, eu me senti mais alegre do que nunca.

Liane não desviou o olhar, tendo extrema dificuldade de até mesmo mover o pescoço. As mãos de Silva tocaram as suas, seu pedido sincero se libertou das amarras:

— Venha comigo, por favor. Eu preciso de você.

O garoto se emocionou, era a primeira vez que tanta sinceridade de alguém. Ele entendia bem a sensação de estar sozinho, além do mais, a única pessoa que ficou ao seu lado era Zana, nenhuma outra criança do orfanato fez amizade consigo desde que os abusos começaram. Liane apertou aquelas mãos macias, suas palmas cobertas de arranhões estavam à mostra, mas ele não tinha motivo para esconder nada de qualquer jeito.

— Eu aceito.

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Olá, eu sou Zunnichi!

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