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Capítulo 31 – Sonhos ruins, lembranças piores.

A manhã veio, e com ela a marcha. Jonas se forçou a andar, arrastando os pés enquanto seguia no final do grupo. Até Graça andava mais rápido do que ele. Sua mente estava turva, seus olhos ardiam, cada passo seu era mais pesado que o outro. A noite fora longa e exaustiva. Tudo o que conseguira pensar foi nas imagens no quarto dela, nas horas que passou a confortando, no rosto confuso dela quando ele a perguntou, em sua voz quando lhe negou. Quanto tempo conseguira dormir? Duas, três horas? Não sabia. Seu sono foi apenas um piscar de olhos, se comparado a vigília escura que experimentou na noite anterior. Isso já havia acontecido várias vezes, mas nunca se sentira daquela forma no dia seguinte. 

Fora rejeitado novamente por outra mulher. O rosto de sua mãe, no dia em que ela saiu para nunca mais voltar, lhe veio rapidamente a mente. 

“Chega”, disse para si mesmo, balançando a cabeça. 

Aquilo não importava, mas o que importava? Por que ele fora para aquele mundo em primeiro lugar? “Vós sois almas que ainda não aceitaram a morte”, aquele deus estranho tinha dito, de acordo com o que Jonas recordava, “Desejam retornar ao seu mundo para realizar vossos desejos”. 

Desejos? 

Que desejo ele tinha? Toda a vez que pensava nisso, uma lista de arrependimento vinha a sua mente. Sua mãe, seu pai, seus avós, queria ter-lhes dado uma vida melhor, queria ter seguido a carreira de futebol, queria que ela tivesse dito sim. 

— Ei cara, você tá legal? — Leandro lhe perguntou. 

Jonas se sobressaltou de surpresa. Ele parecia estar dormindo em pé pelo visto. 

— Tô bem, só tô um pouco lento hoje. 

— Tem certeza? 

Jonas apenas confirmou com a cabeça. 

— Beleza — Leandro falou por fim, não muito convencido. 

Eles continuaram caminhando. Orland na frente, seguido de Eric, cujas olheiras haviam piorado, embora ele não mostrasse sinais de cansaço. Ele levava a espada, que estava muito próxima ao cavaleiro para o gosto de Jonas. Túlio vinha em seguida, mal-humorado, como sempre. Então Leandro, caminhando de forma relaxada, e por fim, Graça e o próprio Jonas completavam a coluna. 

O caminho variava bastante em largura e altura em relação ao solo pantanoso, sendo estreito em alguns pontos, e, em outros, largo o bastante para quatro pessoas andarem lado a lado. A altura também era algo inconstante. As vezes a trilha era alta, outras vezes baixa em relação ao chão. Erick perguntou o porquê disso para Orland, que respondeu com seu habitual falta de paciência. 

Segundo ele, esses caminhos feitos por magos se degradavam aos poucos, mas como eram muito usados por quem atravessava a região, eram constantemente reparados. Quanto as alturas diferentes, a razão disso era que havia áreas que inundavam em certas épocas do ano, por isso as trilhas nesses locais eram mais altas em comparação aos outros. Para a sorte deles, não estavam nessa época. 

Quando Erick perguntou o que acontecia com quem não usava magia ao viajar por aquele lugar, o cavaleiro apenas respondeu bruscamente: 

— Ninguém em plena sanidade faria tal coisa. 

O que era engraçado para Jonas, pois supostamente, era o que eles estavam fazendo. 

Seguiram andando até uma bifurcação, o qual já tinham passado no dia anterior, e tomaram o caminho mais estreito, que tinham evitado antes por decisão do cavaleiro. Seguiram-no por horas, quando Jonas olhou para baixo, percebendo um movimento na água. 

“Água?”. 

Tropeçou, quase caindo em seus próprios pés. Estava ficando mais difícil andar por aquele chão irregular. Leandro o ajudou a se recompor. 

— Não se descuidem, ou cairão no lago— rugiu o cavaleiro, na frente da coluna. 

Quando Jonas olhou para os lados, entendeu do que ele estava falando. Em algum momento, sem que ele percebesse, tinham seguido por um caminho que atravessava um dos lagos, fazendo uma espécie de ponte rústica sobre a água. 

A trilha em si era alta e larga, parecendo estar a alguns metros do lago, e também deteriorada, com os cantos desgastados e curvos, fazendo com que fosse mais difícil andar por ela. Graça em específico, parecia tomar cuidado a cada passo, com Leandro em seus pés para ajudá-la, assim como fizera a Jonas, que retorceu os lábios ao pensar que naquele momento precisaria tomar o mesmo cuidado da velha senhora. 

Mas, pensando bem, ela não aprecia tão cansada quanto ele, mesmo passando horas em sua própria vigília. Talvez fosse mesmo acostumada a ficar acordada. 

— Jonas — ouviu o cavaleiro chamar. 

— Oi. 

— Por acaso escutou algo? 

Jonas franziu o cenho, sua cabeça estava uma confusão de ruídos e dor, mal conseguindo discernir os sons. 

— Não ouvi nada. 

O cavaleiro, que tinha se virado para encará-lo, voltou-se novamente para frente. 

— Pareces distraído hoje, prestes mais atenção — disse ele, ainda andando. 

Jonas bufou. Ele tinha prestado atenção e dito tudo o que escutava nos outros dias, podia se dar ao luxo de descansar aquele, não? Além do mais, sua cabeça doía. 

— Querido, tudo bem? — Graça perguntou. 

Jonas suspirou. Estava cansado de ouvir aquela pergunta de novo e de novo. 

— Sim, estou, senhora —Ele respondeu, deixando um pouco de sua irritação escapar através da voz. 

A mulher riu. 

— O que foi? — Jonas perguntou, confuso. 

— Ah, é que sua cara me lembrou a do meu filho. Ele também ficava rabugento quando eu insistia em perguntar algo. 

Jonas franziu o cenho. 

— Rabugento? 

— Sim — Ela continuou a rir, o que só serviu para o irritar ainda mais. 

— Perdão querido, apenas senti como se por um momento eu visse a meu filho novamente — Ela baixou a cabeça, e torceu os cantos dos lábios. 

“O filho dela”, Jonas recordou do que ela lhe contara, sentindo um aperto no peito. 

— Ah, é mesmo? — Ele não sabia o que dizer, apenas engoliu em seco, enquanto tentava formar uma frase. 

— Não fique triste querido — Ela disse, talvez percebendo sua expressão. — Eu gosto de lembrar dele… das partes boas dele. 

Jonas sentiu algo se apertar dentro de seu estômago ao escutá-la. Os rostos de seus avós vieram à sua cabeça, junto da última memória que tinha de sua mãe. 

“Será que eles sentiam a mesma coisa sobre ela? E ela, será que sentiu por mim?”, refletiu. 

— A senhora gostaria de ver ele de novo, mesmo depois de tudo? — Ele perguntou, sem entender direito o porquê. 

Graça o olhou. Seus olhos, apesar de cansados e caídos, transmitiam-lhe um reconfortante sentimento de gentileza. 

— É o que eu peço toda noite, quando me ajoelho — Ela respondeu, sorrindo. 

Jonas questionou-se se sentia o mesmo por sua mãe. Gostaria de vê-la novamente? 

A pergunta trouxe-lhe mais uma vez as memórias que tinha dela, quando criança. Sua mãe tentando entrar na casa. Seus gritos, suas batidas no portão, querendo dinheiro para comprar mais. Seu avô a impedindo, pedindo-lhe para que fosse embora. Sua avó chorando, enquanto o abraçava e o afastava da entrada da casa, pedindo para que ele não visse a mãe daquela forma. Para que ele não pensasse nela daquele jeito. 

Mas como? 

Ele se afastou dos pensamentos, ou tentou. 

Enquanto andavam, outro som na água chamou sua atenção. Parecia um coaxar. 

“Talvez sejam peixes”, pensou. 

Mas ainda não vira um peixe naquele pântano, apenas sapos e salamandras gigantes, além dos enormes lagartos basiliscos. Os quais ele evitava ao ouvir seu silvado ao longe. Mas naquele momento, sua audição mais parecia um chiado do rádio antigo de seu avô, do que o radar que se acostumara a ter nos últimos dias. 

— Essa é a direção certa mesmo? — Túlio resmungou. 

— Se não for, faz diferença? — Jonas disse, recebendo algo parecido com um rosnado em resposta. 

— É isso, ou voltar ainda mais pelo caminho que viemos — Leandro observou, dando de ombros. 

— Esse lago é bem grande né?! — Graça falou, com uma voz trêmula. 

A trilha encurtava cada vez mais. Estava degradada, com buracos e ondulações. Eles precisavam ter cuidado para não deslizar. Jonas não se preocupava com a água, ele era um bom nadador. Preocupava-se com que o que havia nela. 

Ouviu novamente o mesmo som abaixo, porém, mais alto, que o fez parar e olhar para a água. 

— Esperem — gritou, atraindo a atenção de todos. 

Graça tropeçou com o susto, Túlio saltou de surpresa, Erick, que estava na frente da coluna, junto de sir Orland, virou-se, assim como o cavaleiro, que se pôs em súbita posição de guarda. 

Um momento de silêncio se seguiu. 

— Caralho, que susto — Leandro suspirou, pondo uma mão no peito. 

— Tá ficando doido, cara? — berrou Túlio. 

— Ei — Erick falou —, não sentiram algo estranho? 

Jonas ouviu a água se mexer, e algo emergiu, soltando uma espécie de corda, que agarrou as pernas de Leandro, puxando-o para baixo. Em um piscar de olhos ele caiu, sendo arrastado pela coisa para dentro da água, até que Túlio o segura-se. Jonas se uniu a ele. A coisa se enrolava em sua perna. Parecia um tentáculo pegajoso. 

Mesmo com os dois o segurando, a coisa ainda arrastava vagamente Leandro, tamanha era a sua força. 

Então algo acertou o tentáculo, que se contorceu, antes de voltar para a água. Quando Leandro foi liberto de seu aperto, Jonas e Túlio tombaram para trás, quase caindo na água do outro lado. 

Jonas olhou para Erick, que segurava a espada em suas mãos. 

— Valeu — Ele disse, se levantando, agradecido de não ser o cavaleiro a segurando. 

Sir Orland estava ao lado deles, fitando a água. 

— Cuidado! — Ele gritou, quando formas estranhas e curvadas surgiram da água. 

Tinham uma aparência grotescamente enrugada e retorcida, cabeças redondas, desproporcionais ao corpo, com bocas e olhos gigantes. Ele ouviu um coaxar quando a parte de baixo do queixo de um inflou, e eles saltaram em sua direção.

 

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