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Capítulo 32 – O Invocador

Naquele descampado iluminado pela lua, o semblante zombeteiro de Ziron ficou evidente. Um manto azulado coberto por inscrições cobria-lhe desde os ombros até os pés. Segurava um cetro de madeira, também recheado de escritos.

Boyak se sentiu um pouco estúpido por não ter desconfiado desde o começo, mas devia a sua “falha” a seu estado atual. Talvez se estivesse em seu normal, teria percebido a verdadeira natureza do cocheiro.

— Pelo seus olhos, vejo que me descobriu finalmente — disse Ziron. — Suas emoções são tão transparentes quanto as águas cristalinas de Bughr.

— Admito, você foi excelente em esconder sua presença, Rom. Se soubesse que era você, teria preparado a ceia — Boyak falou, batendo palmas. — Muito embora eu preferisse me disfarçar como alguém mais bonito.

Ziron, mais conhecido como Rom, o invocador, era um antigo rival de Boyak.

Entretanto, dessa vez, o homem participara de um ritual para mudar a percepção das pessoas a seu respeito, de forma que, ninguém poderia reconhecê-lo.

Aos olhos de todos, ele era um simples cocheiro.

— Típico, você está sempre pensando em aparecer — o invocador rebateu.

— Na verdade, é um dom natural. É difícil não me destacar quando estou com pessoas como você. Nem é necessário fazer esforço.

— Pode zombar à vontade. Dessa vez, veremos quem vai rir por último.

— Ha! Ha! Ha! — o ceifador riu, ironicamente. — Essa frase é familiar, onde será que ouvi? Ah! Foi de você mesmo nos nossos dois encontros recentes.

— A situação mudou muito depois que você se desgastou nas ruínas da lamentação.

— Eu não preciso de poder para derrotar você e suas invocações de segunda categoria.

— Eu diria o contrário — retrucou Rom. — Mas nada melhor do que pôr as palavras de um ceifador à prova.

O homem bateu o cajado no chão usando as duas mãos. 

Uma. Duas. Três vezes.

Anayê observava tudo em silêncio absoluto. Pela conversa conseguiu captar que os dois se conheciam e eram inimigos. Porém, a situação a seguir, fez se questionar como conhecia pouco sobre seu mundo e como a vida de escrava na fortaleza a privara do verdadeiro poder residido em certos indivíduos.

Após a sétima batida, um estrondo seguido de um tremor abalaram os ouvidos e os pés de Boyak e Anayê.

Uma rachadura surgiu na terra diante de Rom e emitiu uma luz acinzentada.

— Quando der o sinal, você vai sair correndo na direção das colinas — o ceifador falou, o tom de voz mais sério e firme do que habitual.

Anayê estreitou os olhos. Pensou em perguntar como ele enfrentaria aquela ameaça, mas a cena a frente chamou mais a sua atenção.

Um bizarro tentáculo gosmento e branco emergiu da rachadura, abrindo espaço para passar pelo buraco.

O simples olhar para o tentáculo era repulsivo. Fazia Anayê ter vontade de desviar os olhos.

Outro tentáculo emergiu e, com ele, a cabeça em formato de cunha, viscosa e pálida apareceu. Na parte frontal, exibia seis olhos ao redor da boca, de onde escorria um líquido esverdeado.

Os lábios de Anayê tremiam sem controle. Que tipo de horrendo e profano de criatura era aquela? De que inferno tinha sido invocada?

Fitar os seis olhos do monstro transformou seu estômago em uma máquina de triturar milho, borbulhando e rodando. Sua mente se paralisou em terror, pedindo para fugir dali sem conseguir executar nenhuma ação.

Atrás da aberração, Rom sorria vitorioso, se deleitando no semblante de desespero da ex-escrava.

— Não, não… — a moça balbuciou.

Só então Boyak percebeu seu terrível erro, esquecera de orientá-la a não fitar a criatura.

Aquela aberração era chamada de degurr, um horror dos abismos mais malditos do mundo, capaz de congelar qualquer um com seu olhar macabro.

Apenas um ceifador treinado poderia resistir a angústia e desespero infligido pela besta.

Anayê caiu de joelhos com as mãos segurando o rosto e balbuciando a palavra sem parar.

O ceifador se amaldiçoou em silêncio. Agora somente uma gota do fluido de oração poderia restaurar a saúde mental dela. E, dependendo do tempo, os efeitos colaterais seriam complicados.

Pesadelos e visões permaneceriam atormentando por muito tempo até a cura completa.

O fato de quase sempre estar sozinho nos combates afetava o senso de ação do ceifador. Geralmente, as pessoas fugiam ao menor sinal de aberração. 

Porém, a pobre Anayê não tinha a total noção desse perigo. Na verdade, ela confiava tão veementemente nele que não tomava as atitudes ordinárias daquela situação.

Essa consciência deixou Boyak ainda mais bravo consigo.

Tudo ficava ainda pior quando ele se via sem ter como resolver aquela situação.

Rom tinha feito a lição de casa e trouxera um verdadeiro desafio ao ceifador. Se enfrentar um degurr com fluido de oração era complicado, enfrentá-lo sem nenhum poder era suicídio.

Não havia nada para ser feito, literalmente.

O plano maluco de Boyak consistia em distrair a criatura enquanto facilitava a fuga de Anayê. 

Era quase um fato que na primeira investida ele seria esmagado, mas esperava durar mais um pouco, talvez o suficiente para garantir a segurança da moça.

Também contava com a negligência de Rom, afinal, o invocador estava atrás dele e não de Anayê ou Thayala. Se conseguisse seu objetivo, provavelmente, não perseguiria as duas.

— É interessante observar você se esforçando para encontrar uma saída possível para seus problemas — o invocador falou. — Chega a parecer uma pessoa séria e responsável, diferente do idiota falastrão de sempre.

— Então essa é a sua percepção sobre mim? Idiota falastrão? Após todos esses anos de relacionamento, você deveria me considerar mais.

Enquanto falava, o ceifador calculava todas as suas opções. Ele não esperava ter de fugir de outro combate. Como a ausência de poder era punitiva.

Dependência era uma palavra ridícula para Boyak.

E mesmo pensando dessa maneira, ele tentava suprimir sua frustração por zombaria. Não ia deixar Rom vê-lo cair em desespero. Aquele tolo nunca o faria implorar.

— Você pode falar o quanto quiser, mas está encurralado — Rom debateu. — E vou assistir sua angústia assim como um noivo admira sua noiva. Sim, vou apreciar cada momento de sua derrocada com prazer imensurável.

— Me pergunto o que vai fazer quando a situação reverter?

— Bah! E como você pode mudar esse quadro?

— Ficaria surpreso — Boyak blefou, mas manteve a fala e o rosto altivos.

— Eu não sou um daqueles assassinos idiotas que você enganou.

— Ha! Ha! Deveria escolher melhor seus contratados.

— Eu não queria gastar meus poderes de invocação com você — bufou Rom.

— Mesmo assim, cá estamos. Segundo seu plano, eu já deveria estar morto, mas vejamos… — Boyak tocou seu corpo de modo teatral. — Ora, todas as partes do meu lindo corpo ainda estão aqui, intactas.

— Será um prazer mudar isso.

— Você consegue? Ou teremos mais uma prova de que eu sou superior a você.

— Seu cão imundo… — Rom bradou entredentes. — Eu vou te fazer implorar de joelhos!

Boyak ouviu o sussurrar constante de Anayê aos seus pés. A garota começava a choramingar pelo nome do irmão. Seu pequeno desvio de atenção não passou despercebido pelo inimigo.

Então Rom gargalhou e deixou sua voz ecoar até os céus com orgulho.

O ceifador não foi capaz de disfarçar seu incômodo.

— Vou lançar uma charada para você — Rom revelou. — Quanto tempo leva para degurr despedaçar essa garota?

Boyak não respondeu.

— E qual será a sua reação ao falhar com ela? Ela era escrava, certo? E você lhe prometeu a liberdade — Rom limpou a ponta de seu cajado com o manto. — Como ela se sentirá ao ser massacrada e perceber que confiou na pessoa errada?

O ceifador cerrou os punhos. As narinas exalando sua respiração agitada 

— Quero ver você olhá-la nos olhos e confirmar o quanto é um ceifador fracassado. Ou dirá a ela que vai ficar tudo bem? 

Rom sorriu e degustou o momento, fitando firmemente o seu rival.

— Vou esmagá-la e depois de ter destruído seu orgulho estúpido, vou deixá-lo vagando a esmo sabendo que eu sou o causador de sua ruína. Que tal descobrirmos isso, Boyak?

O ceifador engoliu em seco.

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Olá, eu sou Naor!

Fico feliz de ter você por aqui!
Espero que esteja curtindo a jornada de Boyak e Anayê

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