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A chegada da professora foi como a descida de uma cortina de palco. O burburinho da sala de aula, uma cacofonia de conversas abafadas e agitação nervosa, diminuiu instantaneamente. Um silêncio se instalou, espesso o suficiente para ser cortado com uma faca. Corri para o meu assento, na esperança de me misturar ao fundo e evitar atenção indesejada.

Todos os olhares se voltaram para a porta, atraídos por uma força invisível.  Ela entrou, uma visão de pele bronzeada, olhos de cor de mel e cabelos escuros que caíam em cascata pelas costas. Sua presença manteve a sala presa.

“Scarlett?”, pensei, surpreso. “Dia de sorte.” 

Não havia como negar seu fascínio. Pelos olhares roubados trocados entre os alunos, era evidente que seu charme não estava perdido para eles.  Mas, por mais cativante que ela fosse, havia rumores sobre a mesma: um coração ferozmente guardado, uma mente tão afiada quanto uma tachinha e um espírito que permanecia inconquistável.

Um sorriso atrevido surgiu no canto dos meus lábios quando me inclinei para Marie. 

— Não era matemática agora? — cochichei.

— Henry deve ter saído. A Srta. Brown está substituindo ele. — respondeu em tom baixo.

Isso explicava a inesperada professora de história em nossa aula de matemática. Fiquei muito aliviado. 

— Não foi a pior das reviravoltas.  

Afinal de contas, história com a Sra. Brown era geralmente considerada uma moleza em comparação com os rigores da matemática.

Nesse momento, a mulher ergueu a bolsa que estava carregando sobre a mesa com um leve baque. Inclinando-se para trás, ela colocou as mãos na borda e examinou a sala de aula com um olhar que parecia manter cada aluno cativo.

Um silêncio se estendeu entre nós, o único som era o farfalhar dos papéis e o zumbido distante da escola do lado de fora. Finalmente, a mulher ergueu uma sobrancelha, com um toque de diversão cintilando em seus olhos.

— Boa tarde, turma. — ela cumprimentou, com uma voz calorosa e convidativa.

— Boa tarde! — responderam todos unidamente.

Apesar de seu comportamento calmo, um ar de autoridade silenciosa pairava sobre ela.  Ela não era enérgica, mas havia um senso de energia concentrada que parecia resolver o caos habitual da sala de aula, substituindo-o por um senso de ordem e expectativa.

De repente, o olhar da Sra. Scarlett pousou diretamente em mim.  

— Krynt Hughes. — disse ela, com uma voz clara e direta.

— O-oi? — gaguejei, um nó nervoso se formando em meu estômago.

— Por que você esteve ausente na semana passada?

Meu coração rapidamente acelerou.

— Uh, bem, foi… — O suor escorregou em minha testa. — Não foi nada demais, só…

— Está tendo problemas para encontrar a desculpa certa? — Ela cortou minha fala. — Talvez sua mãe tenha a gentileza de vir à diretoria e dar as respostas por você hoje.

O comentário me atingiu como um raio. Meu rosto já pálido pareceu perder toda a cor. 

Scarlett retornou à sua cadeira e acomodou-se.

Sob o peso da vergonha, me encolhi em meu assento, buscando refúgio com a testa contra a superfície fria da mesa. A onda de risadas dos meus colegas era como um enxame de abelhas zumbindo em meus ouvidos. Eu não sabia o que fazer, nem como lidar com a situação.

De repente, uma sensação suave e gentil tocou meus cabelos negros, deslizando pelos fios com a delicadeza de dedos hábeis. Levantei a cabeça, buscando a fonte daquele toque inesperado.

Era Marie. Seus olhos me fitavam com uma expressão de compreensão e carinho.

— Fica calminho, tá bom? — ela sussurrou, sua voz suave como um bálsamo para a minha alma. — Vai ficar tudo bem.

Naquele momento, senti o peso da vergonha se dissipar, substituído por uma sensação de paz e conforto. O sorriso de Marie, a sua ternura e bondade me envolveram como um manto protetor, afastando o medo e a insegurança.

Eu queria que aquele momento durasse para sempre, que o calor daquele gesto se eternizasse. Mas, como tudo na vida, a felicidade é passageira.

Marie parou, retirando sua mão. 

— De nada, sua coisinha. — disse ela, antes de se voltar para frente.

Um impulso incontrolável tomou conta de mim, e as palavras escaparam da minha boca antes que eu pudesse pensar:

— Cê tem mãos macias. Bem que vo…

Mas as minhas palavras foram interrompidas quando ela tampou minha boca com a mão, seus olhos arregalados de vergonha e constrangimento.

— T-tá bom, Krynt.

O rubor tomou conta de suas bochechas, e seus olhos se desviaram dos meus. Eu me senti envergonhado por minhas palavras precipitadas, mas também confuso com a reação dela.

Um silêncio constrangedor se instalou entre nós, quebrado apenas pelo som da caneta de Marie rabiscando freneticamente em seu caderno.

Olhei para Edward, que observava a cena com um sorriso divertido nos lábios. Um sentimento de frustração e impotência me dominou.

A professora interveio, atraindo a nossa atenção para anunciar o início da aula.

Mais uma vez, o tema de uma guerra passada foi o centro da aula, reaquecido como uma sopa que perdeu o sabor: 

Após a vitória da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, o cenário geopolítico global passou por uma profunda reconfiguração… 

— Psst, Ed. — sussurrei, inclinando-me em direção a ele. — Você sabia que uma vez eu parei um carro… com a minha própria mão?

Edward, com a cabeça enterrada na mochila como uma tartaruga descontente, murmurou algo abafado pelo tecido. 

— Hã? — Ele finalmente levantou, piscando sonolento. — Do que você está falando?

— Não é brincadeira. — insisti. — Parei. Um. Carro.

Um sorriso presunçoso surgiu no canto dos lábios dele. 

— Sim, sim, Krynt. E aposto que você lutou com um urso também, certo?

— Te conto melhor quando essa aula acabar.

A bota nazista varreu o cenário europeu, impondo seu totalitarismo aos povos oprimidos. Os países prósperos cederam ao domínio alemão, pagando altos tributos e fornecendo recursos à máquina de guerra do país.

A França, que já tivera sido o centro intelectual e cultural da Europa, foi humilhada e reduzida a um estado fantoche, governada por uma ditadura colaboracionista chefiado por Pierre Laval. O Império Britânico, considerado imbatível, teve suas estimativas de grandeza frustradas nas ruas empoeiradas de Londres, pois a Kriegsmarine se mostrou formidável demais.

Após um conflito prolongado e brutal, a União Soviética foi derrotada à força pela blitzkrieg no leste. Milhões de eslavos foram reduzidos à servidão e mortos em campos de concentração quando o Reich e seus parceiros colaboradores dividiram seu enorme território.

A propaganda de seu partido constantemente martelava a ideia da supremacia ariana e do ódio aos “inferiores” por meio de uma vasta rede de rádio, filmes e mídia. A Gestapo vigiava tudo de perto e usava um punho de ferro para acabar com qualquer oposição.

Desde cedo, a população foi doutrinada com a filosofia nazista, aprendendo a desprezar seus adversários com um ódio feroz e a adorar Erich Schneider como um deus. A educação, a cultura e as artes foram usadas como ferramentas de controle para moldar as crenças e os comportamentos das pessoas aos da ditadura.

O Holocausto, que já era um desastre horrível na história propriamente dita, se tornou muito mais massivo e brutal, imprimindo uma marca duradoura na humanidade. Os campos libertados, quando a maré finalmente mudasse, não revelariam apenas montanhas de cadáveres emaciados, mas também testemunhos arrepiantes da engenhosidade distorcida dos nazis – armas semi-construídas de poder inimaginável, cujo desenvolvimento foi alimentado pelos gritos de cobaias humanas.

Entretanto, nem todos sucumbiram à perseguição. Em regiões remotas do mundo, persistiam bolsões de resistência. Além de interromper as rotas de suprimentos e atacar as instalações nazistas, os guerrilheiros também lutavam nas florestas. No submundo, redes clandestinas forneciam proteção e apoio àqueles que discordavam do governo. A centelha da liberdade continuou, fraca, mas inabalável, simplesmente esperando o momento ideal para…

Triiii

O som estridente da sirene da escola cortou o ar, arrancando-me do meu sono com um sobressalto. Levei um momento para me orientar, esfregando os olhos sonolentos enquanto observava os alunos saindo da sala.

— Finalmente acordou. — Edward disse com um sorriso sarcástico, observando-me com uma expressão zombeteira. — Você dormiu igual uma pedra.

Olhei para frente, minha visão ainda embaçada pelo sono, e notei a ausência de Marie em sua cadeira. Uma sensação de vazio e apreensão tomou conta de mim.

— Cadê ela? — perguntei, minha voz ainda rouca pelo sono.

— Saiu. Disse que ia se encontrar com a Sarah.

A decepção caiu sobre mim como uma onda fria, eliminando qualquer sonolência remanescente. 

— Tô com fome. — Forcei minha voz, enquanto procurava uma distração para a inquietação que me consumia. — Vamo’ pegar algum lanche.

Edward simplesmente assentiu, levantando-se depois de mim.

— Eu fiquei te esperando pra isso.

Saímos da sala de aula, mas a sensação de alarme permaneceu. Sabia que não podia deixar minha mente divagar para os piores cenários, mas era difícil não imaginar o pior quando se tratava de alguém tão próximo a mim.

Um pouco mais adiante, o aroma de café e de bolos recém-assados saudou nossos sentidos.

A cantina era um refúgio de aconchego e sustento. Passamos pela fila do almoço e trouxemos um prato de torta de pêssego com uma crosta dourada e tacos com salada de peru dentro de tortilhas crocantes em um cantinho isolado.

 — Então, sobre o que eu te disse… — Minha voz foi abafada pela torta sendo mastigada.

Edward ergueu uma sobrancelha, completando:

— Sobre toda aquela coisa de… parar um carro?

Eu acenei timidamente com a cabeça, limpando as migalhas grudadas nos meus lábios com a língua.

— Sim, nem eu achava que era possível.

— Tem certeza de que não está assistindo Jujutsu Kaisen ou Chainsawman? — Riu-se baixinho. — Ou talvez One Piece? Essas coisas são meio viajadas.

— Bem…

Talvez? Eu não podia negar o fascínio dessas obras, mas… 

— Eu juro que não tô louco. Apenas… aconteceu.

— Tudo bem, tudo bem. — Edward acalmou, segurando uma mão apaziguadora. — Talvez eu esteja exagerando. Você não é tão obcecado por essas coisas, é?

— Comparado a você? — respondi, um gesto brincalhão escapando de meus lábios. — Sem dúvida. Você praticamente vive nesse mundo a maior parte do tempo. Daqui a pouco, você vai se convencer de que é o Goku da vida real.

Edward bufou, balançando a cabeça em sinal de ofensa. 

— Aliás, você ouviu falar do assalto à joalheria? — perguntei.

— Uh… — Ele desviou o olhar para outro canto, hesitante. — Um pouco.

— Bem, digamos que eu cuidei da situação. Mas nem mesmo um obrigado da polícia eu recebi.

Ele assobiou, um som baixo e impressionado.  

— Que vacilo. Isso com certeza vai ser notícia local.

— É por isso que, a propósito, você não pode contar uma palavra sobre isso para ninguém.

Edward espelhou meu gesto, simulando um zíper fechando seus lábios.  

— Por falar nisso, quero que veja uma coisa. — disse, estendendo o braço para ele. — Juro que parecia estar quebrado antes, me deu um susto danado.

Ele me deu um olhar conhecedor, com um brilho malicioso dançando em seus olhos.  

— Então é isso que você tem feito, não é? Usando suas pequenas… habilidades?

— Habilidades? — fingi confusão.

Isso só o levou a um ataque de riso.  

— Não se faça de burro comigo! 

Nesse momento, a tranquilidade da cantina foi abalada. Um aluno irrompeu pelas portas, com o rosto corado de pânico, enquanto gritava: 

— Uma aluna está sendo espancada no pátio! Vários agressores! Precisamos de ajuda!

A sala explodiu em uma enxurrada de murmúrios preocupados. Os alunos se levantaram, uma onda de adrenalina substituindo a preguiçosa calmaria da tarde.  

Confusos, mas pegos pela onda de urgência, Edward e eu seguimos o exemplo, arrastados pela corrente de rostos preocupados e passos apressados em direção ao pátio.


7 minutos atrás.

A luz do sol iluminava o pátio em paz, projetando sombras caprichosas nos azulejos envelhecidos. Marie aguardava pacientemente, com um tremor de expectativa zumbindo por baixo de sua calma.

— Respira fundo, respira fundo…

Uma conhecida sensação de ansiedade se enroscou dentro dela, com um toque de esperança.

— É nesse lugar que vou criar novos laços, novas amizades. — sussurrou, suas palavras sendo um mantra que repetia para si mesma muitas vezes.

Ela seguiu em frente, guiada por uma corrente inabalável dentro de si mesma que veria seus objetivos se tornarem realidade no futuro.

Uma leve mudança no ar chamou sua atenção. Uma verdade estava esperando para ser descoberta em meio à música agradável do canto dos pássaros e do farfalhar da folhagem. Era um sentimento ao qual ela se apegava apaixonadamente, um broto de otimismo que se transformou em algo adorável e genuíno.

Naquele instante, uma figura feminina aproximou-se. Quase da mesma estatura de Marie com 1,65. Pele alva, olhos azuis, cabelos escuros e ondulados, com pontas tingidas de púrpura. Ela usava jeans skinny e uma camiseta que parecia revelar sua essência à primeira vista.

O toque da palma da mão da recém-chegada nas costas de Marie interrompeu seus pensamentos, trazendo-a de volta à realidade.

— Oi! — Exibira um sorriso elegante. — Desculpe pela demora.

Ela estendeu a mão para cumprimentá-la, mas Marie hesitou momentaneamente antes de apertar o punho da garota.

— É um prazer conhecê-la. Eu sou a Sarah Cooper. E você…?

— Ah…

Sarah era uma das populares da escola, uma figura que dispensava detalhes, pois sua presença já era amplamente reconhecida. Típico em qualquer escola pública, ela era a garota simpática e querida por todos.

— P-prazer… Marie Carter.

— Ei, ei, relaxa. Sem nervosismo. Respire fundo. — Intencionava acalmá-la. — A gente já se viu, lembra?

— Desculpe… você me assustou.

Na verdade, Marie não era alguém acostumada a conversar e estava sentindo uma mistura de ansiedade e constrangimento. Ela passava a maior parte do tempo escrevendo, afastando-se do mundo exterior. 

Mesmo assim, uma sensação constante de que desapontaria as pessoas que a cercava.

— Ah, você tem razão. — Sorriu de forma desajeitada. — Eu apareci do nada mesmo, foi mal. Mas seu rostinho vermelho é bem engraçado.

— H-hm…

Foi observando-a que Sarah notou a cor única do cabelo de Marie. Passando os dedos pelos fios, seus olhos brilhavam.

— Você pintou? Nunca vi algo assim.

— Ah, não… É natural, na verdade.

— Entendi! E seus olhos… são bem diferentes, né? Nossa, eu adorei!

Sarah estava genuinamente impressionada. 

Às vezes, um sorriso gentil era tudo o que era preciso para criar um elo entre pessoas. Nem todos precisam se dar bem com todos. A generosidade e a simpatia de Sarah iam além da alegria superficial. Não havia muito espaço para desgosto ou pena. 

No entanto, Marie, apesar de tudo, tinha uma habilidade incrível de ser otimista, sociável e amigável quando necessário. Uma mulher sábia, sem dúvida.

— É uma doença que puxei da minha mãe. Ela também tem os olhos iguais aos meus.

— Primeira vez que vejo isso. Vocês duas são bem únicas, eu acho incrível.

Um silêncio e o franzir de sobrancelhas denunciava a batalha interna que travava consigo mesma. Uma sensação de desconforto se arrastou por sua mente, como uma sombra indesejada.

— Ei, tudo bem? — perguntou Sarah, provavelmente preocupada. — Você ficou estran‐-

— É sobre isso mesmo. — respondeu prontamente. — Por ser tão diferente, nunca consegui me encaixar em nenhum lugar. Sinto que não pertenço aqui. Só quis me afastar, viver em outro lugar.

As lembranças das palavras cruéis que ouviu ecoavam em sua mente, misturadas com as inseguranças que a atormentavam.

— Eu não queria que fosse assim. — disse, com lágrimas prestes a cair, mas ela as conteve com força. Não queria se deixar levar pela autopiedade, mas a batalha interior era intensa. — Às vezes, chego a pensar que seria melhor se eu não existisse.

Sentia-se como uma peça fora do quebra-cabeça, uma nota desafinada em uma melodia suave.

— É como olhar para a vida através de um vidro embaçado. Vejo as pessoas ao meu redor, tão conectadas, tão à vontade consigo mesmas, e me pergunto por que não posso ser assim.

As palavras fluíam como um rio de emoções há muito tempo contidas, e Marie permitiu-se sentir essa vulnerabilidade.

— Também me pergunto se algum dia vou encontrar meu lugar neste mundo, se vou conseguir ser verdadeira comigo mesma, sem esconder minha verdadeira identidade atrás de máscaras.

Lágrimas finalmente começaram a escapar de seus olhos, traçando caminhos brilhantes por suas bochechas. Ela não conseguia mais conter a torrente de sentimentos que a havia dominado por tanto tempo.

No entanto, Sarah, a despeito disto, estava levemente espantada.

— Nossa, por essa nem eu esperava. Mas, Marie, não acho que você deveria pensar assim. Ninguém tem todas as respostas, mas estamos aqui para te ajudar a descobrir. 

Marie imediatamente viu um brilho nos olhos, uma determinação que não havia notado antes, seguida de um doce sorriso.

— Você é incrível do jeito que é. — completou.

Aos poucos, ela percebeu que sua imagem não era representada por sua aparência, mas pelos sorrisos que compartilhava e pelas lágrimas que enxugava do rosto dos outros.

— Uhm… o-obrigada.

Não era para o apoio de todos os seus amigos, nem para a piedade dos adolescentes, nem para a aclamação universal. Outros têm o direito de se opor à maneira como ela faz as coisas, mas ocasionalmente eles ficam excessivamente preocupados com ela. 

— Deixando de lado esse clima pesado, queria te perguntar algo.

— Hm?

— Você é nova aqui, né? Também não te vi no ano passado.

— Sim… Eu entrei nesta escola porque dizem que é boa para quem quer seguir medicina.

— Medicina, hein… Interessante. É um sonho seu?

— Erm… sim. Sempre sonhei em ser médica. Acho fascinante lidar com as complexidades do corpo humano. É incrível como os médicos precisam conhecer todos os detalhes. Isso… — Marie sorriu naturalmente. — Me cativa.

Agora que ela havia expressado seus objetivos em palavras, eles pareciam mais reais e encheram-na de orgulho.

— Eu nunca tinha pensado nisso dessa forma. Para mim, é algo que me deixa nervosa. Deve haver alguém que te inspire.

— Minha mãe, porque ela é oncologista. Como médica, ela salvou muitas vidas. É isso que eu quero fazer.

— Nossa, sua mãe deve ser incrível, então. Tenho certeza de que você vai seguir os mesmos passos.

O coração de Marie começou a palpitar, como resultado do que Sarah acabou de dizer. 

Poucos outros muitas vezes apoiam suas aspirações, tornando muito mais simples rir delas e desistir das mesmas.

— Também notei que você está começando a se soltar, é um bom começo.

Quando o assunto a interessava, Marie passava de uma atitude introspectiva para um estado mais comunicativo.

— Venho conhecendo muita gente nova, tô gostando disso.

— Hmm! Quem sabe até nós poderíamos virarmos besties, o que acha?

— Ah… — Seu rosto ficou mais corado. — Erm… c-claro.

Sarah era a primeira garota com quem estava interagindo, ao contrário de seus únicos dois amigos.

— É… Verdade, poderíamos. — Um toque de desconforto apareceu em seu rosto. — Mas eu realmente fico chateada quando vejo outras pessoas tentando ocupar o espaço que com tanto esforço construí ao longo do tempo.

Marie olhou para ela, um tanto surpresa.

— Como assim?

A mudança súbita no comportamento dela era uma confusão para a mesma.

— Você entende o que quero dizer, né? Qualquer um se sentiria frustrado nessa situação. O que você faria se achasse que estava ficando para trás?

Sarah olhou nos olhos de Marie, esperando uma resposta.

— Bem, acho que, se me sentisse assim, tentaria me superar. Conversaria com as pessoas e aprenderia com elas, não importa o que acontecesse. Não acredito que seja saudável ficar com raiva ou com inveja dos outros só porque estão progredindo.

Sarah suspirou, aliviada por Marie ter captado a mensagem.

— Só que, às vezes, a gente precisa defender o que é nosso também, não concorda? Não me entenda mal, Marie. Gosto de você, mas também quero proteger o meu lugar aqui. Isso é importante pra mim.

Marie absorvia as palavras de Sarah, tentando compreender a nova perspectiva que lhe era apresentada, embora sem muito entendimento a respeito.

— Eu acredito que a maioria das pessoas reagiria de alguma forma, lutando por aquilo que desejam. 

Sarah estava dizendo com sinceridade, seu rosto suavizando um pouco após a expressão anterior de frustração. 

— É uma competição, Marie, seja por amizades, sonhos ou oportunidades. Tem vez que você precisa se posicionar e lutar pelo seu lugar. Não é algo ruim, é só parte da vida.

Não havia espaço para ceticismo.

A resignação era a única opção que restava, pois era tarde demais para reverter o curso dos acontecimentos.

À medida que a amizade se fortalecia, ela parecia se desvanecer, causando sofrimento excruciante e ampla humilhação. Era quase irônico, como se a vida estivesse pregando uma peça cruel entre ambas.

“Me chute, me fure”, estava escrito em um pedaço de papel colado em suas costas desde que Sarah chegou. Uma mensagem que mobilizou a ação daqueles que a identificaram. Sarah havia feito apenas um gesto e todos rapidamente avançaram.

Após um chute na canela, Marie caiu. Em seguida, outro chute nas costas a fez contorcer.

Marie estava passando por uma tempestade tempestuosa de reações, que os olhos de Sarah captaram com maestria. Quando notaram a expressão desnorteada desta, todos ao seu redor não puderam deixar de sorrir com um sentimento de satisfação.

A situação se repetia, cada vez mais violenta. 

As agulhas perfuram a pele como pequenas lanças, rompendo a epiderme. 

As roupas, que antes eram um escudo protetor, despedaçam-se com a aproximação dos fios agudos e metálicos sem tréguas. 

O gume afiado da lâmina desenhava um percurso sinuoso através do corpo, produzindo feridas profundas e carnudas a deixar um rasto escarlate que maculava impiedosamente o chão.

Marie, vítima de tortura grave, tinha sua voz silenciada, não por sua própria decisão, mas pelos cortes horríveis no pescoço. A asfixia tornou-se uma amiga inesperada, e a morte iminente era um fantasma de olhos vazios que a observava. 

Os seus gemidos agonizantes são silenciados enquanto ela se balançava no precipício da morte, olhando para o nefasto precipício.

A escola testemunhou sua agonia. Marie não poderia mais continuar, e eles sabiam disso. 

Alguém inábil havia rompido a máscara de Marie, revelando uma vulnerabilidade que ela não conseguia admitir nem para si mesma. Ela ainda acreditava no amor, mesmo que não soubesse disso, algo que a mesma não conseguia compreender.

Sarah, no entanto, tinha acabado de começar a demonstrar um interesse intrigante nela. Essa garota era diferente das outras por causa de seu comportamento estranho e aparência distinta. O desconforto de Sarah aumentava apenas com a presença de Marie.

A ansiedade e a insegurança de Sarah fez com que ela tivesse uma necessidade quase doentia de manter o controle sobre sua vida. Ela havia se esforçado bastante para estabelecer sua reputação e status na escola, de modo que a ideia de Marie competindo com ela era inaceitavelmente ofensiva. 

Parecia que a própria presença dela ameaçava sua entorpecida posição de poder.

Ninguém, entretanto, tinha a capacidade de influenciar suas percepções e avaliações internas. Sarah e Marie eram pessoas autônomas que não podiam ser coagidas a pensar ou sentir de determinada maneira. 

Cada uma delas tinha uma jornada interna a ser concluída.

Outrora, contemplar o significado da vida representava um dilema desafiador. Entretanto, essa questão parece mais frágil e delicada que nunca.

Ninguém estava imune aos efeitos ocasionalmente paralisantes da incursão, apesar de seu incrível poder. Mesmo com todas as tentativas de manter viva a chama da esperança, ela frequentemente tremeluzia e acabava morrendo. 

Era um fato inevitável.

O otimismo acabou sendo uma estratégia mais eficaz do que a rigidez mental diante dessa realidade. Na maioria das vezes, as pessoas simplesmente seguiam em frente depois de aceitar essas constatações.

Tudo se resumia à fé – a convicção de que, apesar das incertezas e do ceticismo, a vida tinha um significado e um propósito que acabariam se tornando claros.

Como isso se objeta?

— É por isso que você enlouquece e decide afogar esses filhos da puta em sofrimento. — Sarah acrescentou.

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