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Capítulo 11 – A capital é gloriosa, deslumbrante, fulgente. A capital tem thermae – parte 5

Com Serena a conduzir minha mão a sua, afastamo-nos das entradas dos banhos e após um pequeno desfile nos sentamos em um banco próximo. Na frente deste banco há uma vendinha de bebidas dos mais variados tipos: refrescos, sucos, vinhos, hidromeles.

 — Queres tu alguma bebida? Aurelius. Eu pago! — diz ela enquanto se prepara para ir até a vendinha.

 — Agradeço, apenas — recuso a oferta atraente.

 Minha experiência nesta vida me diz que quando alguém te oferece algo de graça… é porque cousa estranha vem a seguir.

 — Bom, a perda é tua…

 Serena pede um suco de laranja e prontamente é atendida, duquesa afinal. O «pagamento» que ela há pouco disse foi uma calorosa «Obrigada» e um aceno.

 Daqui do meu acento eu consigo ver que o pobre vendedor fica sem graça com a situação. Talvez pelo fato de Serena ter acenado para ele ou talvez porque ele irá ter que explicar o porquê do balanço de vendas e lucros não batem.

 Para a Serena o problema que ela criou pouco importa. Duquesa, afinal.

 Com seu suco em suas mãos ela se volta ao banco, senta-se do meu lado e coloca o copo ao seu lado.

 — Como estão as cousas para ti? Aurelius — Serena inicia a conversa.

 — Estão… a ir, eu diria. É cansativo ter que realizar tantos preparos e cerimônias, mesmo que não seja sobre mim ou para mim.

 — «Sobre mim», hmmm? — Serena remarca o que eu disse. Ela olha para mim e levemente mexe a cabeça.

 — Aurelius… tu te consideras uma pessoa gentil?

 Do além, uma questão surgiu do além. Tal pergunta apreciaria a minha resposta. E mesmo assim eu escolho não respondê-la.

 Não faço ideia sobre o que ela quer dizer ou insinuar com isso, a melhor escolha no momento é só esperar ela prolongar-se.

 Serena apesar do jeitinho bobo dela, é uma mulher extremamente astuta. Eu já disse isso, mas… Duquesa, afinal.

 Ela novamente desloca seu campo de visão para mim, seus vívidos olhos da cor dos mares tentam comunicar-se comigo. Estabelecer uma conexão com a minha alma, mas eu recuso fielmente essa conexão.

 — Eu te considero uma pessoa gentil. Mesmo que tu não tentes demonstrar isso tão ativamente para as pessoas, eu consigo ver ainda assim gentileza em teus atos — a fitar-me seriamente ela diz.

 — Nossas famílias, de certa forma, são rivais, mas tu nunca aparentaste ligar para isso desde que éramos crianças. Na verdade é como se tu nunca tivesses ligado para nada em geral… Engraçado. — após esses dizeres, Serena dá um gole em seu suco e continua:

 — E é por isso que eu gostaria de saber o que tu pensas sobre tudo o que acontece neste momento. Neste momento acontecem cousas que não são somente sobre mim ou «mim», mas de todos nós — Serena me testemunha.

 Posso admitir algo sobre mim mesmo: não é como se eu não ligasse, não é como se eu fosse ser ou não gentil e muito menos não é como se eu pudesse fazer algo sobre o que acontecesse.

 Há algo chamado «Destino», tenho certeza que todos em algum momento já ouviram falar sobre essa palavra. «Era o destino dele.», «Ela não podia ir contra o seu destino.» e outras dessas frases genéricas. E eu costumava pensar assim também, costumava.

 Arguir sobre o destino para muitos é fútil. É o destino, o que mais seria? Existe o herói e o vilão, o belo e o feio, o vitorioso e o derrotado. Todavia, eu te pergunto: destino? Não.

 Comentar que foi o destino que teceu essas relações é chover no molhado, arquitetar uma obra pronta. Eu não quero isso para mim, realmente não quero.

 E é por isso que ajo da exata maneira que eu quero. Eu sou o dono do meu próprio destino.

 Contudo, existe algo chamado «Dever». Alguns devem fazer algo por se limitarem nesse dever. Outros não devem fazer algo, pois simplesmente não possuem esse dever.

 As relações humanas são marcadas por momentos onde o dever é fato existente, não um destino.

 No final eu estou subordinado a um dever, não um destino. A ser assim é porquanto que eu afirmo a minha falta de dever em agir sobre a situação.

 Consigo compreender onde é que a Serena quer chegar com suas palavras, posso acompanhá-la em seu raciocínio, portanto:

 — Serena, sentimentos estão presentes em todos os momentos e para todos os seres. São importantes. Um homem sem sentimentos é incompleto, pois é isso o que verdadeiramente nos diferencia de meros animais ou monstros.

 — Então eu fazer ou não fazer algo não é sobre um sentimento, sobre ser gentil ou não ser gentil — fito ela de volta, mas Serena não recua com meu olhar.

 — Nobres não são homens, são nobres. Um ato nobre acontece por lógica, necessidade, razão — ao menos os nobres modernos assim pensam.

 — Nobres, homens… — Serena suspira enquanto estica suas pernas em direção ao chão.

 Após as minhas falas um silêncio reina entre nós, é possível apenas escutar o som de um líquido a transladar por um tubo metálico. A esvair-se lentamente até a sua última gota.

 Neste tipo de momento eu gostaria de olhar ao céu, ver o formato de nuvens que me lembrariam da minha infância, ver folhas a ser deslocadas por rajadas fortes de vento, ver as pequenas formigas a andar enfileiradas pelo chão.

 Contudo, a cá estamos. A discutir algo que a maioria das pessoas nunca se importaria, pois tais pessoas não precisariam. É um direito e é um dever nosso: os aristocratas.

 — Ahhhhhhhh, eu desisto, eu desisto… — Serena retoma o som entre nós enquanto balança suas mãos em frente ao seu corpo.

 — Eu não consigo usar a emoção contra você, Aurelius, consigo? Então eu serei sincera: tudo o que eu te disse foi o meu egoísmo, puro egoísmo. Só que nesse momento o meu egoísmo tem também um juízo duma razão.

 Como eu suspeitava, Serena tinha algum motivo para falar comigo. A confissão dela me é jocosa, mas guardo a alegria para mim mesmo.

 — Há um forte rumor no país e tu sabes que se há um rumor é provavelmente meia verdade ao menos. O teu pai sempre foi um homem formidável em aparência e atos, tão formidável que isso incomoda até demais o meu pai.

 Espera aí, Serena. COMO ASSIM FORMIDÁVEL EM APARÊNCIA? Ele já tem mais de 50 anos. Vou ignorar esse teu ato falho… Quero ignorá-lo com todas as minhas forças.

 — Rivalidade entre homens é o nome? Mas esse anúncio repentino que ele irá retirar-se da vida pública indefinidamente para curar uma doença, que ele fará tudo isso e abrirá mão tão facilmente do Patria potestas  é perigoso, segundo meu pai. E tu sabes qual é esse rumor, acredito eu, tu sabes o perigo desse rumor.

Um rumor? Vamos lá, eu sei sim qual é esse rumor.

 Eu sei sobre o que ela fala, sei qual é esse perigo. E é justamente por isso que eu quero que ela me conte o que é esse perigo. A visão dela, por ser uma pessoa de fora, é extremamente viável para mim.

 Mesmo que eu não queira agir, mesmo que eu não tenha o dever de agir, eu quero ter todas as informações para se eu quiser agir.

 Saiba antes para poder agir antes deles é mais do que um lema, é um modo de pensar e viver.

 Serena se levanta do banco e posa em minha frente na tentativa de estabelecer mais ainda o canal fático de nossa conversa. 

 Ela se inclina em minha direção e aponta o seu indicador na minha face, sua longa unha cor de anil toma centímetros como distância da minha testa. O jeito que ela age neste momento me recorda o duma mãe que está a bronquear a sua própria criança malcriada.

 — O rumor é sobre uma guerra, certos nobres esperam ansiosamente por essa guerra — ela revela o tão aguardado rumor.

 Eis acolá. O fato que eu sabia, mas ignorava. Que eu temia, mas aguardava.

 — Isso é problemático… — eu comento a fingir surpresa.

 — Problemático? É uma catástrofe! Os Conflagratus são conhecidos em toda a nação devido ao seu alto poder mágico e militar, tão fortes que poderiam mudar a história de uma guerra inteira com seus esforços.

 — Vossa Majestade, Constantinus, conta muito com sua família para termos ordem em um Império tão extenso — ela continua.

 O jeito que a Serena fala, há um pouco de histeria nessas frases? Bem compreensível o porquê, eu diria. Não é todo dia que surge a possibilidade de ocorrer um evento que altere o status quo, um evento que possa forçá-lo a envolver-se numa carnificina sem precedentes.

 — Eu não gostaria nem de imaginar quantos milhares morreriam num confronto entre a tua família e outros nobres do Império. É provável que até mesmo os Marinus se envolvessem dalguma forma. Não, não é provável, é fato, fato fato fato.

 — Além de que, a conhecer como eles são, aqueles porcos monetários do sul se envolveriam também para lucrar e poder prejudicar nossa nação — Serena acrescenta tal possibilidade ao seu cenário.

— Como eu os odeio! — as mãos da Serena cerram e a sua cara franze.

 Uau! Que medo. Acalma-te, Serena! Seja serena! Ouvi dizer que expressões muito incisivas podem envelhecer a pessoa. E tanta expressão por meros «porcos»? O que eles te fizeram? Sujaram de lama teu vestido?!

 Brincadeira à parte… «Porcos monetários do sul», ao ser um cidadão do Império é quase como uma obrigação chamá-los assim.

 Apesar de toda a magnanimidade do Imperium Primarius, o Regnum Insularum Austri se destaca por ter a maior economia mundial, bem como a maior marinha de todo o Salvatoris.

 O reino do sul é uma nação insular, um arquipélago de ilhas, então conseguir acumular muitos recursos a viajar e negociar em todos os territórios do mundo é um resultado normal para a existência deles.

 Eles possuem parcerias e empresas com todos. Além de serem extremamente envolvidos com o Collegium Mercatoris, a entidade máxima no âmbito da economia em todos os países.

 Tal cenário fez com que a economia deles se tornasse inigualável até mesmo para nós. É um grande, e quiçá o maior, problema para a superioridade global do Império.

 Apesar de muito falar-se sobre a necessidade de aproximação entre as duas nações e como isso ocasionaria diversos benefícios no campo econômico, mágico e político para o avanço de toda a raça humana, isso é mais uma tentativa de apaziguar os próprios nervos do que um desejo realista.

 Podes ter certeza que se o Regnum não fosse ilhas ao extremo sul do mapa de difícil acesso, a ser possível acessá-las somente através de grandiosos barcos, o Imperium teria invadido e anexado tais terras. Assim como fizemos historicamente com outros agrupamentos.

 Já te perguntaste por que o Império não possui fronteiras com ninguém? A resposta está na nossa política agressiva e expansionista.

 — Ufa, agora sim. Extravasei e estou de consciência limpa. Estou calma, ao menos por enquanto — depois de tanta bravura, Serena volta ao banco.

 — Desculpa Aurelius, mas eu precisava disso. Agora estou bem melhor.

 — Se eu fui uma boa parede para ti, fico feliz.

 — Foi… foi sim — Serena se alegra para mim.

 Depois de toda essa conversa, acredito que aquele simples «Como estão as cousas?» foi perfeitamente discutido, teorizado e resolvido.

 Serena dá um gole em seu suco, mas… não há mais nada lá. Ao decorrer de nossa conversa ela tomou todo seu suco, agora ela tem em suas mãos apenas um copo vazio que ela deve devolver ao caixa.

 — Bem, era isso e só isso, Aurelius, obrigado pelo teu tempo!

 Só isso? Eu não consigo visualizar uma conversa sobre o futuro do Império, a destronação duma casa nobre extremamente tradicional como a minha, o possível envolvimento da mais forte nação após a nossa em um único só contexto possa ser «só isso».

— E uma última cousa: «Homem e Nobre»? Não, não, tu és tu, Aurelius. Tchauzinho! — com um belo sorriso no rosto ela se despede. O que ela diz me surpreende.

 Com sua despedida feita eu igualmente me despeço e começo a direcionar-me ao meu objetivo inicial: o meu banho. Posso ouvir ao fundo a Serena a pedir por mais uma bebida, mas desta vez um vinho.

 Vinho? Ela não tinha dito que havia se acalmado? A pensar melhor, talvez eu devesse ter pedido algo também após tudo isso…

 Acelero o passo, uma andada rápida para o apoditério e finalmente diante dele eu me encontro. Estou a poucos momentos para o meu querido banho.

 Penduro meu branco roupão em um espaço que se encontra livre, em seguida retiro ordenadamente os meus itens: meu casaco, minha bata, minhas luvas, meu cinto, minha calça, minhas meias, minhas botas e por fim minha roupa íntima.

 Apresento-me completamente nu, perfeito.

 Desfilo ao caldarium e o adentro, eu finalmente o adentrei. Eu realmente pensei que não conseguiria fazer essa simples tarefa hoje. Quanta cousa aconteceu em tão breve tempo…

 Para a minha surpresa nenhum homem se encontra no ambiente nesta hora. Devo dizer que é um malefício a eles.

 No momento em que meus pés perfuram a tensão da superfície da água, eu aprecio o estado de pura satisfação.

 Meu corpo está finalmente emerso sobre uma água quente acolhedora, decai-se completamente todas as minhas preocupações e estresses momentâneos. É como se eu fosse envolvido nos seios de uma bela e gentil mulher, é o paraíso.

 Todavia, mesmo assim, eu ainda sou eu. Eu ainda tenho os meus deveres.

 — «Tu és tu, Aurelius» huh? Eu sou eu… — as palavras da Serena se fixam em minha mente.

 Quando eu voltar para casa precisarei resolver certas pendências. Mas, por enquanto, aproveite o momento. Carpe diem.

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Olá, eu sou Abner!

Perdão pelo atraso!

Mas aqui está o capítulo 11!

A história irá dar uma direcionada forte para o futuro daqui, esperem anciosos!

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