Selecione o tipo de erro abaixo

Capítulo 18 – Chegando em Santa Marília

O sol da manhã se intensificava sobre a cabeça dos viajantes, que estavam andando pela Selva de Concreto por mais de duas horas. Diferente de toda a experiência que presenciaram até aquele momento, essa caminhada tinha sido a etapa mais tranquila de toda viagem.

— Não aguento mais andar por esse lugar abandonado pelos deuses, falta muito para chegar? — perguntou Lavignia, apoiada em uma árvore próxima.

Não era difícil para Huan Shen perceber que eles não estavam conseguindo manter o ritmo. Tirando Rodrich, todos eram civis que estavam acostumados a andar longas distâncias de cavalos ou dentro de carruagens. Era um saco ter que ficar parando o tempo todo, mas o que ele poderia fazer?

— Eu não sei, Lavignia. Não estou medindo a distância. Só estou seguindo a trilha e vendo onde vai dar. Porra, eu não tinha dito a mesma coisa cinco minutos atrás?

A moça retirou uma parte da manga de seu vestido completamente sujo e limpou o suor do seu rosto. Desde criança, os médicos do seu pai a disseram que o açúcar em seu sangue era baixo. Naquele exato momento, Lavignia sentia sua visão escurecer parcialmente e uma forte tontura, o que a deixava bastante irritada.

— É inacreditável que um mercenário não consiga fazer algo tão básico quanto se localizar no meio da selva! — disse ela, se levantando.

Huan Shen ergueu uma sobrancelha, levemente indignado com as palavras da mulher. Mesmo que ele tivesse dezenas de respostas na ponta da língua, ele ponderou consigo mesmo:

“Não vale a pena o estresse. Não vale. Não nesse fim de mundo.”

— Acabou o descanso, todo mundo de pé e andando.

Após mais quinze minutos, o mercenário sentiu um cheiro superficial de fumaça e óleo, misturado com fertilizantes de solo e fezes de gado. Muitos deixariam isso passar, mas era um claro indicativo da presença de civilização nas proximidades. Apressando o passo pela trilha, ele saiu no topo de um planalto.

— Acho que chegamos — disse ele.

A visão daquela altura era algo fascinante. Na parte inferior, vários hectares de fazendas cultivavam diversas culturas de plantações e gados. Um pouco mais atrás, era possível observar a cidade de Santa Marília, em toda a sua glória e esplendor. Pelo menos toda a glória que poderia se esperar de uma pequena cidade habitada na fronteira do Santo Império.

— Finalmente, vou ser capaz de tomar um banho de verdade! — disse Melissa, observando a paisagem com um semblante de alívio.

Huan Shen sorriu.

— Dormir em uma cama de verdade me parece uma ótima ideia também. Ou comer alguma coisa fervida às pressas. Cara, eu só quero tirar um cochilo agora.

— Eu tenho alguns contatos aqui em Santa Marília. Vou dar um jeito para que todos consigam chegar em suas casas em paz. Novamente, sou muito grata pelo que você fez por nós. Seria fácil nos abandonar lá e concluir a sua missão, mas você nos resgatou, nos alimentou e nos protegeu. Vou garantir que você seja bem recompensado!

O mercenário coçou o topo da cabeça.

— Eu não fiz isso pelo dinheiro ou por uma recompensa. Não tem que se preocupar com isso… — ele olhou de relance no dedo anelar da mão esquerda da moça. — Além do mais, você deve estar preocupada com o seu marido. Deve ter um pessoal procurando pelo seu paradeiro, junto com o da sua irmã.

Melissa piscou duas vezes, como se estivesse pensando nisso pela primeira vez.

— Sim…é, de fato! Isso mesmo! O Alan deve estar louco pela minha ausência. Vamos seguir em frente? Não queremos deixá-lo esperando mais tempo.

Enquanto descia o planalto, Huan Shen não conseguia parar de pensar na reação da mulher. Ele também se lembrou de que a mesma iria oferecer uma proposta de serviço ao chegar na cidade, o que parecia muito suspeito se juntar ao fato de que elas tinham sido sequestradas à mando de alguém.

“Essa merda tá ficando cada vez mais complexa.”

Ao passar pela estrada que se conectava aos portões da cidade, era possível observar vários agricultores trabalhando nas culturas de milho, trigo e nos mais diversos tipos de gados. Aparentemente, Santa Marília era uma cidade responsável pela exportação de subsídios básicos para as cidades próximas. Como o território do Santo Império era enorme, dificilmente aquela cidade era a única responsável por alimentar toda a região.

— Rodrich! Chega aqui, por favor? — disse Huan Shen.

O cavaleiro que estava andando um pouco mais recuado, justamente para evitar surpresas indesejadas, apressou o passo e chegou do lado do mercenário.

— O que foi?

— Você pode cuidar daquilo? — perguntou Huan Shen, apontando para o portão da cidade.

Entre as enormes muralhas de concreto, uma guarnição de soldados residiam ali, realizando a segurança da entrada da cidade.

— Quer que eu fale com eles? Por quê? Eles não podem impedir nossa passagem se não formos suspeitos.

O mercenário deu um pequeno sorriso.

— Rodrich, estamos na fronteira do Santo Império. A autoridade suprema dessa área são eles. Ninguém se importa com quem não consegue entrar aí dentro. Eu sou um forasteiro, tem três moças e um senhor de idade conosco. A única pessoa que pode racionalizar com eles é você, que é um cavaleiro patenteado.

Aquelas palavras deixaram Rodrich bastante incomodado.

— Não conheço o lugar de onde você veio, mas aqui seguimos um alto padrão nas normas e nos códigos de conduta. Todos os soldados do território são treinados para recepcionar todos com justiça e honra.

Pela terceira vez, Huan Shen ergueu uma sobrancelha em direção ao cavaleiro.

“Cavaleiro de cidadezinha é foda de se lidar, na moral.”

— Se você tá dizendo, deve ser verdade então. Pode deixar que eu falo com eles — respondeu o mercenário, com um sorriso no rosto.

Rodrich reduziu um pouco o passo, um pouco perturbado com a expressão repentina dele.

A guarnição era uma estrutura simples, com quatro guardas fazendo a segurança da fronteira. Porém, como a movimentação ali era baixa, estavam dispostos casualmente pelo lugar. Ao observar o pequeno grupo se aproximando da entrada, um deles se levantou da cadeira e colocou sua caneca sobre a mesa. Mesmo estando a uns três metros de distância, Huan Shen notou o leve cheiro de álcool no que deveria ser café na mão do soldado.

— Vocês aí, esperem! — disse o soldado, ajeitando a bainha da espada e erguendo o torso para demonstrar um pouco de imponência.

Huan Shen e companhia pararam. O estresse de Lavignia estava atingindo o ápice e todos os outros estavam bastante apreensivos com aquela parada abrupta. Sem a menor paciência de esperar, a dama deu um passo à frente e se dirigiu ao soldado.

— Graças aos deuses! Senhor, por favor nos ajude, eu e a minha irmã somos da Família Rezmar e vocês seriam muito bem recompensados se nos ajudassem-

O soldado deu um pequeno sorriso de desprezo. Ao olhar a moça de cima para baixo, percebeu as vestes sujas e danificadas, junto com o cabelo parcialmente desarrumado e a expressão de alguém que não dormia por dias.

— É mesmo? E eu sou o Santo Imperador! O que alguém da casa Rezmar estaria fazendo nos cafundós de Santa Marília? E ainda mais na Selva de Concreto? Se vocês não carregam consigo nenhum documento de cidadania de nenhum dos reinos próximos, vão ter que esperar do lado de fora da cidade até um registrador vir aqui.

Lavignia o encarou por alguns segundos de silêncio.

—Moço, estou falando a verdade, eu juro! Eles podem comprovar a minha história! Vamos te recompensar no momento em que-

— Silêncio! — disse o soldado, sacando a sua espada.

Todos deram um passo para trás, exceto Huan Shen.

— Acha que somos burros? Até mesmo oferecendo propina para oficiais exemplares como nós? Eu deveria mandar vocês passarem um tempo na prisão por causa disso! É melhor vocês darem meia-volta enquanto ainda estou sendo bonzinho.

Os outros guardas estavam ali atrás, completamente observando a situação com um sorriso sarcástico em seus rostos. Huan Shen sabia sobre o documento de cidadania, que permitia que um cidadão de uma nação pudesse entrar em outra sem nenhum problema. Era uma forma simples de ter o controle sobre as pessoas, apesar de ter outras formas ilegais de se adentrar no território do Santo Império.

— Senhor — disse Rodrich, tomando a frente. — O regulamento diz que caso uma pessoa não possua o documento de cidadania e ainda assim afirmar ser membro integral do território, ela pode solicitar um procurador para obter a confirmação de um membro familiar. Eu sou um cavaleiro de Polimnia, meu nome inclusive deve estar nos registro dos cavaleiros, acredito que os senhores possuam uma cópia aí.

O soldado fez uma cara meio azeda, como se tivesse sido pego por uma regra que não poderia ser contornada. Mesmo que fosse uma regra, ele estava ficando hostil demais e isso era estranho. Atrás, dois deles pareciam conversar intensamente sobre alguma coisa.

— É, você está certo. Mas esses registros não estão comigo aqui nesse momento. Vocês vão ter que esperar do lado de fora da cidade. Talvez demore uns dois ou três dias para o livro chegar, não sei ao certo.

— Três dias? — disse Rodrich, exacerbado. — Não temos todo esse tempo!

O soldado cruzou os braços.

— Bem, isso não é problema meu. Agora saiam daqui, antes que eu os prenda por insubordinação.

Indignados, Rodrich e Lavignia recuaram, praguejando inaudivelmente. Talvez alguma fazenda os abrigasse até o registrador aparecer. Não havia muito o que fazer naquele momento.

Porém, Huan Shen permaneceu no mesmo lugar, olhando o guarda atentamente. Este que já estava bastante desconfortável com a inflexibilidade daquele homem.

— Você é surdo, por acaso? Vocês não vão entrar, agora saiam da minha frente!

— Não — respondeu o mercenário, com um pequeno sorriso no canto da boca.

Picture of Olá, eu sou Kuai Liang!

Olá, eu sou Kuai Liang!

Comentem e avaliem o capítulo! Se quiser me apoiar de alguma forma, entre em nosso Discord para conversarmos!

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥