Selecione o tipo de erro abaixo

Ter que cumprimentar alguém já era difícil, a situação piora se tiver que cumprimentar uma família inteira. 

Existiam motivos para alguém não querer tal coisa, porém, os motivos desse garoto eram bem específicos e problemáticos. 

Adentrando a casa e sendo obrigado a sorrir e fingir consideração por seus parentes era algo complicado. A sensação era pior do que ter que falar frente a um público imenso; ainda mais quando se era o centro das atenções. 

Relembrando velhos rostos como o de seu avô, Eugênio, seus tios Rogério e Fabiana, e seus primos mais velhos, Ronaldo e Mizael. 

No passado, todos eles estavam juntos, embora a situação entre eles não fosse boa. 

Aqueles abraços e cumprimentos alegres seguidos de elogios despertaram um certo nojo no garoto. 

Ele sentia a falsidade por trás de cada um deles e sabia que devia tomar cuidado. Porém, existia mais um problema; parte dele não estava se importando com nada daquilo. 

Ainda que ele lutasse para se manter no caminho, ele se pegava pensando em apenas seguir o fluxo e deixar as coisas irem para onde tinham que ir. 

De momento em momento a mente do garoto era inundada de lembranças antigas e desagradáveis. Seu olhar frio transmitia um ódio disfarçado de intolerância e se intensificava cada vez mais. 

Como o combinado por Célia e os outros, no fim de semana todos se aprontaram e foram para o shopping. Eles tinham em mente a ideia de se divertirem durante o dia todo e esquecer os problemas cotidianos. 

Mayck, por outro lado, não podia mudar os seus pensamentos. A cada segundo ele criava uma situação diferente e uma forma de evitá-la ou solucioná-la. 

O nível de cautela com aquelas pessoas haviam tido seus níveis elevados completamente. 

Mayck sempre foi uma pessoa cuidadosa, mas não o tempo todo. Ele não fazia ideia e nem passava pela sua cabeça que estava exagerando; apenas estava fazendo o que julgava certo. 

O dia era para ter sido amigável, com todos se divertindo. 

“Mayck, eu vou até o banheiro. Pode olhar minhas coisas?” Jade anunciou com a voz calma e o garoto apenas balançou a cabeça em confirmação, pegando o casaco e a bolsa da garota. 

Depois do horário do almoço, o restante da família saiu pelo shopping e foram para os brinquedos que Lorena desejou visitar. 

Apenas os dois, Mayck e Jade, ficaram para trás, perto da entrada do cinema. Os dois acabaram decidindo assistir a um filme que seria exibido nesse dia. 

Mas, em um dado momento, Jade sentiu a necessidade de utilizar o toalete. 

Para ela, aquele passeio também estava sendo torturante. Sentia a imensa pressão da família sobre ela, esperando que fizesse o que deveria fazer. 

Ela tinha seus receios, mas também temia pela vida de sua preciosa irmãzinha. 

Existia todo um esquema por trás dos panos. O objetivo da família era confuso. Mayck não imaginava o que estava realmente acontecendo, porém, com o diálogo entre Manuela e Arthur, ficou claro que não estava acontecendo algo como uma disputa por herança. Havia algo mais. 

Isso era o que ele precisava descobrir. 

Quando Jade retornou, eles entraram na sala do cinema onde a sessão estava prestes a começar. 

O filme era de animação. Era uma continuação bastante esperada pelos seus inúmeros fãs. Apesar de ser feita para crianças, um pequeno toque especial da equipe por trás do filme fez ele ser bem popular entre todas as idades. 

Jade ficou nervosa ao lado do garoto o filme inteiro. Ela pensava em como realizar a tarefa que sua mãe queria. No fim, ela não pôde prestar atenção ao que estava sendo transmitido na grande tela do cinema. 

Mayck também não contemplou uma única cena. Mesmo que estivesse olhando para a tela o tempo todo, a enxurrada de pensamentos não permitiu que ele se distraísse e aproveitasse a mídia. 

A cada minuto que passava, mais sua ansiedade aumentava. 

Após o término da sessão, Jade foi ao banheiro novamente e voltou depois de quase 15 minutos. 

“Desculpe a demora.”

“Não se preocupe com isso. Vamos andando.”

Enquanto caminhavam pelo shopping, Jade ficou inquieta. Sua boca abria e fechava sempre que ela pensava em dizer alguma coisa. 

Depois de reunir a coragem necessária, ela sugeriu que os dois fossem embora. Mayck questionou o porque, mas a jogada e os argumentos da garota o persuadiram a aceitar. 

“Bem, pra falar a verdade, é meio cansativo ficar aqui. E eu, sinceramente não gosto de passeios em família. Você sente o mesmo, não é?”

Com isso, Mayck percebeu que não tinha motivos para recusar. Estando em casa, ele poderia pensar melhor. 

Eles saíram do shopping e pegaram o trem de volta. 

O trajeto inteiro foi silencioso entre os dois. No trem, pareciam completos estranhos que, coincidentemente, se sentaram um ao lado do outro. 

Pra falar a verdade, Mayck nem estava pensando mais. Sua mente havia desistido e ele só estava esperando algo acontecer. A única coisa que fazia era martelar em sua cabeça o que disse para a Chave anteriormente: vai ficar tudo bem. 

Chegaram a estação e pegaram um táxi que os levou até em casa. Jade imediatamente subiu para o quarto e o garoto fez o mesmo. 

Ambos estavam cansados da viagem e estavam muito ocupados para uma conversa animada. 

Estando deitado em sua cama, um rápido alarme avisou que uma mensagem havia chegado. Mayck pegou o celular para conferir a notificação. 

Era uma mensagem de Haruki. 

No decorrer da semana eles haviam trocado várias mensagens e o garoto notou que seu amigo não estava normal. Como se ele se sentisse não obrigação de ajudar, não parou de enviar mensagens. O celular da Mayck notificava a todo momento. 

[Vamos, você não quer jogar comigo? Eu posso te ajudar a conseguir uns itens novos.] 

Esse era o conteúdo da mensagem. 

[Foi mal, mas, de verdade, eu não estou afim de jogar agora.] 

[Não seja chato. Está preocupado com os estudos? Não se preocupe. Se você receber uma bronca, eu estarei lá com você.] Uma figurinha com um gesto de beleza foi enviado em seguida. 

[Esse não é o problema. Eu já fiz boa parte das minhas tarefas.]

[Então e que é? Se apaixonou e foi rejeitado? Deve ser isso. Eu sei como é?]

[…]

[Okay, okay. Vamos deixar as brincadeiras de lado. Mayck, o que está havendo?]

[Não é nada com que você precise se preocupar.]

Eu não preciso dividireus problemas com ele. Posso dar um jeito sozinho. 

[Não minta. Veja bem, começaram a surgir rumores dentre os caçadores que tem um grupo da Ascension fazendo bagunça por aqui.]

[Isso é sério?]

[Sim. Se eles estiverem de volta, então estamos em maus lençóis.]

[Eu vou voltar e vou ajudar vocês. Tem uma chance de ser Yang.]

[Não. Não venha. E não estou dizendo isso por estar preocupado. Eu sei o quão forte você é. Eu sei também que consegue lidar com várias coisas sozinho. Mas, nesse momento, eu não quero a ajuda de alguém que nem sabe o que está fazendo.]

[Vai vir com isso agora? Eu posso ajudar vocês sim.]

[Duvido que Tsubaki-san concorde. De qualquer forma, não venha até que você tenha voltado ao normal. Não quero ver sua cara como está agora. De verdade, se você não consegue resolver sozinho, peça ajuda.]

Depois disso, Haruki abandonou o chat. 

“O que ela tá falando? Eu não posso ajudar? Que egoísta”, ele reclamou e jogou o celular de lado. 

Não é que não sabia como resolver tudo sozinho… Na verdade, ele sabia que o egoísta era ele. Mayck não queria admitir sua própria incapacidade. Ele estava com medo, mas não sabia o porquê. 

Dois toques na porta de seu quarto o tiraram de seus pensamentos. Só poderia ser Jade, já que só haviam os dois na casa. 

Mayck se levantou e abriu a porta. Seu corpo travou e seus olhos se arregalaram. Se Jade o gostava, tudo bem, era algo normal. No entanto, a forma como ela estava vestida destruiu completamente o conceito de visita que o garoto conhecia. 

O cabela solto, o rosto avermelhado e os olhos que corriam de um lado para o outro como um farol de tão envergonhado. 

O motivo era a roupa e também suas intenções. 

Mayck acabou se lembrando de uma coisa de quando estavam no shopping. 

Jade e Célia se distanciaram do resto do grupo e foram até uma determinada loja e, quando voltaram, não falaram sobre nada suspeito.

Então foi por isso…

O perfume aromático que ela exalava e que lembrava um passeio em um campo florido sobrepôs o cheiro relaxante de roupa nova. Mas ainda assim, esse não era o verdadeiro x da questão. 

Mayck fixou seus olhos nela sem reação. Era a mesma Jade de sempre, mas…

Ela está tão fofa…

Seus pensamentos corriam soltos. Nem ele mesmo sabia o que fazer. 

Ela estava usando um pijama branco de tecido fino e quase transparente que dava para ver sua pele por baixo.

“Er… será que eu posso entrar?” Depois de alguns segundos ela abriu a boca. 

“Eh? Ah, claro…”

Ele lhe deu licença para entrar e fechou a porta em seguida. 

O clima naquele quarto estava terrível. Os dois se sentaram na cama, mas não abriram a boca e continuaram assim por alguns minutos. Eles pareciam dois namorados no primeiro encontro. 

Quem visse essa cena acabaria ficando tão envergonhado quanto eles. 

Pela primeira vez em muitos dias, Mayck respirou fundo e voltou ao seu estado normal, apenas para entender aquela situação. 

“Eh… Eu gostaria de entender o que está acontecendo aqui.”

“… Me dê alguns segundos para me acalmar.”

Ele ficou em silêncio por mais um tempo, esperando que ela continuasse. 

“E-eu acho que você consegue entender só de olhar, não é?”

“Não. Eu nem imagino. Você está com frio?” Por algum motivo ele decidiu parecer desentendido. 

No fim, ele era um homem e homens sentem atração por mulheres. Mesmo não existindo uma relação profunda entre eles, ver sua prima vestida daquele jeito o fazia sair da caixa. 

“Não fique brincando. Assim eu só fico com mais vergonha…”

“Eu não sei o que você espera, mas… se você trocasse de roupa, nós poderíamos conversar sem mais problemas.”

Jade sabia que seria difícil, mas ele pensou que seria mais complicado para ela ter coragem de fazer tal coisa. Porém, vendo como o garoto estava agindo, ela acabou se irritando. 

Em um movimento rápido, ela o empurrou na cama e ficou por cima dele, segurando seus braços de forma agressiva. 

“Você não tem orgulho? Tem uma garota totalmente vulnerável na sua frente e você não faz ideia do que seja?”

Mayck via a determinação nos olhos dela. Ela não estava ali apenas para fazer uma pegadinha ou algo do tipo. Sua seriedade era totalmente. O melhor a fazer era parar de bancar o bobo e ser sincero. 

“Desculpa. Eu tentei fugir, mas vou falar de uma vez. É melhor não continuar com isso.”

“Por que está falando isso? Você não gosta de garotas como eu?”

“Não é disso que estou falando…”

“É por sermos da mesma família? Isso não importa. Se mantermos segredo, tudo vai dar certo. Então… faça isso comigo, okay?”

A cada palavra Jade aproximava seu rosto de Mayck e sua voz ia ficando mais baixa. Ela estava tentando seduzir o garoto a todo custo. 

“Mas… ei, peraí…”

“Apenas fique quieto.”

Lentamente a garota aproximou seus lábios do dele e o tomou para si em um beijo quente e lento, que fez a mente do garoto ficar esbranquiçada. Seus pensamentos não se organizavam e ele acabou mergulhando nos lábios macios de Jade. 

Após alguns segundos, ela levantou o rosto e encarou o garoto, mostrando que estava pronta para a próxima etapa. 

“Eu… te amo”, ela sussurrou, fazendo suas palavras soarem o mais seduzente fofo possível. 

Mayck olhava a garota com os olhos tremendo levemente. Mal pode acreditar no que acabou de acontecer. 

Ela diz isso… Mas porque…

“Jade, em toda a minha vida”, ele começou. “Eu confesso que já recebi declarações de várias garotas e acabei rejeitando todas… mas… elas sempre choravam depois de tudo. Então… bem, por que você é a primeira que se declara enquanto chora?”

Jade chegou a tal ponto e sabia que precisava ir além. No entanto, ela não queria isso. Ela não queria enganar alguém usando sentimentos. Esse era um palco impossível para ela cantar. 

Mayck retornou parte do seu eu no processo e leu os sentimentos da garota. Em sua mente, uma declaração de amor era quando o indivíduo reunia toda a sua coragem e se sentia feliz, por ter a chance de confessar seus sentimentos. 

Se alguém chorava no processo, então só existiam três possibilidades. A primeira era se ela já tinha certeza que seria rejeitada. E a segunda era quando estava para perder  a pessoa amada. A terceira… era porque não estava fazendo isso por vontade própria. 

“Jade… o que está acontecendo?”

“Hã?! Não… eu não queria chorar, eu só… Não estou triste nem nada, é que…” Ela nem ao menos conseguia formar uma frase. 

Uma linha sem volta estava prestes a ser cruzada e isso era o que mais assustava. 

“Só faça isso… Se não fizer, então quem vai sofrer é ela…”

“O quê? Quem vai sofrer? Jade me escuta.”

A garota caiu em lágrimas. Cada hora que descia por seu rosto parecia que formaria um rio e essas lágrimas caíam no rosto de Mayck, fazendo ele perceber o quão ruim a situação estava. 

Jade caiu sobre seu peito, levantou a voz e chorou. 

O garoto a consolou passando a mão por seus cabelos lisos e escuros, enquanto deixava aquela nuvem de tristeza se dissipar. 

É verdade… Não são só os meus sentimentos que estão em jogo aqui. O que eu estava fazendo?

As lágrimas de sua prima o salvaram. Ao menos ele tinha a certeza de que poderia contar com ela, diferente do resto da família. 

Você estava certo, Haruki. Se eu não posso resolver nada sozinho, então eu posso pedir ajuda. 

Depois de chorar o bastante, Jade dormiu sobre o peito do garoto. Ela parecia precisar daquele descanso. 

Enquanto encarava o teto, Mayck começou a se lembrar de várias outras coisas. Memórias que ele tinha deixado de lado por odiar a família inteira. 

Desde que era mais novo, Jade era a única que brincava com ele frequentemente. Sua brincadeira preferida era de fingir ser uma cantora. Ela tinha um talento nato para atuação e sabia fingir muito bem. 

Ela sempre era convidada para peças de teatro na escola e realizava seus papéis muito bem. 

Aquele sorriso que recebeu quando a encontrou na casa de seus avós era um misto de medo com uma pitada de felicidade. Ele percebeu que sua alegria em vê-lo era genuína, mas também descobriu que ela tinha medo de ver ele naquela casa. 

Desculpa por não ter percebido, Jade. Desde o começo, você era a única que se importava comigo de verdade. 

O garoto mordeu os lábios e ficou aliviado. O alívio foi tão grande… era como se ele tivesse encontrado a saída depois de anos preso em um lugar escuro e frio, sem ninguém para compartilhar a dor que estrangulava seu coração. 

Esse sentimento foi transformado em lágrimas que caíram de seus olhos. 

Após muito tempo, Jade acordou. Sua cabeça estava confusa e ela precisou de alguns segundos antes de sair de cima do garoto assustada e envergonhada. 

Ela passou tanto tempo ali que Mayck sentia seu corpo adormecido. Por outro lado, os dois estavam aliviados por nada ter acontecido. Eles podiam ter deixado o calor do momento os guiar e terem seus desejos carnais consumidos, mas aquilo não era a hora para tal coisa. Se fossem realizar o ato, seria apenas uma decepção para os dois depois de um prazer momentâneo. 

Mayck pessoalmente não se importava com esse tipo de coisa, mas, no fim, ele também era um ser humano do gênero masculino; não poderia reprimir esse tipo de desejo para sempre. 

Jade estava na mesma situação, embora, como garota, a situação passava a ser mais sensível para ela. 

“Eu quero te perguntar algumas coisas. Tudo bem?”

“Hm? Ah, claro. Mas… eu gostaria de vestir uma roupa antes.”

Jade escapou do quarto e tirou o pijama que a deixava tão constrangida. Já em roupas normais, ela retornou ao quarto de Mayck que estava esperando por ela enquanto mexia no celular. 

“Então, sobre o que você quer perguntar?” Embora meio acanhada, ela entrou no quarto e se sentou na cama. 

“Eu acho que talvez você já tenha uma ideia. Eu quero saber o que está acontecendo. Por que você tentou fazer isso comigo?” Lembranças embaraçosas à parte, Mayck foi direto ao ponto. 

Jade sentiu a obrigação de responder a todas as perguntas que ele tivesse. 

“Bem… Eu vou contar tudo então. Na verdade foi uma ordem da minha mãe?”

“De Célia?” 

O garoto se surpreendeu, mas não pelo fato de ter sido a mando de Célia e sim por outra coisa. Ele conhecia esta mulher e odiava ter que ficar perto dela, mas nunca passou pela sua cabeça que ela obrigaria a filha àquilo. 

“E o Bruno? Ele concordou com isso?”

“Sim… ele, meu pai, não se importa com nada. Tudo o que lhe interessa são os deveres da família. Sempre foi assim. Arthur e Manuela também sabem sobre o esquema e vêm os ajudando há muito tempo. Pra falar a verdade, minha família me odeia. Eles me odeiam por eu não ter nascido com uma ID que serviria para a realização dos planos deles.”

“Planos? E o que seriam esses planos?”

“Eu não sei os detalhes, mas é algo relacionado a sua mãe. Como eu não podia ajudar em quase nada, eles me transformaram em um tipo de peão de sacrifício e, antes que você me pergunte porque eu não resisti, eu digo que eu tentei. Eu tentei fugir, mas eles ameaçaram fazer com que Lorena sofresse mais do atualmente.”

Enquanto prosseguia com sua história, o semblante de Jade saiu de um pequeno sorriso para uma face melancólica. Apenas por ver essa expressão, Mayck conseguia entender a dor que ela estava sentindo. 

Ele percebeu que deveria apenas ouvir. Jade precisava desabafar. 

“Assim como eu, todos os meus irmão nasceram apenas para serem ferramentas nas mãos da família. Mas nenhum de nós trouxe o que eles queriam exatamente. Lorena foi a única. Por isso eles decidiram usá-la. Minha única forma de protegê-la… era fazendo o que eles mandassem.”

Sua expressão ficava dura conforme ela contava seu passado. Aquela Jade, que era uma perfeita atriz, estava mostrando sua face verdadeira. Aquilo não era mentira. Mayck não acreditaria se dissessem isso a ele. Diferente de várias outras pessoas, a garota era a única digna de sua confiança. 

Ela continuou contando. Falou sobre como era a hierarquia formada na família. Eugênio, o avô, estava no topo, agindo como o líder da casa e chefe dos planos deles. 

Jade havia percebido a maldade no coração deles há muito tempo, porém, só depois que Mayck foi embora que eles se tornaram ativos de verdade.  

“Segundo eles, Lorena tem o poder especial de controlar qualquer coisa com seu sangue. E eu vi isso em primeira pessoa quando eles injetaram aquele sangue no corpo de um daqueles Ninkais.”

Lorena nunca havia tido um dia de paz. Desde o seu nascimento ela serviu como uma máquina para a família. Uma máquina que podia controlar armas. Não era o que eles queriam, mas era ótimo que fosse aquilo. 

Jade nunca havia descoberto o poder dos dois irmãos mais novos. Por causa de sua posição na casa, eles viam Jade como plebéia e sempre a tratavam com desprezo. 

A garota afirmou não saber o real objetivo da família e isso era tudo o que ela podia revelar. 

Mas foi o suficiente. Mayck poderia investigar o resto depois. Pelo menos as máscaras foram derrubadas. 

Aparentemente os avós dele, pais de Takashi, não estavam envolvidos. O motivo pela família ter mantido contato com eles era para ter formas de ir atrás do garoto. Essa foi a única forma que eles encontraram. 

Essa viagem e esses encontros nessas férias de verão também haviam sido orquestrados por eles. 

“Entendi. Agora fica mais fácil”, Mayck falou. “Então vou precisar ficar mais atento.”

“Você vai fazer alguma coisa? Não é perigoso?”

“Vai ser pior não fazer nada. Não temos ideia do que eles planejam, mas acredito que virão com tudo na próxima investida.”

Se o primeiro e o segundo passo não funcionaram, então o terceiro teria que ser definitivo. 

Se estavam atrás dele como Alexander falou e Jade confirmou, então eles possuem mais planos e etapas necessárias para alcançarem seus objetivos. E só existia uma coisa que Mayck teria a oferecer a eles. 

Assim como Yang, eles estavam atrás de uma mesma coisa: a Chave. 

Como Chave havia dito anteriormente, ela foi criada por Sophia, mãe do garoto, com o objetivo de trancar um certo algo. E o que quer que fosse, era o mesmo ponto que Yang almejava. 

Porém, com essas conclusões, questões mais amplas surgiram. No que Sophia estava envolvida? Quem ela era realmente?

Tudo o que Takashi lhe contava eram histórias divertidas ou amorosas. Ele nunca tocou em assuntos relacionados ao mundo das IDs. 

E ainda existia a questão de Masato entrando em contato com Kihon. Ainda havia muita coisa escondida nesse baú do tempo. 

“Jade, eu quero que você me ajude.” Após uma longa pausa, Mayck abriu a boca. 

“Hã? Ajuda?”

“Eu não pretendo deixar as investidas deles virem contra mim e deixar de lado. Além do mais, você não quer que Lorena sofra, certo?”

“Isso é… sim.”

“É bom saber que estamos na mesma página. Eu quero que você me ajude a encurralar a sua família e descobrir a verdade. Eu tenho a impressão de que tudo pode ficar problemático se eu fechar os olhos.”

“Tudo bem. Mas o que você precisa que eu faça exatamente?”

“Por ora… Vamos fingir que eles venceram nessa etapa. A maneira mais fácil de torná-los vulneráveis é fazê-los pensarem que venceram.”

“Entendi. Então só precisamos atuar, né?”

“Você consegue?”

“Quem você pensa que eu sou? É claro que eu consigo. Mas… eu quero pedir uma coisa.”

“E o que seria?” Mayck inclinou a cabeça. 

Antes de falar Jade abaixou a cabeça e respirou fundo. 

“Se as coisas derem errado, então, por favor, tire Lorena daqui.”

Não importava a situação, Jade sempre colocava a segurança de sua preciosa irmã mais nova acima de si mesma. 

“Tudo bem. Mas eu não vou deixar dar errado.”

Finalmente tinha voltado a si. Mayck deixou claro suas intenções de vencer e tranquilizou Jade de que daria tudo certo. 

Diferente de suas lutas até aquele momento, essa seria a mais problemática. Isso se levar em consideração quem tinha mais informações. 

A única aliada que Mayck tinha era Jade. Enquanto o lado de Célia contava com várias mentes por trás. Então o primeiro passo era conseguir aliados com quem ele pudesse contar. 

Se fosse no Japão, ele podia contar com Nikkie, Chika, Akari e muito provavelmente com Hana ou Haruki. Sem contar que um aliado poderoso como Zero seria totalmente útil. 

Porém, essa não era realidade daquela situação. Era uma luta solitária, assim como aquela de cinco anos atrás envolvendo Kin.

|×××|

Dentro de uma van parada no estacionamento do shopping, um grupo se reuniu para a discussão de um tópico importante. Tópico esse que decidiria o destino de toda a família. 

Sendo o centro das atenções, um homem velho com a idade já avançada, mas que ainda se mantinha com o corpo saudável como se estivesse no auge da sua vida adulta. Era este Eugênio, o patriarca e aquele no comando dos planos da família. 

“Ela vai mesmo conseguir?” Fazendo ouvir sua voz grave e pesada, que soava como um mar revolto, Eugênio deu início a discussão. 

“Ela vai conseguir. Se não o fizer, ela sabe das consequências.”

“Sim. Se não houver progresso, então podemos assumir que ela não usou sua ID no processo. Portanto, ela desobedeceu as ordens.”

A reunião se deu para que os planos fossem discutidos e colocados em ação. Bruno e Célia explicavam a situação de Jade e afirmavam, com certeza, que daria tudo certo. Embora ele tivessem ciência da resistência da garota, eles não tinham dúvidas de que ela seguiria com o plano. Afinal de contas, eles tinham a vida de Lorena, literalmente, nas mãos. 

“E quanto aos monstros? Por que eles não conseguiram dar fim naquele moleque?”

“Nós iríamos dar um fim nele, como o planejado, mas parece que Mayck não o cansou o suficiente. Então isso o deu a chance de resistir. Temo que Alexander não aceite mais continuar trabalhando conosco.”

“Isso é o esperado. Mas, não importa. Não é como se isso estivesse fora de nossas expectativas de qualquer forma”, Célia afirmou confiante. 

Pelo rumo da conversa, eles tinham as coisas previstas até certo ponto e estavam confiantes de que dessa vez ganhariam.

“Vamos ser cautelosos dessa vez. Na última vez, aquele policial idiota quase nos pegou. Fomos salvos apenas pela falta de inexistência de provas.”

“Mas dessa vez não temos Ryan do nosso lado. Creio que as coisas serão como esperamos.”

Ryan, era o homem que executou e falhou em sua missão. Ele foi o responsável por atrapalhar todo o desempenho da família e fazê-los voltar a estaca zero. 

Com Jade seduzindo e controlando Mayck, tudo o que eles precisavam era acessar o que precisavam e extrair o poder contido nele. Mas ainda parecia haver um problema. 

“Não sabemos que forma ela tem. Como vamos ter certeza de que está com ele?”

“Bom, não era o planejado, mas Ryan abriu um caminho para nós. Aquele traidor miserável serviu de algo.” 

Quando Bruno mencionava o nome do traidor, ele sentia nojo e cuspiu essas palavras enquanto insultava o falecido. 

“Tudo bem. Quando voltarmos, prepare a garota. Nós vamos iniciar a operação imediatamente. Agora que ele está na palma de nossas mãos, vai ser bem mais rápido.”

Não havia uma pitada de dúvida em suas mentes. Para eles, Mayck havia caído na armadilha com um peixe na rede. 

Eugênio ordenou aos dois netos mais velhos que fizesse seus movimentos ao voltarem. Ronaldo e Mizael concordaram. 

“Será que ele vai dar tanto trabalho assim? Pra mim ele parece o mesmo moleque medroso de sempre.”

“É bom não subestimá-lo. Pode ter sido pouco, mas sua aura não era a mesma de antigamente. Ela tinha algo mais… como se o que ele demonstra não é o que ele sente.”

“Quer dizer que ele pode ser um problema maior do que pensávamos?”

“Nah. Eu não não acho que ele vai ser tão difícil. Pode ser complicado sim, mas nada que a gente não resolva.” 

Ambos estava confiantes de que tudo daria certo. Suas tarefas já poderiam ser consideradas prontas. 

Ao longo dos anos, Ronaldo, que era o mais velho, tinha o dever de cuidar das crianças. Ele sempre foi uma pessoa rígida e vivia repreendendo as crianças por maus comportamentos. 

Ao contrário deste citado acima, Mizael era uma pessoa mais flexível e aberta. Ele era quem mais agitava as crianças da casa a se divertirem. Era como o que põe lenha na fogueira. 

Esses dois, apesar das personalidades distintas, se davam bem e se ajudavam quando necessário. 

“É ótimo que pensem dessa forma. Assim que tivermos extraído o sangue de Lorena e termos Mayck sob nosso controle, eu ativarei a chave de comando e daremos início a ressurreição ‘dele’.”

Dando ênfase na última palavra, Eugênio anunciou com a confiança de alguém que estava para errar todas as questões do ENEM. 

“Estejam todos prontos.”

Todos assentiram em uníssono. Finalmente, sua missão que foi iniciada há anos estava para dar seu terceiro passo. 

Não havia nada que a família Ferreira temesse. Seus planos foram devidamente calculados, portanto as chances de falhar eram mínimas. 

Finalizando a reunião, Bruno dirigiu a van e todos seguiram para um local diferente. 

Afastados da cidade, eles chegaram a uma estrada e abandonaram a van no meio do matagal, seguindo para um edifício abandonado em seguida. 

Ali era onde estava sendo realizado todos os experimentos, testes e planos da família. Era como um laboratório tecnologicamente equipado com instrumentos de última geração. 

Havia computadores, máquinas estranhas e uma cadeira igual a que se encontra nas sala de dentistas posicionada no meio. Ao lado desta, alguns equipamentos estranhos descansavam. Um deles tinha o formato de um capacete, embutido com vários fios e botões, além de leds que serviam para indicar seu funcionamento. 

A instalação levou anos para ser construída, levando anos de investimento por parte de Eugênio. Seu sonho estava em espera por muito tempo. Ele não podia parar um minuto sequer.

“Já falhei uma vez. Não vou permitir que aconteça novamente. Bruno.”

Bruno, que teve seu nome chamado, Injetou em Lorena uma substância que a fez dormir instantaneamente. Em seguida, levou a garota para a cadeira e pôs o capacete em sua cabeça, assim como várias agulhas e eletrodos por todo o seu corpo. 

“Vamos começar a extração.” 

Todos de acordo, Eugênio apertou o botão que iniciou o sofrimento da pequena garota outra vez. Seu sangue sendo extraído ininterruptamente poderia levá-la a morte. 

No entanto, para que pudessem manter Jade sob controle, eles paravam quando estava prestes a chegar a tal ponto. Se caso Lorena morresse no processo, Jade não teria mais nada a perder e isso poderia torná-la perigosa, já que estava sob o controle de Mayck. Essa era a única coisa temida por Célia e os demais. 

Mesmo inconsciente, Lorena ainda reclamava da dor em gemidos abafados, que pareciam ser consequência de um sonho ruim que estava tendo. 

O sangue passava pelos pequenos tubos e era armazenado em varios frascos que seriam transportados para seringas. As armas que seriam utlizadas foram projetadas especialmente para disparar as seringas que injetavam o sangue no imediatamente após entrar em contato e perfurar a pele do alvo. 

O processo foi interrompido cerca de 7 minutos depois, para que a drenagem não levasse Lorena à morte. 

“Conseguimos a quantidade necessária. Isso será mesmo o suficiente para os dois?” Bruno analisou os pequenos frascos e os entregou a Célia. 

“Eu me pergunto… Mas meu pai sabe o que faz. Isso deve ser mais que o suficiente.” Célia pegou os frascos um por um e transferiu seu conteúdo para as balas-seringas. Em seguida, pediu para que Arthur e Manuela trouxessem as armas e as enfileirassem para que Ronaldo e Mizael chegassem o funcionamento de cada uma. 

“Bruno, cheque as funções cerebrais da garota. Tudo isso será perdido se ela morrer.”

“Okay.”

Bruno caminhou até o enorme monitor e começou a digitar. Na tela, foram mostrados vários parâmetros que indicavam batimentos cardíacos, atividade cerebral e outros dados referentes a saúde de Lorena. 

Além de perder o controle de Jade, se Lorena não sobrevivesse aos ‘exames’, todo o esforço deles seria inútil. Isso, porque o sangue da garota para controlar os outros era uma arma na qual só funcionava com a portadora viva; se ela morresse, todo o seu poder se perderia. 

“Ela parece bem. Não há nada digno de nota. Seus dados estão como sempre.”

“E quanto ao fortalecimento da ID? Não queremos que ela seja fraca ao ponto de não podermos controlar nenhum do dois.”

“Assim que ela acordar nós faremos outro experimento.”

“Ótimo.”

Olhando para aqueles dados exibidos na grande tela, Eugênio se sentia orgulhoso de todo o seu esforço. Era como um soldado ao ver o fim da guerra. 

Finalmente… Após tantos anos, eu vou atingir o meu objetivo. The fake human, dessa vez você será meu e não vai ter nenhum idiota como Sophia que vai me parar. 

Poder absoluto. Isso era o que Eugênio almejava. 

“Manuela, Arthur. Se preparem para partir.”

“Sim…!”

Os dois demonstraram um certa quantidade de animação ao saber que finalmente entrariam em ação. Os dois tinham agido como mensageiros até esse momento, apenas alertando e repreendendo Jade quando necessário. No entanto, tomariam o papel principal pela primeira vez e dariam tudo de si para que terminasse em sucesso. 

Picture of Olá, eu sou RxtDarkn!

Olá, eu sou RxtDarkn!

Comentem e avaliem o capítulo! Se quiser me apoiar de alguma forma, entre em nosso Discord para conversarmos!

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥