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Capítulo 64 – O que vem a seguir

Mayck acordou naquela manhã de sábado, por algum motivo, sentindo seu corpo pesar com exaustão, então não levantou da cama até o meio dia. 

Após conversar com Saori, ela não lhe deu muitas pistas sobre o que iria fazer ou se acreditava em suas palavras, entretanto, era certo inferir que ela estava considerando acreditar nele. 

Ela ouviu tudo sobre Kin em silêncio, sem negar ou fazer falsas acusações e depois de tudo foi embora sem dizer nenhuma palavra. 

Mayck, porém, viu que esse era um bom caminho. Se ele pudesse ter Saori ao seu lado, seria simples terminar os desafios e teria uma chance maior de persuadir Keiko e as outras. 

Ele saiu da cama e tomou um rápido café da manhã. Nesse dia, ele acabou concordando em ter um pequeno embate com Ethan meio que no embalo, já que ele vinha insistindo há um bom tempo. 

Depois de trocar a roupa de dormir por um moletom casual, Mayck pôs sua máscara e saiu do seu quarto no dormitório e seguiu em direção ao pátio de treinamento, um lugar enorme, como uma garagem de shopping, onde inúmeros agentes treinavam incansavelmente. 

Assim como na Strike Down, havia diversos equipamentos tecnológicos, a maioria deles criados na própria Black Room. 

Mayck passou pela enorme porta branca corrediça metálica e se deparou com toda aquela paisagem ficcional. Ele já tinha ido a algumas salas para treino individual com Nikkie, mas era apenas a sua segunda vez naquele ginásio e ainda não deixava de se surpreender. 

Ao correr seus olhos pelos arredores, viu centenas de pessoas treinando combate físico ou com armas brancas; o som de lâminas se chocando ecoavam sem parar ali, mas por causa da extensão do lugar não se tornava tão irritante como seria se fosse há poucos metros dele. 

Ao procurar mais um pouco, encontrou Ethan acenando para ele, e se dirigiu até lá. 

“Eu pensei que você não viria. Estava até pensando em ir te buscar.” O garoto abriu um sorriso por baixo da máscara e deu tapinhas nas costas de Mayck — tapas carregados de uma leve irritação. 

“Foi mal… eu acabei dormindo demais.” Ele lutou para suportar os trancos. 

“Ele não parava de perguntar que horas você apareceria. Esse idiota impaciente pensa que todos somos como ele.” Luna fez tal comentário de forma provocativa. 

“Haha…” Mayck riu sem jeito enquanto cumprimentava os demais. 

“Certo!” A voz de Ethan ecoou pelo pátio inteiro, só não foi ouvido por todos por causa da concentração que era quase uma lei ali. Em seguida, ele apontou para Mayck. “Agora, sem mais enrolação, vamos começar.”

Não era necessário uma explicação, todo o grupo já sabia do que se tratava e Mayck, em especial, gostaria de deixar isso de lado, mas aquele cara energético em sua frente não o deixaria fugir tão facilmente. 

Com um suspiro, os dois se afastaram para um local mais aberto. O restante ficou observando e torcendo contra Ethan apenas para provocá-lo. 

“Bom, eu vou ser bonzinho e lutar de igual para igual com você.” Braços cruzados, a voz de Ethan soava arrogante. Mayck se sentiu levemente incomodado com isso. “Você usa uma espada, né? Então vou usar uma também.”

Após levantar suas mãos e se concentrar por alguns segundos, o chão rachou e as pedras começaram a levitar, como se fossem sugadas por uma força gravitacional poderosa. Elas se alinharam em frente às mãos de Ethan e se juntaram novamente, formando uma espada medieval de duas mãos, cuja empunhadura negra e a lâmina acinzentada pareciam ser matérias diferentes. 

Ethan podia manipular sólidos, então ele juntou diferentes minerais do chão e os separou, juntando-os de formas diferentes de modo que formassem uma estrutura resistente, então chamar aquela espada de espada de pedras era bastante errado.

Mayck se impressionou com aquilo. A cada dia que passava, ele via IDs que nunca imaginou e isso acabou em um choque empolgante passando por seu corpo. 

Atrás de suas costas a bainha da sua espada surgiu magicamente e ele a pegou, se posicionando para o embate. 

Dava para perceber que Ethan estava sorrindo. 

“Não precisa se segurar”, ele falou. “Pode fazer o primeiro movimento.”

Mayck não respondeu, apesar de levantar uma sobrancelha querendo perguntar se ele tinha certeza, mas se absteve disso; iria atender ao pedido de seu companheiro e não se seguraria. 

Eu sinto que estou voltando aos poucos, mas é melhor tomar cuidado. Não sei até onde consigo ir ainda. 

Ele encarou o garoto à sua frente fixamente. Não queria subestimá-lo nem nada, mas ele tinha medo do poder que poderia acabar usando inconscientemente. Então, Mayck decidiu usar o primeiro movimento com um teste, para ver o quão forte Ethan era. Baseando-se nisso, ele iria decidir a quantidade de poder que liberaria. 

“Eu estou indo, viu?”

“Não se contenha.” Seu tom de voz revelava sua atitude de superioridade. 

Atendendo aos desejos dele, Mayck sumiu de onde estava mais rápido que um piscar de olhos e com um movimento das suas mãos fez sua lâmina se chocar contra a espada de matéria desconhecida. Uma onda de choque provinda do impacto se espalhou pelo pátio inteiro, aos olhos dos espectadores abismados com aquilo. 

Os demais presentes no pátio pararam o que estava fazendo para observar o combate, e alguns deles perguntavam se era um duelo. 

“Uh… nada mal. Haha. Você veio com tudo mesmo, hein…” Ethan inclinou seu centro de gravidade para trás, tentando conter o golpe pesado e cheio de vontade. 

“Não devia ter feito isso?”

Os dois se encaravam enquanto exerciam sua própria força, mas era possível ver que não havia nenhuma hostilidade por parte deles. 

Ethan deu um passo à frente e empurrou a lâmina de Mayck fazendo-o se afastar. 

“Agora é meu turno”, ele anunciou antes de iniciar uma série de golpes pesados com sua lâmina. 

Mayck se viu obrigado a ficar na defensiva. Ele bloqueou os golpes com cautela para não ser encurralado. Só de ver, ele conseguiu perceber que o domínio de espada de Ethan era melhor que o dele — fruto de anos de treinamento. 

Não tem como eu vencer mesmo…

Cada balançar das mãos de Ethan se tornava um meteoro indo apressadamente de encontro com a espada de Mayck. Ele tomou distância, se livrando da série. Porém, seu oponente não iria deixá-lo fugir tão fácil, então saltou sobre ele, sua espada cortando o ar e se chocando contra a lâmina de Mayck. Outra corrente de ar poderosa. 

O ruído das lâminas tentando romper uma a outra. A vontade inabalável de vencer de Ethan e a chama que estava se acendendo nos olhos de Mayck. 

“Você vai me deixar vencer de graça?”

“Quem foi que disse isso?” 

Mayck o empurrou e partiu para cima dele com os mesmos golpes que recebeu. Ethan fez o mesmo. Quando se batiam, as lâminas se repeliam, emitindo som de objetos metálicos se chocando. 

“Você até consegue manejar bem uma espada… Mas não tem técnica nenhuma. Não pode vencer desse jeito.”

“É… eu já ouvi isso algumas vezes.”

Os dois se distanciaram e se encararam por um momento. 

“Isso é divertido, mas eu não posso ir muito além. Minhas condições não são das melhores no momento”, Mayck afirmou preparando-se para um golpe definitivo. 

“Hehe… então me deixe enfrentar você de novo quando estiver em seu melhor.”

“Vou pensar no assunto.”

Os dois arrancaram de suas posições como balas. Quando pararam, causando outra corrente de ar poderosa, suas lâminas estavam a poucos centímetros um do outro; a de Mayck transpassando de baixo para cima no pescoço de Ethan, que, por sua vez, estava com a arma na mesma direção do pescoço dele. 

Finalizaram a luta ali. Ethan elogiou o garoto por conseguir acompanhá-lo mesmo estando em más condições e os aplausos dos espectadores maravilhados com a disputa ecoaram pelo pátio. 

****

Depois de deixar a sala de treinamento após aquecer seu corpo, Mayck foi abordado por Nikkie no corredor. 

Ela o levou até uma ala médica; alguém queria vê-lo. 

Após ser deixado sozinho, em um tipo de enfermaria, Mayck seguiu até uma cama, que estava envolta por um tecido branco — a sombra de uma pessoa se projetava nele. 

“Com licença…” ele chamou quem quer que fosse a pessoa. 

“Pode entrar.” Uma voz feminina veio por detrás da cortina. 

Ao puxá-la, ele se deparou com uma garota com uma roupa privativa branca e várias ataduras envoltas em sua testa e braços. Provavelmente havia mais delas espalhadas pelo corpo da garota, mas Mayck só pôde ver essas, por conta das roupas e do lençol. 

“Obrigada por vir, M-san…” Ela sorriu gentilmente quando o viu. 

“Me desculpe, mas… quem é você mesmo?” Ele inclinou a cabeça levemente. 

“Eu não me apresentei antes. Eu sou Kasumi. Nós nos enfrentamos há alguns dias.”

“Kasumi… Ah!” Mayck se lembrou dela, a garota que enfrentou enquanto ia investigar o instituto da floresta. 

Disseram que alguém sobreviveu àquele ataque… então foi ela?

Ainda era surpreendente como. Ele queria perguntar, mas tinha que conter sua curiosidade; sentia que não era o momento certo. 

Além do mais, ela parecia diferente. Ele não sabia porque não prestou muita atenção, mas, diferente do seu último encontro com ela, dessa vez ela parecia mais feminina. Seus cabelos levemente acinzentados estavam soltos e davam destaque para seus olhos azuis como apatite. 

O garoto não pôde deixar de contemplá-la, mas logo se recompôs. 

“Então, por que você quis me ver?”

“Eu… Obrigada.” Ela abaixou sua cabeça serenamente. “E me desculpe por te atacar.”

“Não se preocupe. Você estava fazendo o seu trabalho, afinal de contas.” 

“Não… o que eu estava fazendo era puro egoísmo.” Ela se lamentou, lembrando os motivos que a levaram a proteger o instituto. 

Kasumi resolveu contar a Mayck o que estava acontecendo. O agradecimento dela foi por ele ter salvado as crianças que estavam presas lá. Crianças essas que ela queria proteger mais que tudo; mais que sua própria vida. 

“Tudo bem, então. Se você quer se desculpar, eu aceito o seu pedido, mas, sério, não fique pensando nisso.” Mayck não queria ser visto como alguém importante por ela, então fez questão de deixar claro. 

“Se é o que você quer…”

“No lugar da gratidão, me responda uma coisa. Tem várias que eu queria te perguntar, mas vou deixar pra outra hora.”

“Sim. O que você quer saber?”

“Eu sei que você veio aqui porque foi encontrada pela Black Room, mas você ainda é uma pessoa do grupo inimigo. O que planeja fazer depois que todo o seu tratamento acabar?”

Com essa pergunta, Mayck acabou pegando Kasumi de surpresa, tanto que ela tropeçou em suas palavras e desviou os olhos para suas mãos entrelaçadas. 

“… Eu não sei… talvez eu vá ficar com as crianças…”

“Tenho quase certeza que elas foram mandadas para a academia. E, cá entre nós, elas vão ficar melhores lá do que com você.”

“Tem razão…” o semblante dela se entristeceu com a dura realidade. 

De fato, ela não podia cuidar de várias crianças sozinha. E ela ainda parecia ter a mesma idade que Mayck. 

“Você pode pensar nisso enquanto estiver aqui. Mas, um conselho meu, ou você continua lutando por elas, ou vá viver uma vida normal.”

Talvez não fosse direito dele confrontar os outros dessa forma, mas ele imaginou que era o melhor a se fazer no momento.

Uma pessoa como ela, que quer proteger o que importa com a própria vida, tem que ser valorizada. 

Era o tipo de pessoa que só apareceria a cada 100 pessoas — talvez essa taxa nem fosse tão incrível ou correta. 

Terminando o que tinha que falar, Mayck deu as costas e saiu da enfermaria. 

“Você gosta de fazer as pessoas se sentirem mal?” Nikkie estava esperando por ele no corredor. 

“É claro que não.”

“Então só está descontando sua raiva”, ela falou como se estivesse correta. 

“Quem sabe… Mudando de assunto, como ela conseguiu sobreviver?”

“Como eu pensei, foi por sua culpa que ela ficou naquele estado lamentável.” Ela balançou a cabeça em reprovação. “Todos os outros foram pulverizados?”

“…” Mayck desviou o olhar, claramente não querendo responder ou tentando fugir da responsabilidade. 

“Bom, tanto faz. Não sabemos como ela sobreviveu, mas a condição dela era pior que a sua. Se fosse uma pessoa muito mais fraca que você e tivesse sobrevivido, ela seria praticamente um esqueleto.”

“Ah, é?”

“Sim. Além dos ferimentos horríveis, não havia nada mais perigoso. Eu me pergunto se ela usou alguma habilidade para proteger seus órgãos vitais ou algo assim.” 

Ela refletiu um pouco e começou a andar pelo corredor e Mayck foi após ela.

“Ah, e o dia ainda não acabou pra você. O diretor da Academia de Desenvolvimento quer te ver.”

“Hã? Como assim?”

“Como um gesto de gratidão, ele se encontrou com todos os envolvidos no incidente, mas como você estava desacordado, ele não pôde te ver. Por isso nós vamos até a academia.”

“Agora?”

“Agora.”

A Academia Especial de Desenvolvimento. Era um lugar extraordinário. Assim como a Strike Down, eles possuíam filiais em diversos países. Sob a fachada da Universidade Internacional Interplay, ela tinha como intuito acolher e educar portadores jovens e adultos sobre como seguirem suas vidas com seus poderes misteriosos. 

Como utilizava o nome de uma universidade renomada, era natural ver não-portadores transitando por seus átrios, no entanto, eles eram mantidos em classes separadas e organizadas de modo que um civil normal nunca se deparasse com uma aula voltada para os portadores. 

Seria uma bagunça terrível caso alguém descobrisse sobre as IDs. Porém, por algum milagre, ou interferência do diretor, isso nunca aconteceu, e se aconteceu, o segredo foi mantido bem longe do público. 

Apenas por sair do carro, Mayck acabou se maravilhando com a área que a universidade ocupava. Não era à toa que ela foi construída um pouco mais longe do centro urbano. 

Do outro lado dos portões, um enorme campus se estendia por vários metros quadrados e vários pequenos jardins decoravam a paisagem com flores e pequenos arbustos. Vários caminhos foram criados pelos jardins. No centro, um círculo com uma fonte de água cheia de peixes de diversas espécies. 

O prédio se estendia até a metade do pátio em formato de “L” e sua coloração branca fazia perder o fôlego. Ao entrar no prédio passando pelas portas corrediças de vidro, via-se outro pátio, embora menor que o externo. 

Mayck e Nikkie seguiram para um dos corredores que levava para o lado ocupado pelo corpo docente da academia, enquanto Mayck lutava contra sua vontade de ver o lado discente. 

“Nós não viemos a passeio”, Nikkie afirmou isso pela décima vez no meio de outro assunto. 

“Sim, sim. Eu sei.”

Mayck se sentiu como uma criança ao passar por aqueles universitários, que o olhavam com curiosidade, pensando se ele planejava se matricular ali. Mesmo sendo fim de semana, o trânsito de alunos e funcionários da universidade era como um formigueiro.

Dava para ver que ninguém gostava de descanso. 

Nikkie, por outro lado, fez um jogo mental para si mesma, onde tentava descobrir quem era portador ou não apenas com o olhar. 

Após andar e dobrar diversos corredores, passando por janelas com visões magníficas do campus e subir escadas, eles chegaram até uma sala com duas portas grandes de madeira envernizadas com uma cor de marrom bem escuro. Uma placa dourada acima das portas mostrava que lá era a sala do diretor. 

Mayck sentiu uma pequena tensão enquanto Nikkie batia na porta. 

Uma voz grave e autoritária lhes deu permissão para entrar. 

“Com licença.” Nikkie abriu a porta e Mayck entrou após ela. 

Um homem estava sentado em sua cadeira de couro. Mesmo sentado, era impossível não notar seu corpo robusto, que, apesar da idade que ele aparentava ter, ainda estava no auge.

Com sua carranca séria e intimidadora, ele se levantou ao ver os dois entrarem. Um sorriso gentil apareceu em seu rosto. O perfeito contraste com a visão anterior; Mayck não pôde evitar perceber isso. 

“Olha só, há quanto tempo, Nikkie-san”, ele a saudou. “Estava esperando por vocês.”

“Diretor Takahashi, já faz um bom tempo.” Ela apertou a mão do homem que havia se aproximado. 

“E você… deve ser M-san, certo?” Ele se voltou para o garoto e apertou sua mão. 

“Eh… bem, sim.” 

Faz sentido usar o apelido sem estar com a máscara? 

Mayck olhou para Nikkie em busca de respostas, mas parecia que ela ainda não sabia utilizar telepatia, então deu de ombros. 

“Primeiramente. Muito obrigado por terem participado da solução do último incidente. Nós conseguimos evitar o pior por um triz.”

“Não se preocupe. É o nosso trabalho, afinal.”

“Muito bem. Então, deixe-me me apresentar corretamente. Eu sou Hiroshi Takahashi, diretor da Academia Especial de Desenvolvimento e um dos representantes da Sociedade de Portadores.”

“Eu sou ‘M’. Muito prazer.” Ele franziu a testa, pensando no que seria tal sociedade. 

“Indo direto ao ponto, eu queria lhe agradecer pessoalmente por ter se envolvido nos caprichos de Zero-kun. Eu ouvi sobre sua situação, e mesmo você não sendo filiado à Black Room, fez questão de ajudar.”

“Não, não. Tá tudo bem…” Mayck negou, insinuando que não queria o crédito, mas ninguém entendeu.

“Bem. Caso tenha curiosidade, nós dividimos as crianças resgatadas com outros pólos e garantimos que todas fossem bem recebidas.”

“Isso é bom saber. Agradeço por isso.” Mayck se curvou levemente. 

Hiroshi, então, sugeriu que eles fizessem um pequeno tour pela academia, e sem motivos para recusar Mayck e Nikkie aceitaram. Assim, eles saíram da sala do diretor, que mais parecia um pequeno palácio pessoal, e seguiram pelos belos corredores do lugar. 

Funcionários respeitosos saudaram o diretor em sua passagem e alunos o olhavam com admiração. Não era à toa que ele era tão respeitado naquele espaço, uma vez que incidentes, como pessoas normais se envolvendo com portadores, não aconteciam ali. 

E se aconteciam eram muito bem escondidos. 

A Academia Especial de Desenvolvimento tinha um papel crucial na Sociedade dos Portadores, que era o grupo que se colocava diante dos governos do mundo todo e respondiam pelos demais usuários de IDs. 

Ouvindo sobre isso, Mayck percebeu que seu conhecimento do mundo em que estava era muito pequeno. Poderia ser que existiam coisas inimagináveis para ele ainda. Depois pediria um intensivão para Nikkie, então ficaria por dentro de, ao menos, uma boa parte do que acontecia ao seu redor. 

Durante o tour, Hiroshi os levou para o anexo separado do prédio onde ficavam os alunos comuns. Além de salas de treino para habilidades e combates físicos, haviam salas de atendimento psicológico também — até porque poderes sobrenaturais geravam uma grande ansiedade e estresse nos usuários, então dava para ver que a academia estava em uma boa direção. 

“M-san, saberia me dizer qual é o mais importante para um portador?”

“O mais importante?” Diante da questão repentina, Mayck hesitou e ponderou por um momento. “Talvez… a emoção e a razão do portador?”

“Emoção e razão, é? Por que acha isso?”

“Hmm… Se um portador usar seus poderes sendo levado apenas pelas emoções, ele pode acabar fazendo besteiras sem precedentes. Se ela for mais racional, vai saber a hora de parar antes de causar mais problemas…”

Hiroshi o encarou e o garoto acabou dando um passo para trás. Tinha dito algo errado?

“Foi uma boa resposta.” O diretor refletiu enquanto alisava sua barba branca vistosa. “De fato, o psicológico do portador tem um peso muito grande sobre suas habilidades.” Sua cabeça balançou em confirmação. 

“…” 

“Do jeito que você respondeu, acredito que já tenha provado isso, hein? Posso dizer que é um garoto forte, apenas olhando.”

“Obrigado…?”

Eles seguiram até duas portas corrediças no final do corredor, revelando incontáveis alunos que treinavam sem parar, dispostos a melhorarem a si mesmos e a suas habilidades. Foi uma visão parecida com a que Mayck viu na Black Room. 

“Todos os nossos alunos se dedicam com suas vidas. Eles sabem o porquê de estarem aqui, embora não saibam o que fazer no futuro. Mesmo assim, eles se empenham em descobrir a si mesmos.”

Ir para a sociedade viver normalmente ou entrar em uma das organizações. Essas eram as duas escolhas que todos os alunos deveriam tomar quando se formassem naquela academia. 

“O que acha, M-san, gostaria de ser um de nossos alunos?” Hiroshi tinha um sorriso amigável e acolhedor em seu rosto, o que implicava que sua oferta não era nenhum tipo de piada. 

Mayck refletiu sobre isso. Se entrasse na academia, poderia melhorar seus poderes e a si mesmo, além de conseguir proteger sua família, que era um dos benefícios dos portadores recrutados pelos inspetores. 

No entanto…

Eu não posso mais contar com todo mundo para fazer o meu dever. 

Ele havia recusado a oferta de proteção que Zero lhe ofereceu uma vez, mas isso havia se mostrado um erro. O garoto precisava de tempo para decidir como proteger sua nova família dali em diante. 

“Eu… terei que recusar. Estudar aqui me garantiria muito, mas… eu tenho que me virar sozinho por enquanto.”

“Oh, é mesmo? Bom, não pode ser ajudado. Eu planejava oferecer uma bolsa de estudos como recompensa por ter ajudado no último incidente, mas parece que nenhum de vocês está muito interessado.”

Hiroshi baixou sua cabeça, se mostrando um pouco decepcionado. 

“Nesse caso… poderia ouvir um pedido meu?” 

Mayck perguntou sem desviar seus olhos dos alunos que treinavam com afinco — em especial, uma garotinha que estava treinando sozinha. Suas roupas já estavam sujas e suor descia por seu rosto como lágrimas.

Seu olhar refletindo a sua determinação de melhorar…

“Um pedido? Se isso servir como compensação, então não tenho objeções.”

“Hum.” Um sorriso leve surgiu em seu rosto. “Se é assim…”

<—Da·Si—>

Depois que a noite caiu, Mayck saiu novamente para a realização da tarefa que havia recebido. Quando voltou da academia com Nikkie, aproveitou e fez um desvio para o local onde a encontrou.

Era um pequeno cartão cheio de furos e ao expô-la a uma fonte de luz e a uma certa distância, ele conseguiu um conjunto de números projetados no chão; ele fez isso com a lanterna do celular enquanto andava pela rua. 

Ele enviou o código de confirmação. 

“Pra onde será que esse cartão dá acesso?”

Ele analisou o objeto retangular e viu que se tratava de um cartão de acesso para um certo estabelecimento: a sala de um Karaokê. 

“Por quê…?”

Devia ter um motivo. Sem enrolar mais, ele seguiu para o local. 

Já era tarde da noite, então, obviamente o local estava fechado, então ele foi obrigado a invadir. Embora isso parecesse ser uma tarefa difícil, a porta dos fundos estava aberta; sinal de que Hyu já tinha preparado tudo para ele. 

Enquanto adentrava pelos corredores escuros, Mayck se perguntava o que poderia encontrar ali. O que poderia acontecer em um karaokê?

Um e-mail chegou em seu celular repentinamente. 

Maemom. 

Era todo o conteúdo. 

Quê…?

Ele o ignorou e continuou seu caminho. 

Sala 24… ele verificou o cartão novamente após algum tempo e procurou a sala. 

Ao chegar até ela, respirou fundo e se aproximou do vidro para ver se conseguia alguma imagem ou ouvir algum som. Porém, como o esperado de salas de karaokê, não dava para ouvir o que se passava dentro da sala.

Sem escolha, ele passou o cartão no aparelho eletrônico ao lado da porta. Uma luz verde piscou, indicando a abertura. 

Lentamente, ele abriu a porta e uma figura quase invisível na escuridão o barrou. 

“A mando de quem?”

Ao ser questionado tão repentinamente, Mayck não soube como reagir e quase deu meia volta, mas, instintivamente, ele recitou a palavra que recebeu no e-mail há alguns minutos. 

O homem lhe deu passagem em seguida, implicando que aquela palavra do e-mail era algo crucial para progredir. 

Assim que passou pela porta, uma luz vermelha foi acesa, o que dificultava reconhecer o quinteto que aguardava naquela sala. 

“Espero que não se incomode. Nenhum de nós quer ser reconhecido, certo?”

Um homem, utilizando um terno slim, sorriu gentilmente enquanto colocava uma maleta em cima da mesinha. 

“Tudo bem.” Embora perdido, o garoto se sentou no sofá à frente dele. 

Não sei o que tá acontecendo aqui, mas eu vou seguir o fluxo e ver até onde isso vai. 

O homem se apresentou como mediador, se recusando a dizer o seu verdadeiro nome. Segundo ele, estavam realizando uma negociação; em outras palavras, uma missão de entrega. A maleta era o produto a ser entregue. 

O mediador contou os termos. O pagamento era uma bela quantia em dinheiro e armas em compensação, no caso de dificuldades na missão. 

Mayck perguntava a si mesmo no que estava se metendo. Claramente era algo ilegal. 

“Então, estamos combinados?” Ele terminou sua explicação. 

“Eh… bem… sim. Está tudo certo. E onde eu devo entregar?”

Uma tensão repentina se instaurou na sala de karaokê, onde nenhuma música tocava, apenas as vozes da negociação criminosa. 

Eh…? Eu falei besteira? 

O garoto correu seus olhos pela sala. Todos os homens o olhavam como se tivessem visto algo realmente estranho — inclusive o mediador a sua frente, que franziu a testa. 

“Você já esqueceu?” Sua voz serena, mas que transmitia um pavio curto, prestes a ser aceso. 

“Peço perdão por isso. Eu não recebi todos os detalhes.” Mayck engoliu a seco.

“Ah, é? Que seja. Você tem que levar até o Rainbow Bridge ainda hoje. A pessoa que vai receber estará à sua espera.”

Rainbow Bridge, é?

Um suspiro escapou de sua boca. 

A Rainbow Bridge era uma famosa ponte suspensa localizada em Tóquio. Ela se estendia sobre a baía de Tóquio, conectando as ilhas de Shibaura e Odaiba. Era conhecida por sua iluminação noturna, que criava uma aparência de arco-íris quando iluminada.

Mas o maior problema… era a distância que ela estava de Mayck. 

Assim que deixou o karaokê com a maleta, ele precisou pensar em como chegaria até ela. Nunca tinha ido até lá antes, então não tinha nenhuma noção de qual direção seguir. Para isso servia o GPS do telefone celular. Mayck o consultou e encontrou uma rota até seu destino — mas a distância ainda era um problema. 

Eu já realizei duas tarefas e ainda faltam 4 dias… Tenho cerca de duas horas pra chegar até lá. 

Existia uma forma, mas era muito arriscada. Se caso a missão desse errado de alguma forma e ele tivesse que entrar em combate, estaria perdido. 

Entretanto, o mais importante era completar a tarefa antes do tempo limite e evitar uma morte certa. 

Mayck respirou fundo e corretamente — da forma que devia respirar: inalando o ar pelo nariz e exalando pela boca, inflando e esvaziando seus pulmões corretamente. 

Por sorte, ele não havia gasto nenhuma energia com habilidades depois de voltar com Nikkie, então estava tudo bem. 

Ele sentiu cada fibra do seu corpo se esticar e seu sangue correr livremente pelas veias. Uma corrente elétrica percorreu seu corpo, se intensificando cada vez mais. 

Mayck começou a caminhar e ia acelerando seus passos gradualmente. Até que uma explosão de eletricidade rasgou o ar e ele arrancou tão rápido quanto uma bala disparada de um rifle de precisão, deixando um rastro azul luminoso, que se desvanecia após sua passagem. 

Era uma versão inferior ao <Celeritas>, mas não ficava muito para trás. 

Ele tinha decorado por onde deveria passar em seu trajeto e sua visão melhorada com <Moonlight Nightmare> ativo, lhe proporcionou uma viagem fácil até o local. 

Talvez em alguns minutos, pouco ou muitos, ele chegou até o começo de Rainbow Bridge e parou instantaneamente, arfando e quase não conseguindo se manter de pé. 

Além de uma náusea pior do que qualquer outra que já sentiu antes. 

“Preciso me acostumar com isso…” 

Ele olhou para a maleta em sua mão. 

Está intacta. 

Naquela velocidade, ele não conseguia saber o que aconteceria com algo tão pesado quanto aquela maleta; não dava para saber se era o peso dela ou do conteúdo dentro dela. 

De qualquer forma, só restava procurar a pessoa a quem deveria entregar aquilo. Mas a curiosidade sobre o conteúdo ainda batia à porta. 

“Eu acho… que é melhor não pensar muito, certo?”

Se fosse algum objeto problemático, como um cidadão de bem ele não poderia entregar a maleta, ao menos que tivesse certeza de que não era algo prejudicial aos civis. 

Além disso, armas como compensação… Realmente, não tem como ser coisa boa. 

Mayck andou um pouco pela ponte suspensa e acabou sendo fisgado pelas luzes coloridas que não eram ofuscadas de forma alguma pelas luzes da cidade. 

Impressionado com a visão, ele acabou não notando a aproximação de um certo indivíduo encapuzado. 

“Você está com o pacote?” Sua voz feminina e fria ressoou em sua mente. 

O garoto se virou imediatamente para vê-la. 

“Se estivermos na mesma situação, então, sim.”

“Maemon?”

“Maemon.” Após confirmar com a mesma palavra, Mayck se forçou a segurar sua risada, de tão ridículo que isso soou. 

“Mas antes de entregar isso, eu quero saber duas coisas.”

“Se estiver dentro dos meus conhecimentos, posso pensar em responder.”

A indiferença que ela demonstrava competia com a dele. 

“Primeiro. O que tem aqui dentro?”

“É um projeto para uma bomba.”

A resposta imediata dela o deixou sem palavras. Normalmente, esse tipo de pergunta seria a mais evitada, certo? Mas se foi assim, então era perfeito. Ela não recusaria responder a segunda. 

“Segundo. O que você fez com o recebedor original?”

“Como esperado de você. É claro que não entregaremos uma bomba para um terrorista. Então eu dei um jeito neles há alguns minutos.”

Ela fez um gesto para um carro estacionado do outro lado da rua, onde havia amarrado os dois recebedores e os colocado no porta malas. 

Ela fez isso sozinha? 

Uma pessoa incrível estava em sua frente naquele momento. Tão incrível que Mayck até considerou se tornar fã dela. 

“Entendi… Bom, então fique com isso, por favor.”

Mayck entregou a maleta para ela. Em troca, recebeu um cartão branco com uma sequência de números. 

Ela realmente é da GSN… só percebi por causa do uniforme incomum e parecido com o usado na Black Room. 

Sem mais nada para dizer, a garota que não se importou em revelar seu rosto seguiu em frente com a maleta, deixando Mayck para trás, observando ela sumir no horizonte. Ele soltou um suspiro; talvez o verdadeiro desafio fosse chegar até ali e não entregar a maleta. 

O garoto pôs as mãos no bolso do sobretudo e seguiu pelo caminho que havia feito. 

Mas antes parou para aproveitar a vista do mar. Tinha poucas oportunidades para aproveitar momentos como aquele. 

A brisa suave e gélida da noite; o som do mar sendo agitado pelo vento e, ao fundo, o som dos carros transitando pelas ruas movimentadas de Tóquio, mesmo sendo tarde da noite. 

Algo em particular chamou a atenção do garoto. Em uma parte do mar, bem longe da ponte, a água subia de um jeito estranho, como se algo empurrasse a água para cima. 

O que…

Ele franziu o cenho e forçou sua visão… Não conseguiu ver nada por causa da escuridão — mesmo as fortes luzes da ponte não eram capazes de proporcionar uma boa visão. 

Talvez seja só impressão. Ele deu de ombros e se afastou, com destino a base da Black Room,  sem notar um estranho par de pontos brilhantes que pareciam observá-lo àquela distância.

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