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Em uma manhã atípica de São Paulo, onde um raro fio de luz solar rasgou o habitual manto cinzento, Ana abriu os olhos. O som estridente do despertador não foi apenas o anúncio do início da manhã, mas o símbolo da repetição incessante de seus dias. 

Enquanto se levantava, a luz suave do sol tentava penetrar através das cortinas, iluminando os objetos dispersos pelo seu quarto, cada um contando uma história, cada um representando um fragmento da complexa teia da vida paulistana, repleta de promessas adiadas e sonhos frustrados.

— Mais um dia… — entre murmúrios e um espreguiçar lento e desanimado, ela se levantou.

A água do chuveiro escorria pelo seu corpo, mas não conseguia lavar a sensação de estagnação que a acompanhava. Em frente ao espelho do banheiro, Ana vestiu sua desconfortável roupa social e se preparou para enfrentar mais um dia de trabalho. Com um suspiro resignado, encarou a si mesma, vendo uma sombra do que ela desejava ser.

“Que bobeira, preciso ir trabalhar.”

O café da manhã, preparado e consumido no piloto automático, era acompanhado pelo hábito de deslizar os dedos pela tela do celular, absorvendo notícias de trânsito caótico, eventos culturais na cidade e as últimas fofocas sobre celebridades. Nada parecia realmente novo ou excitante. Tudo naquela manhã seguia a mesma rotina de sempre.

Ela olhou em volta de seu pequeno apartamento, onde cada objeto tinha seu lugar específico. Livros empilhados na estante, fotografias adornando as paredes, plantas espalhadas pelo ambiente. Cada detalhe refletia um pedaço da sua personalidade, um lembrete constante de quem ela era e de onde vinha.

— Mãe, pai, estou saindo — sua voz saiu em um sussurro, quase fundindo-se ao clicar suave da porta que se fechava. Ana já morava sozinha, mas sua família veio lhe fazer uma visita essa semana. Seus pais, ambos na casa dos 50 anos, estavam deitados em um colchão na sala, enquanto Jasmim,  sua irmã pequena, descansava em seu antigo sofá. Ela gostava de sua família, mas a presença deles a obrigava a sorrir constantemente, mesmo com o caos de sua mente cansada.

No caminho para o trabalho, ela observou a cidade despertar ao seu redor. Os mercados abriram suas portas, os vendedores ambulantes montavam suas barracas, os primeiros ônibus começavam a circular pelas ruas. Era um ritual diário, uma coreografia frenética de pessoas indo e vindo, cada uma com sua própria história, seus próprios sonhos.

Nisso, Ana se misturou à multidão apressada das ruas da capital. Ela era apenas mais uma entre os milhões de habitantes, uma engrenagem no complicado mecanismo da metrópole. O escritório onde passava seus dias era uma extensão da selva de concreto que dominava a paisagem urbana, um labirinto de cubículos impessoais onde a vida parecia mais uma corrida contra o tempo do que uma jornada de descoberta pessoal.

Naquele dia, assim que chegou ao escritório, foi recebida pelo burburinho habitual dos colegas de trabalho. O ar condicionado zumbia no fundo, misturando-se com o som das conversas e correria ao redor. Enquanto se preparava para começar o dia, João se aproximou com um sorriso. 

— Bom dia, Ana! Como foi o fim de semana? — ele perguntou, depositando uma pilha de documentos em sua mesa. 

— Foi tranquilo, João. E o seu?

— Ah, o de sempre. Fiquei em casa assistindo futebol. Você não imagina o jogo do Corinthians! — Seu entusiasmo era palpável, mas Ana mal conseguia se concentrar em suas palavras. 

— Parece divertido. Eu só fiquei em casa mesmo — com um encolher de ombros ela voltou ao trabalho, o silêncio entre eles sendo preenchido pelo som monótono dos teclados.

Ela sabia que a conversa anterior foi apenas uma formalidade. Os colegas de trabalho, com quem compartilhava cumprimentos e sorrisos protocolares, sabiam pouco sobre ela além do que era necessário para a execução das tarefas diárias. Conversas giravam em torno de prazos, reuniões, e o ocasional comentário sobre o tempo, mas raramente tocavam em assuntos de substância, em sonhos ou desejos que moravam no íntimo de cada um.

Durante o expediente, Ana mergulhava em suas tarefas, dedicando-se com afinco aos projetos que lhe eram designados. Ela era uma profissional competente, confiável, mas por vezes se pegava pensando se aquela era a vida que ela realmente desejava.

Nos intervalos, se permitia sonhar. Imaginava viagens pelo mundo, com aventuras em terras distantes, com encontros fortuitos que mudariam o curso de sua vida. Eram devaneios fugazes, pequenas fugas da realidade que a ajudavam a suportar a monotonia do dia a dia.

O dia no escritório passou lentamente, cada minuto arrastando-se como se estivesse preso em um engarrafamento. Enquanto o sol se punha lá fora, ela finalmente terminou suas tarefas e se preparou para ir para casa.

— Até amanhã, pessoal! — com um aceno coletivo, encerrou seu dia no escritório.

No metrô, ao retornar para casa, Ana se refugiava em suas paixões. Lia livros que a transportavam para universos desconhecidos ou simplesmente se perdia em pensamentos enquanto contemplava as estrelas através da janela. Era o único momento realmente feliz em seu dia, o momento em que mesmo presa entre milhares de outras pessoas que também saíam de seus trabalhos, ela se sentia livre.

Era uma vida simples, uma vida de rotina, uma vida de pequenos prazeres. Ela sentia que havia algo mais lá fora, algo esperando por ela além das paredes do escritório e das ruas da cidade. E, no fundo de seu coração, ansiava por descobrir o que era, mas sabia que eram apenas devaneios.

Era em meio a essas reflexões, numa noite que parecia ser apenas mais uma réplica das anteriores, que o extraordinário aconteceu. O céu sobre São Paulo ganhou um esplendor incomum, uma luz que desafiava qualquer descrição convencional. Era como se um pedaço do cosmo decidisse visitar a cidade, envolvendo-a em uma aura celestial.

A luminosidade intensa e quase palpável capturou a atenção de todos ao redor, provocando uma pausa no frenesi cotidiano da cidade. As pessoas nas ruas pararam, seus olhares fixos no céu, enquanto um silêncio coletivo se espalhava pelo ambiente, substituindo o barulho incessante da vida urbana.

Aquele momento transcendia os limites da rotina monótona que a cercava. A luz no céu não era apenas um fenômeno atmosférico, era um convite ao desconhecido, uma promessa de algo mais além das paredes sufocantes de sua vida habitual. Era como se o universo estivesse respondendo às suas súplicas silenciosas por mudança, oferecendo-lhe uma oportunidade única de reinventar seu destino.

Ela permaneceu ali, imóvel, absorvendo a beleza e o mistério daquele espetáculo celeste. Naquele instante fugaz, o peso opressivo da rotina pareceu desvanecer-se, substituído pela possibilidade de uma vida diferente, de um novo caminho a ser explorado.

— Estou sonhando acordada de novo… — seus lábios resmungaram enquanto encarava o céu. Apesar disso, não pôde deixar de lado seu louco devaneio de que estava prestes a embarcar na jornada mais extraordinária de sua vida.

O trânsito rotineiro se estendia por quilômetros além do normal, pessoas choravam ajoelhadas direcionando preces aos céus e milhares de teorias do fim do mundo estavam sendo murmuradas pelo vento. O medo era quase palpável, as pessoas encaravam o céu com um olhar de impotência e seus corações batiam descontroladamente. Estranhamente, ao contrário do que muitos pensariam, o caos não se instaurou em tal situação, a luz tinha um estranho efeito de prender o olhar do observador.

Minutos se passaram, que logo se tornaram horas. No entanto, a estranha luz no céu permaneceu apenas isso: uma luz no céu. Nenhuma nave espacial, nenhuma explosão, nada que indicasse um evento fora do comum além daquela luminosidade incomum.

Confusa e um tanto desapontada, ela lentamente voltou à realidade, enquanto as pessoas ao seu redor também retomaram as suas atividades. Era amedrontador, mas a falta de reação com o passar das horas diminuiu a tensão do ambiente, não sendo mais o suficiente para parar a apressada vida da capital. O frenesi urbano recomeçou, os carros voltaram a buzinar, as pessoas voltaram para a correria do fim de dia.

— O último ônibus para Barueri sai em 5 minutos — gritou o cobrador da janela do ônibus.
Após olhar uma última vez para a luz no céu, resignada, decidiu seguir seu caminho de volta para casa. Apesar da falta de um grande acontecimento, algo havia mudado dentro dela. A experiência, por mais breve que fosse, reavivou uma chama de esperança e curiosidade em seu coração.

“Sempre há a possibilidade de algo surpreendente acontecer”, sua imaginação se perdia em mundos fantasiosos enquanto adormecia no banco do ônibus.


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