Selecione o tipo de erro abaixo


A noite havia caído como um manto sobre o grupo enquanto se reuniam ao redor da fogueira, o cheiro de pinho queimado preenchia o ar, trazendo uma sensação aconchegante que contrastava com o frio que mordiscava as pontas dos dedos e do nariz, seu brilho tremeluzente lançando sombras dançantes em faces cansadas, mas decididas. A viagem já havia durado dois dias, mas com os mapas traçando as rotas mais seguras os caçadores não haviam encontrado perigos significativos além do tédio.

Ana brincava com sua faca enquanto escutava Alex introduzindo um tema incomum, mas fascinante.

— Não acham curioso que criaturas de nossos mitos, descritas em lendas de culturas espalhadas por todo o mundo, agora vagam entre nós? — ele começou, olhando diretamente para as chamas dançantes — É como se, de alguma forma, a humanidade sempre soubesse da existência de outros mundos além dos nossos.

— É como se houvesse uma memória coletiva, uma sabedoria esquecida que nos conecta a esses seres místicos. Talvez, em algum ponto, a humanidade realmente tenha tido acesso a essas realidades, através de sonhos, visões ou coisas do tipo. — Felipe, ainda com olheiras marcadas e uma expressão séria, pegou a palavra. 

— E se esses mitos forem mais do que histórias? E se forem registros? Anotações de interações passadas com esses seres de outros mundos, disfarçadas de fábulas e contos de moral? — disse Júlia, lançando um olhar intrigado para o grupo. 

A conversa desdobrou-se, cada membro do grupo contribuindo com sua perspectiva, tecendo uma tapeçaria de teorias e especulações que apenas adicionava mais profundidade ao mistério de sua atual realidade. A ideia de que a humanidade não só sabia da existência desses seres, mas também interagiu com eles, trazia tanto temor quanto maravilhamento.

“É quase certo que, em algum ponto da história, mana já existiu na Terra”, Ana observou em silêncio. Ela não sentia necessidade de ponderar muito sobre o assunto, mas tinha suas próprias teorias. “Ainda há muito para aprender sobre o futuro e o passado, mas é muito cedo para a humanidade entrar a fundo no assunto”.

Enquanto refletia, sua visão periférica avistou Marina. Ela estava sentada sobre um tronco, levemente afastada do grupo. Um brilho suave parecia emanar da garota, fazendo o ar ao redor vibrar suavemente.

— Ei, Marina, está tudo bem? — perguntou Ana, aproximando-se da tímida jovem.

— Ah, Ana, estou tentando… praticar uma coisa nova — Marina murmurou de forma hesitante, quase inaudível. Levantando timidamente as mãos, ela permitiu que uma suave cascata de luzes se entrelaçassem entre seus dedos, formando padrões intrincados no ar frio da noite. A ação trazia um leve formigamento, como se pequenas ondas de eletricidade percorressem sua pele, arrepiando seus braços a cada movimento que moldava a luz. — Estou seguindo sua sugestão, aprendendo a manipular luz.

— Eu sabia que você era um prodígio — um sorriso sincero nasceu entre os lábios de Ana — me explique mais, conseguiu trabalhar com a refração? 

— Si-sim, consegui! Na verdade, trabalho tanto com a refração como com a difração da luz. Pode ser usada para camuflagem ou até para confundir um adversário, apesar que por enquanto não posso tornar nada invisível…

— Já é incrível, Marina. Tenha orgulho de si mesma, afinal, quanta precisão isso exige?!

— Um bocado — admitiu, sorrindo timidamente enquanto abaixava as mãos. — Eu lembrei de você lutando e pensei que era uma boa combinação para seu modo de combate, poderíamos criar uma estratégia inteiramente nova.

— Espero ansiosamente por isso.

À medida que a conversa prosseguia, os outros membros do grupo, atraídos pela exibição encantadora, começaram a se reunir ao redor delas. 

— Falando em lendas e mitos, parece que temos nossa própria fada no grupo — brincou Júlia, com um sorriso genuíno.

— Não é só belo, mas muito útil também… — Felipe pegou um graveto e começou a desenhar esquemas na terra, ilustrando como poderiam integrar a magia de Marina em suas táticas.

 “Será que eles realmente acham isso impressionante, ou estão apenas tentando me encorajar?”, Marina observava as reações de seus companheiros, sentindo uma mistura de esperança e dúvida.

Apesar disso, o diálogo entre eles cresceu em entusiasmo, um grupo discutindo ideias, rindo e compartilhando histórias, até que a conversa se acomodou em um silêncio confortável. A fogueira crepitava suavemente, lançando uma luz quente sobre todos. Marina sentia o calor não apenas do fogo, mas do apoio de seus amigos. Inspirada pela atmosfera fantasiosa e pela sensação de pertencimento, ela decidiu compartilhar outra parte de si mesma que raramente mostrava.

— Eu… eu gostaria de compartilhar algo mais com vocês — disse ela, limpando a garganta suavemente, chamando a atenção do grupo, mesmo com sua voz sendo quase um sussurro. 

Em meio a olhares atentos, ela respirou profundamente, e então, ainda hesitante, começou a cantar. Sua voz, inicialmente trêmula, ganhava força a cada nota, enchendo a noite com uma melodia doce e melancólica que falava de esperança e de longas jornadas. O canto de Marina transformou o ambiente, trazendo uma camada extra de conexão e empatia entre os membros do grupo.

A noite ao redor, pontuada apenas pelo brilho das estrelas, oferecia um cenário perfeito para sonhar com as infinitas possibilidades.


As bordas da floresta se estendiam até onde os olhos podiam ver, dividindo em uma linha perfeita uma natureza exuberante de um árido terreno rochoso. O grupo observava o profundo desfiladeiro à sua frente com apreensão, este era o local onde os limites da cidade do novo mundo terminavam, assim como onde a coisa real começava.

— Essa é a última chance de voltarem, não quero que arrisquem a vida sem necessidade.

Ana já havia tentado persuadi-los durante a viagem, mas os obstinados caçadores ignoravam suas palavras.

— Bla, bla, bla. Não já te explicamos que não é só pela missão? — Júlia repreendeu Ana, suas mãos firmes em sua cintura ressaltaram seu descontentamento com a contínua insistência da garota. — Não existem muitos monstros próximos a cidade, então são raras as ocasiões em que entramos em batalha. Pelo relatório que nos entregou, aqui os monstros costumam andar sozinhos, e a maioria esmagadora ainda é rank E. Não é uma oportunidade perfeita para ficarmos mais fortes? Estávamos treinando pra quê?

— Você sabe, não são apenas os monstros… sombras podem estar nas redondezas… — Antes que pudesse terminar de responder Júlia, Alex colocou uma pesada mão em seu ombro esquerdo.

— Você não deve se preocupar, essa foi nossa escolha. Como líder, quero que confie na sua equipe.

Apesar das palavras confiantes, sua mão livre estava firmemente fechada, uma tentativa falha de esconder seus medos.

“Não é só ele, todos estão tremendo”, Ana olhou para seus companheiros, um de cada vez, notando a clara tensão em seus corações. 

Apesar de não ser conhecimento comum, uma estranha igreja perambulava pelos cantos sombrios da nova sociedade. Não se sabia muito sobre ela, mas dentre as poucas informações disponíveis estava a menção de que seus seguidores denominavam-se sombras, humanos com uma estranha mana manchada fluindo por seus corpos, causando uma sensação instintiva de repulsa a todos os seres vivos que nadavam na mana pura.

Seus corpos, apesar de ainda em sua maior parte humanos, possuíam traços demonizados: pequenos chifres saíam de seus crânios, unhas nasciam pontiagudas, remetendo a garras, e suas peles atingiam os dois polos, sendo de uma tonalidade extremamente clara ou extremamente escura, nunca um meio termo.

Pelo relatório entregue a Ana, havia apenas duas sombras perseguindo Margareth, e eram poucas as chances de mais grupos terem se juntado à busca. Parece que o orgulho das sombras era um fator determinante da nova “espécie”, então a não ser em casos muito específicos, não pediriam ajuda a seus semelhantes.

Os caçadores não conheciam a história a fundo, mas Ana deixou claro que encontrar uma destas sombras era o mesmo que encontrar seu fim, por isso não podiam deixar de se preocupar.

Desviando seu olhar, Ana respondeu Alex.

— Eu entendo, me desculpe. Obrigado por me acompanharem.

O grupo sorriu amplamente em resposta, acompanhando o olhar de Ana para o horizonte. Com passos determinados, a lenta caminhada para kurt começou.


— Parem, algo não está certo — Júlia abaixou-se e tocou o chão, sentindo um leve tremor.

Eles entraram nos canyons a algumas horas, mas ainda havia uma longa distância até o local aproximado da coleta.

— Peguem as armas, agora! — também notando a estranheza da situação, Ana gritou.

De repente, o chão sob eles começou a rachar, lançando poeira e pequenas pedras para o ar. Com um rugido surdo, um golem de pedra de três metros emergiu do solo, seus olhos crepitando com uma luz âmbar sinistra. Os caçadores se espalharam rapidamente, assumindo posições estratégicas, mas a criatura moveu-se com uma agilidade impressionante para seu tamanho, balançando os braços rochosos em direção a Ana.

Ela reagiu instantaneamente, desviando-se e circulando o golem. Seus olhos procuravam pontos vulneráveis na couraça rochosa do monstro enquanto brandia sua faca com precisão. As faíscas voavam cada vez que a lâmina acertava as juntas, mas o impacto parecia mínimo. Apesar de perfurar a pedra, o tamanho da faca impedia que danos significativos fossem causados.

“Sou uma idiota, estou praticamente em um mundo de RPG! Era óbvio que criaturas feitas de pedra apareceriam em um canyon, não sei o que esperava fazer com uma faca”, apesar de notar sua falta de preparo, ela não parou os golpes que mais pareciam borrões. Ela continuou atacando, mesmo que o dano fosse apenas uma lasca de cada vez.

— Ana, pule para trás em 3 segundos! — Júlia, com um forte grito, correu para ajudar. 

Seu grande martelo ergueu-se e desceu com a força de um trovão, batendo contra o joelho do golem, justo no local onde Ana acabara de estar. A pedra soltou um grande estalo, uma rede de fissuras espalhando-se a partir do ponto de impacto. A criatura vacilou, um dos joelhos rachando sob a força bruta.

Aproveitando-se da distração causada por Júlia, Alex, com sua lança, procurava oportunidades para atacar, dançando ao redor do golem e mirando nas juntas onde as pedras pareciam menos compactas. Com cada ataque, a lança deixava marcas profundas nas pedras que formavam o corpo do adversário.

Felipe, por sua vez, recuou para uma posição mais vantajosa e começou a disparar com sua escopeta. O retumbar de cada disparo ressoava pelo canyon, e os chumbos, embora parecessem inofensivos contra a pedra, ajudaram a desestabilizar ainda mais a estrutura do golem, soltando fragmentos de rocha a cada tiro certeiro.

Enquanto isso, Marina concentrava sua energia mágica, suas mãos traçando símbolos complexos no ar. Com um último gesto dramático, ela liberou uma onda de energia luminosa que se entrelaçou ao redor do golem, apertando e criando fissuras nas partes já danificadas por seus companheiros. 

— É resistente, mas a velocidade não se compara às lutas que tivemos com a chefe — acostumando-se ao ritmo da luta, sentiu-se mais à vontade para seus comentários de zombaria. — ela é o verdadeiro monstro.

— Parece que alguém precisa treinar um pouco mais para aprender a ter bons modos — retrucou Ana, também permitindo-se soltar palavras bobas.

“O progresso foi incrível para apenas meio mês. Parece que minha escolha de talentos não foi ruim”, pensou a garota. A batalha era intensa, mas vendo como cada membro do grupo utilizava suas habilidades ao máximo, ela recuou para um canto, fazendo anotações e aprovando as conquistas do intenso treinamento que tiveram.

Com um esforço combinado, o grupo começou a desgastar o golem, que rugia e se debatia com cada golpe recebido. 

— Felipe, é sua chance — disse Júlia, conseguindo acertar mais um de seus poderosos ataques na perna já rachada do golem, fazendo-o ajoelhar-se por um breve momento.

Aproximando-se com toda velocidade, Felipe saltou em cima da grande criatura caída. Correndo de forma levemente desengonçada por suas costas, ele aproximou o cano da escopeta de sua nuca, disparando logo em seguida.

“Não é tão ruim quanto pensei, posso me acostumar com isso”, seu punho ainda doía com o impacto do tiro, mas um sorriso de interesse surgiu no rosto do jovem ex espadachim de um só braço.

Com um último rugido que mais parecia um lamento, o golem de pedra desmoronou, suas partes se espalhando pelo chão como um monte de cascalho. Os caçadores, ofegantes e cobertos de poeira, recuaram um pouco, observando os restos do que uma vez foi uma ameaça formidável.

— Isso foi… intenso — murmurou Alex, limpando o suor da testa com o dorso da mão. Os outros concordaram com acenos, seus corações ainda batendo forte com a adrenalina da batalha. 

Eles sabiam que esse era apenas o começo dos desafios que enfrentariam naquele canyon sinistro, mas a pequena vitória os fez sentir preparados para o que quer que viesse.


Uma garota esguia arrastava uma grande espada negra pelo chão do Canyon, atrás dela, montanhas de membros compostos de pedregulho se amontoavam. A destruição dos arredores era a única testemunha do violento massacre que aconteceu a pouco.

— Parece que vou poder me divertir um pouco, já estava cansada de tantas pedras — sua língua passava lentamente por seus lábios sedutores em um gesto estranhamente aterrorizante. No desfiladeiro à sua frente, cinco guerreiros lutavam ferozmente contra um simples golem mediano.


19


Galeria e outros links: https://linktr.ee/eternity_of_ana

Picture of Olá, eu sou o SandmanBored!

Olá, eu sou o SandmanBored!

Querido leitor, um dos links do linktr (logo abaixo da arte do capítulo) é para o apoio da obra (código pix). Um simples cafézinho para me deixar acordado nas longas madrugadas de escrita já vai ser bom demais! Claro, só apoie financeiramente se não for fazer falta e se realmente quiser, pois até mesmo o seu simples comentário já é um grande incentivo para que eu mantenha o ritmo de publicação.

Vale mencionar que, como agradecimento a todos, me comprometo a publicar um capítulo extra ao longo da semana a cada R$15,00 recebidos dos apoiadores (sem afetar a data de lançamento dos capítulos padrões).

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥