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Se não fosse pela minha resiliência, tenho certeza que iria desmaiar no mesmo segundo em que coloquei os pés no quarto.

Não entendi como aquele cheiro não escapava de lá e ia até a rua, ele era tão forte que eu deveria senti-lo a vários metros de distância, afinal a porta e janela estavam abertas.

Movi meus olhos entre os vários aparatos esquisitos em mesas e prateleiras. Muitos frascos estavam vazios, outros abertos, alguns rachados.

Levei minha mão até um frasco aberto e cheirei de perto com cuidado. Pude perceber mais detalhes em sua essência, meus instintos me disseram que aquilo estava tentando atacar minha consciência.

Parte dos meus músculos queria relaxar imediatamente quando aquele odor se aproximou. ‘Um veneno?’ 

Percebi várias ervas e pós que alternavam entre o cinza e rosa em uma mesa. Não conseguia entender nada naquele quarto, exceto que com certeza nada ali era tinta.

Me senti perdido, até que escutei vozes abafadas discutindo. No começo não entendi as palavras, até que saí do quarto e apoiei o lado do meu rosto no chão do corredor.

As vozes estavam vindo do andar abaixo, eram dois homens discutindo, e eu reconheci uma das vozes. O dono da loja de roupas discutia com alguém.

“Isso é… Não podemos… Precisamos… Agora!” Muitas palavras se abafavam no meio das frases, fazendo-as perder seu sentido geral. Eu precisava me aproximar para entender.

Me levantei e com cuidado abri a outra porta, que antes estava fechada. Um rangido discreto surgiu, fazendo as vozes pararem.

Uma sala pequena com prateleiras, uma cama e livros surgiu. Uma lamparina acesa iluminou o ambiente, mas nada interessante se mostrou, exceto por um alçapão no chão no centro da sala. Ele estava aberto, e a ponta de uma escada saía dele.

“Ouviu isso?” A voz estranha indagou-se, me fazendo perceber que ela estava exatamente abaixo de mim.

“Quem se importa, caralho?! Deve ter sido a porra do vento, já que você não conserta a merda das portas dessa casa!” Uma voz que reconheci pertencer ao dono da loja exclamou com raiva.

“Como se eu ligasse pra isso! Você me paga pra ser um alquimista, e não a merda de um carpinteiro, seu filho da puta!” O estranho gritou ainda mais alto.

“… Está bem, mas o que caralhos passou na sua cabeça ao tentar sequestrar o filho de uma cliente? E ainda deixar ele te ver!”

“O que passou na SUA cabeça ao me mandar procurar alguma criança? O chefe não paga o inútil do Carlos pra fazer isso? Eu só faço a merda dos tranquilizantes com os ingredientes medíocres que você me traz!”

“E também, aquele pirralho não é normal. O desgraçado tinha uma faca e pulou do segundo andar direto na minha garganta! Acho que a mãe dele é alguma cavaleira, não é possível. Ele deve ter sido treinado desde bebê! E se ela aparecer na nossa porta pra matar a gente?” O estranho declarou com medo na voz.

“Mas que merda! Se aparecer qualquer cartaz com seu rosto na cidade, pode ter certeza que eu mesmo vou fazer questão de te dedurar!” O dono da loja ameaçou.

“Faz isso pra você ver, eu levo todo mundo junto!”

“Tenta a sorte, o chefe te incendeia em um segundo! Quer mesmo mexer com um mago?”

Essas últimas palavras chamaram toda minha atenção. O líder do grupo responsável por trás dos desaparecimentos era um mago?

Seria ele relacionado com o Exército Prismático? Hark precisava saber disso.

Mas agora o risco da missão aumentou drasticamente. Eu não sabia o quão poderoso o chefe deles era, eu não tinha experiência lutando contra magos. 

Vivian precisava saber disso também, não importava se ela descobrisse que me arrisquei dessa maneira sem permissão, ela iria entender.

Entretanto, palavras que chamaram minha atenção entraram em meus ouvidos.

“O chá de bebê vai ser daqui a dois dias, o chefe quer que a gente consiga mais dois moleques.” O dono da loja declarou.

“Tá de sacanagem? Aquela porra vai tá cheia de guarda! Como que ele espera que a gente consiga entrar lá?!” A voz estranha exclamou.

“… Ele conseguiu convites para nós.” O dono falou presunçosamente.

“Ata, deixa eu dar meu rabo pra um cara aqui rapidinho e ter um filho amanhã, pera um pouco.” Uma pausa silenciosa seguiu. “É isso que você espera que eu diga?! Vai ser um chá de bebê, só mulher vai poder entrar!”

“Puta que pariu, deixa de ser burro. Vai ter a festa, o chá de bebê só depois. A festa terá vários convidados, lá a gente faz alguma coisa.” O dono revelou.

Ignorei as ofensas e sarcasmos para planejar meus próximos passos. Eu não pensei que iria me envolver em uma situação assim, mas agora tinha que fazer alguma coisa.

Usei meus instintos e intuição para formular e descartar alguns planos. Estava decidido em fazer algo naquela noite.

No entanto, meu raciocínio foi interrompido quando a conversa retornou.

“Deu comida para as crianças hoje?” O dono da loja questionou, mas recebeu uma resposta negativa. “Inútil do caralho.”

Alguns barulhos estranhos ecoaram, mas escutei um tipo de porta abrindo e se fechando. Me esgueirei no alçapão e olhei.

A sala abaixo era um tipo de cozinha iluminada, com vários armários, uma mesa longa e cadeiras. O homem estranho estava sentado na mesa, já o dono da loja caminhava para uma parede aleatória.

Em seu chão, um tapete e algumas caixas pequenas foram removidas para revelar outro alçapão, que levava para mais baixo ainda.

Observei o dono abrir o alçapão e se virar para descer, quase me descobrindo. Por sorte, levantei a cabeça a tempo.

‘Lá deve ser onde eles mantêm as crianças aprisionadas.’ Pensei enquanto segurava um suspiro.

Não era minha obrigação.

Não era meu dever.

Não era minha responsabilidade.

O que importava era minha sobrevivência, eu não poderia me arriscar todas às vezes para salvar crianças aleatórias.

Entretanto, algo lutava dentro de mim. Algo antigo, mais antigo que os instintos que ganhei no lugar infernal.

Uma vontade, e percebi ser a vontade do eu que há muito se perdeu.

Não lembrava disso já ter acontecido, mas foi a coisa mais perto de uma memória que pude sentir. 

Não sabia o motivo, meu eu antigo queria salvar aquelas crianças, mas isso foi contra meus instintos.

Logo uma batalha mental se iniciou.

Um lado queria se arriscar para salvar as crianças sem qualquer motivo, já o outro queria abandoná-las.

Deitei no chão de madeira e encarei o teto.

Minha mente era uma confusão de argumentos e lógicas diferentes que nem eu controlava. Meus instintos eram tão anormais que se tornaram vozes semelhantes à minha.

Alguns minutos se passaram e a batalha teve seu fim, e meu lado antigo venceu, apenas por um motivo.

Eu queria saber o motivo de uma vontade ter surgido dentro de mim, precisava fazer aquilo para entender.

O homem estranho estava virado para o alçapão, mas isso não era problema.

Era hora de testar os resultados de meu treino, especificamente a magia da escuridão.

Meu controle sobre ela havia evoluído, mas nunca tinha testado em um alvo humano. 

Fios escuros como a noite surgiram entre ela mesma, eram estranhos. Meu controle mágico parecia passar por eles, como se fosse uma névoa.

Já conhecia essas características, então não foi um problema criar uma forma enevoada de escuridão prismática e controlá-la até o andar abaixo.

O estranho não podia ver, mas um rastro escuro deslizou pelo teto e rastejou até a parede atrás dele, antes de subir por seu corpo e se infiltrar em seus ouvidos e narinas.

Ele logo deitou-se na mesa em um estado de sono profundo.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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