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“Você promete?” Indagou Stella, seu tom de voz era inocente e tímido.

“… Se você não me atrapalhar.” Respondi, mas minha indiferença não importou quando a garota me abraçou.

Eu havia desonrado sua família, agredido seu corpo e ameaçado-a de morte alguns minutos atrás, mas ela parecia já ter esquecido isso.

“Obrigado!” Agradeceu enquanto forçava o aperto, envolvendo os braços em meu pescoço. 

Seu abraço foi diferente do de Vivian, mas não pensei muito nisso, apenas devolvi a ação antes de soltá-la. “Está bem. Começaremos seu treinamento amanhã pela manhã. Traga alguns mantos, você vai sujar a maioria deles.” Declarei ao me levantar.

Me despedi de Stella e observei ela sumindo entre a floresta. Ela havia entrado na lista de coisas para me preocupar, mas no fim não era tão ruim.

‘Caedes.’ Chamei minha lâmina enquanto me sentava.

‘Sim, mestre?’ Indagou, mas não falei nada mais. Eu nunca parei de pensar em maneiras de ficar mais forte, e isso piorou com a evolução dos meus instintos.

Nesses últimos dias eu comecei a considerar usar meu corpo como parte de experimentos com magia. ‘Você consegue devorar literalmente tudo?’ Perguntei ao analisar a ferrugem que cobria Caedes.

‘Não sei, mestre. Minha fome me faz querer devorar tudo, mas existe um limite. Eu não poderia devorar o mundo inteiro, por exemplo. Não agora.’ Respondeu com a voz decepcionada.

‘Meu corpo pode absorver a energia prismática contida dentro de cristais de mana.’ Iniciei minha linha de raciocínio. 

‘Mas por algum motivo, ele não pode absorver a energia prismática livre no ambiente. Por quê? A variável aqui é o cristal.’

‘Se eu conseguisse absorver e usar a energia do ambiente para me curar e fortificar…’ Não consegui imaginar os limites que tal vantagem teria. Meu corpo praticamente se tornaria um núcleo autossuficiente ambulante.

Lembrei dos dois cristais de mana que guardei no armário dentro do meu quarto na casa de Roger. Não havia pegado ainda, pois achei que era melhor mantê-los guardados, mas agora era hora de buscá-los.

Saí da caverna e comecei a descer a montanha esverdeada. Os raios solares atravessavam as folhas e iluminavam o chão lotado de raízes e pegadas de animais.

Caedes provavelmente refletiria o sol em seu corpo metálico, mas a ferrugem impossibilitava esse cenário no momento.

‘Você é um ser-vivo?’ Indaguei para minha espada enquanto a mantinha flutuando ao meu lado.

‘Sou uma arma, mestre. Posso ter perdido minhas memórias, mas o significado que me compõe ainda existe. Você me criou para devorar suas vítimas e inimigos e para isso sirvo.’ Caedes respondeu friamente.

‘Então você não tem emoções?’ Continuei perguntando ao descer a trilha até a cidade.

‘Usando suas memórias como base para comparação, não, eu não tenho. Tenho consciência e posso reagir diferentemente, mas não sei se consigo amar ou odiar como você, mestre.’

‘Amar?’ Indaguei, estranhando seu comentário. ‘Não acho que eu ame alguém. Odiar é outra história.’

‘Você não ama Stella?’ De repente perguntou.

“Quê?!” Fiquei tão surpreso que acabei falando em voz alta e assustando os pássaros descansando nas árvores acima de nós. ‘É claro que não. Seu corpo infantil não me atrai, muito menos sua personalidade ingênua.’

‘Então por que a valoriza tanto? Analisando suas memórias e comportamento frio e cauteloso, era para você ter ignorado um pedido daqueles.’ Caedes declarou, infiltrando-se nas minhas memórias. Alguns instintos reagiram a isso, mas não a impediram.

‘… Sei lá.’ Encolhi os ombros. ‘Eu sinto uma conexão com o meu eu do passado quando o assunto são crianças. Senti a mesma coisa quando encontrei aquelas crianças aprisionadas em Furtel. Não sei dizer o motivo.’

Ficamos em silêncio por mais alguns minutos até chegarmos no sopé da montanha. Entretanto, uma sensação familiar, mas nada agradável surgiu.

Meus instintos refinados gritaram e me disseram a origem da sensação. 

‘Abismo!’

‘Abismo!’

‘Abismo!’

“Entendi, porra!” Gritei, tentando parar as vozes na minha cabeça. ‘Já faz um tempo.’ Pensei ao observar um pequeno rastro do que parecia ser uma fumaça escura e vazia saindo de um ponto aleatório da terra entre a planície que rodeava a cidade.

Era obviamente a energia do abismo, o que significava que um demônio estava prestes a aparecer. ‘Parece que a deusa brilhante cometeu outro deslize protegendo a barreira entre os planos.’ Comentei mentalmente.

‘O que fará, mestre?’ Caedes indagou. 

‘O que sempre faço.’ Declarei ao empunhá-la e esperar alguma ação.

Alguns minutos se passaram, mas meu rosto se deformou em uma cara feia quando vi Stella se aproximando, vindo da cidade.

“Não venha!” Avisei, apontando Caedes. “Chame Hark, rápido.”

“O que houve?” Indagou, parando de andar antes de olhar a fumaça.

“Vá logo!” Stella finalmente percebeu a urgência em meu tom de voz e correu. 

Meio minuto se passou até que um tentáculo saiu de dentro da terra. Era vermelho e grande, uma camada gosmenta o cobria, mas rachaduras apareceram no chão e se intensificaram quando mais dois tentáculos apareceram e começaram a chicotear em minha direção.

Um deles avançou horizontalmente até mim, então desviei para baixo enquanto levantava Caedes. Para minha infelicidade, a pele era extremamente resistente e não sofreu nenhum corte.

Caedes saiu voando, quase levando meu braço junto, mas a trouxe de volta com telecinesia.

Suspirei e usei magia de vento para auxiliar minha velocidade quando os tentáculos restantes vieram até mim.

Imbuí minha lâmina em uma camada de gelo e raio e a controlei para atacar os tentáculos. A magia de vento teria mais forças que meu corpo naquele momento.

Fragmentos de gelo surgiram através do nada e voaram rapidamente até a base dos tentáculos, derramando um sangue verde e nojento.

Um grito agudo ressoou pela terra antes que os membros tentaculares voltassem para o chão. Mantive minha guarda levantada por minutos, mas nada aconteceu.

Uma figura familiar apareceu na entrada da cidade. Seus cabelos loiros esvoaçavam, mas seu corpo permaneceu imponente enquanto me observava.

“O que aconteceu?” Hark questionou enquanto caminhava em minha direção. Ele chegou perto do buraco onde os tentáculos estavam.

“Cuidado! Tem um demônio por perto!” Avisei, o que despertou a cautela do homem. Ele rapidamente recuou para trás quando entendeu a origem da rachadura.

“Relatório.” Hark pediu ao criar sete esferas de fogo instantaneamente.

“Não vi o corpo todo. Eram três tentáculos saindo da terra, provavelmente um metro e meio de largura cada um. Uma gosma cobria os membros.” Relatei assim como ele pediu. “Esse líquido verde é o sangue dele.” Complementei.

O homem tentou incendiar o sangue esverdeado, mas nada aconteceu. ‘Ele está tentando saber se esse sangue é inflamável?’ Me perguntei, mas logo retomei minha atenção.

Eu deveria sentir alguma vibração ou movimento abaixo do chão, mas não ouvi nada. Era como se o monstro tivesse deixado de existir quando sumiu da minha vista.

“Eu não matei ele. Tá por aí, em algum lugar, atrás de mim.” Declarei ao olhar em volta. “Fale para todos que não podem sangrar em nenhuma hipótese.” Pedi para Hark, que assentiu e entrou na cidade.

“Vá avisar Lívia. Ela mora na montanha da direita ao lado da que você fica, os experimentos de luz dela e de Stella costumam ter sangue derramado.” O homem ordenou antes de correr e obedeci.

‘Merda. É a primeira vez que um deles foge e se esconde, isso é péssimo.’ Pensei ao correr pelas árvores da floresta, desviando de todas em uma velocidade absurda.

Cheguei no cume da montanha de Lívia em cerca de quarenta minutos, onde apoiei a mão no chão e fechei os olhos.

Rugidos ferais, reclamações serpentinas e outros sons temíveis ecoaram no mar sombrio da minha mente quando tentei ordenar meus instintos.

Nunca tinha feito isso conscientemente, mas experimentei naquele momento. ‘Acordem.’ Declarei para todas as figuras imensas que antes dormiam.

‘Me digam a direção da cabana.’

Várias linhas de raciocínios diferentes surgiram e me mostraram inúmeras possibilidades, teorias, cálculos e perspectivas de qual seria o lugar mais provável.

Tudo isso se resumiu em uma única palavra: ‘Noroeste.’

Meus olhos amarelos se afiaram e corri montanha abaixo, até que senti o cheiro de fogo queimando por perto. Olhei para cima e um rastro de fumaça cinza apareceu.

‘O demônio voltou?’ Pensei, mas felizmente estava errado. A fumaça saía da chaminé de uma cabana de madeira entre as árvores.

Uma idosa estava sentada numa cadeira de balanço enquanto segurava um livro do lado de fora da cabana. Era Lívia, mas seus olhos estavam fechados.

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Olá, eu sou Kalel K. Dessuy!

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