Theo arrastou o aldeão nas costas enquanto caminhava pela estrada de barro do vilarejo. Embora fosse um esforço notável, ele tentava encontrar o endereço que um dos aldeões lhe entregou anteriormente. “No final da rua Rudsir, a última casa depois da ladeira”, ele recordou. Já estava carregando o aldeão por mais de uma hora, mas ele manteve sua paciência.
Finalmente, à distância, avistou uma casa que estava precisando de reparos. Era uma construção de concreto branco, o padrão do império. Possuía dois andares, mas o reboco das paredes estava desgastado e havia buracos. Uma criança estava sentada na porta, segurando uma lanterna. Ao ver alguém se aproximando, ela gritou:
— Mamãe! Papai está de volta! — exclamou uma menina.
Quando chegou à porta da casa, Theo sentou o aldeão no canto da parede enquanto esperava a esposa dele aparecer. O aldeão abriu os olhos, parecendo ainda desapontado consigo mesmo, e agradeceu:
— Obrigado, agente.
— Céus! — a esposa do aldeão exclamou, saindo de casa com uma túnica branca e rasgada. — O que você fez dessa vez?
Ele suspirou em desânimo.
— Um cavaleiro de Vagus apareceu e ofereceu quinhentas moedas para quem o desafiasse.
— Você nem sabe empunhar uma espada, como poderia desafiá-lo?!
Enquanto os dois discutiam, a menina observava os cabelos dourados e ondulados de Theo. Enquanto isso, Theo retirava a espada do aldeão da bainha.
— Aqui, senhor, sua espada. E tome isso também — disse Theo, jogando uma sacola de dinheiro. — O esforço inicial foi seu, então não me sinto bem em ficar com tudo. Acrescentei mais duas mil moedas, então…
— Duas mil?! Garoto, isso é demais. — gaguejou, surpresa.
— Não tem problema, minha família tem mais do que o suficiente. Acredito que isso possa ajudar por um bom tempo.
— Senhor bonito. — a menina chamou, com sua voz adorável e de quem estava aprendendo a falar agora. — Obrigada por salvar meu pai.
— Não foi nada. — ele respondeu, retribuindo o agradecimento com um cafuné.
— Você me trouxe para casa, mas agora está tão tarde que não posso deixá-lo voltar sozinho.
— E o que você sugere? Vai me acompanhar até a cidade e depois voltar sozinha? Não, obrigado.
— Fique aqui esta noite. — a esposa agradeceu. — Fiz um ensopado, pode não ser tão bom quanto as comidas que você já comeu, mas pelo menos não vai morrer de fome.
— Tudo bem. Vou partir à meia-noite..
☽✪☾
Além do ensopado, os moradores lhe ofereceram a cama deles e água para tomar banho, mas Theo rejeitou. Ele preferiu descansar no chão gelado daquela noite de primavera. A filha deles ficou constantemente cutucando Theo com os olhos, enquanto também olhava para um livro em suas mãos. Ao perceber isso, Theo foi até ela para ver o que ela tanto encarava.
Era um livro sobre um conto de fadas. Ilustrado de forma minimalista, mas que dava para entender tudo.
— Que conto é esse? — Theo perguntou, aproximando-se da garota.
— É o conto do herói da luz. — o pai respondeu. — Você disse mais cedo que seu apelido é Lumen, não é?
— Sim. Minha madrinha me deu este nome porque os traços da minha família lembram bastante os do herói; cabelos dourados e olhos âmbar.
— De onde você veio?
— De Louretto, em Nethuns.
— Ah… Fica bem longe daqui, agente.
Theo sorriu educadamente e desviou os olhos para o livro. Começou a observar as ilustrações, e foi quando a menina percebeu e começou a contar a história:
— O herói Lumen caiu do céu como um raio, e então purificou os vilões e heróis para que a guerra acabasse.
— Não acho que seja bem assim… — ele comentou, buscando a mãe com os olhos. Quando ela respondeu com uma careta, ele entendeu que haviam lhe contado uma versão simplificada para esconder a crueldade da história.
— Então como é? — indagou a criança, curiosa.
— Lumen caiu do céu como uma estrela cadente — Theo começou a contar, arrastando o dedo pelas ilustrações. — ele lutou contra o exército do antigo deus da guerra, Ares. Após derrotar o exército, Lumen enfrentou o próprio deus da guerra em pessoa, que não gostou da afronta de um humano considerado um semi-deus. A guerra finalmente terminou, e o deus da guerra foi derrotado. Porém, antes de ser derrotado, ele fez com que o herói da luz caísse em um sono profundo para sempre.
Theo percebeu que havia uma página a mais, então folheou o livro. Para sua surpresa, havia uma continuação para a história, onde Lumen se encontrava com uma sombra antes de morrer. A mãe notou sua curiosidade e logo explicou:
— Nunca chegou até essa parte?
— Não…
— Este é Dullahan. Um cavaleiro lendário, vestido com armadura negra e segurando sua própria cabeça nos braços. Ele é conhecido como o mensageiro da morte, pois quando ele pronuncia o nome de alguém, essa pessoa morre em minutos. É uma lenda muito falada nesta região.
“Um cavaleiro negro com a cabeça nos braços?”, ele pensou, lembrando-se do passado.
— Mamãe, então Lumen morreu?
— Sim, querida. Mas a morte não é mais do que um sono eterno.
— Então dá para sonhar?
Todos riram.
— Sim, dá.
A atenção deles foi atraída quando o sino da vila tocou, marcando meia-noite. Theo não perdeu tempo e logo se preparou para partir, pegando sua mochila e caminhando em direção à porta. A meia-noite era o horário em que os guardas de Vagus começavam a patrulhar as áreas fora das cidades e vilas, o que tornava o momento perfeito para Theo retornar à sua casa em segurança.
— Muito obrigado por tudo. — Theo agradeceu.
O casal curvou a cabeça em sinal de gratidão, tanto pela ajuda ao aldeão quanto pelo dinheiro. Theo já estava dando o primeiro passo quando o aldeão lhe deu um conselho:
— Agente, não confie em qualquer um. Mesmo que você os ajude, nunca se sabe o que eles podem fazer enquanto você dorme.
Com um sorriso irônico no rosto, Theo respondeu:
— Tenho força para isso, caso tentem. Até mais. — despediu-se, criando um redemoinho de vento que o envolveu e o fez desaparecer junto com a brisa.
— Atributo de vento… ele usou isso contra o cavaleiro. Interessante… — o aldeão murmurou, observando Theo desaparecer.