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No território de Alexander, precisamente no calabouço onde os escravos dormiam, alguns deles estavam cochichando algo entre si. A conversa tinha teor rebelde. Alguns não queriam ficar ali e servir de cobaias, outros, comentavam que os carniceiros do centro-leste estavam libertando escravos.

O fato era que ideias desse teor já estavam se espalhando pela classe mais baixa. Um boato era falado e logo reproduzido, deixando até mesmo o calabouço e alcançando parte da população escrava que trabalhava para os mais afortunados que eram aqueles que detinham poder sobre parte da população.

Noron, o território de Alexander, era governado por uma hierarquia religiosa, regido pelo pontífice que se dizia o representante da Deusa naquele plano.

O sistema político de Noron é altamente centralizado e os líderes são rigorosos em manter a ordem e evitar qualquer tipo de conflito. Para isso, eles estabeleceram um forte sistema escravagista, onde os escravos são usados para realizar árduos trabalhos enquanto a população livre se concentra em suas práticas religiosas e mágicas.

A sociedade é dividida em castas, onde a casta superior é formada pelos sacerdotes e sacerdotisas, seguida pelos nobres e comerciantes, e a casta inferior é formada pelos escravos. Aqueles que desobedecem às leis ou ofendem a Deusa são punidos com rigor e podem até mesmo serem escravizados.

A magia é altamente valorizada em Noron, sendo vista como um presente da Deusa Thitorea. Aqueles que conseguem manipular a magia são altamente respeitados e têm um papel importante na sociedade. No entanto, a magia é estritamente regulamentada pelos líderes religiosos, e o uso indevido pode resultar em punições severas.

A vestimenta tradicional dos habitantes de Noron é composta de túnicas longas e fluidas, geralmente em tons de branco ou dourado, com detalhes em prata ou ouro. Os símbolos sagrados da deusa — raízes de uma árvore — são frequentemente bordados ou estampados nas roupas. A cultura também valoriza a beleza física, e os habitantes de casta mais alta desse país tendem a ter uma aparência exótica, com traços bem delicados.

Os sacerdotes da igreja de Thitorea não tinham votos de celibato. Alguns tinham esposas e eram casados, mas somente aqueles no topo da hierarquia tinham direito a algo assim.

Numa mansão, um casal de escravos estava na cozinha arrumando o jantar. Haviam se cansado de contar as humilhações diárias que sofriam, e agora, com a notícia de que os carniceiros libertavam os escravos correndo à solta por aí, seus nervos estavam à flor da pele.

Não viam a hora de experimentar a liberdade novamente.

— O patrão quer que você vá até o mercado — disse uma escrava para o companheiro de cabelos e olhos escuros.

— A essa hora? Tsc! Esse filho da puta, quem pensa que é? Estou cansado dessa merda!

Shhh! Se ele ouvir isso vão amarrar você e chicoteá-lo, não quero ver isso novamente.

— Devíamos cravar uma faca na garganta desses desgraçados, não ficar aqui os obedecendo e com medo desses cretinos.

— Minha nossa, Paul, se controle! — ela sussurrou. — Não podemos ficar falando dessas coisas aqui!

— Eu sei, Margarete, mas isso não a enfurece?

Margarete terminava de enfeitar a vasilha com um frango bem suculento.

— Enfurece, mas você quer que eu faça o quê?

Paul se aproximou dela.

— Pense comigo, meu amor, tem muitos escravos nessa cidade, se a gente se unir, poderemos facilitar para os carniceiros virem e nos libertem!

— Essa é uma ideia ridícula! — Vestindo roupa de empregada, Margarete tinha cabelo cacheado amarrado em um coque. Era uma bela mulher de seios fartos e lábios grossos. — Você está se iludindo ao achar que eles virão até aqui. Há um longo caminho até essa cidade, e está muito bem vigiada.

Margarete pegou outra vasilha e começou a enchê-la de arroz.

— Você está com medo, mas eu não! Eu não viverei como escravo pelo resto da minha vida!

— Querido, esqueça essa ideia idiota e volte a fazer o seu trabalho.

Paul cerrou os punhos.

— Pra você é fácil falar, não é? Pensa que não sei o que nosso senhor faz com você quando a esposa dele não está? Pra você está tudo bem ser a puta do patrão?

Ela franziu os lábios e desviou o olhar.

— Não quero mais discutir com você. Aqui! — ela entregou a vasilha de vidro com arroz nas mãos dele — Leve para eles lá em cima, e melhore essa cara. Se eles virem você assim, farão perguntas.

Irritado, Paul pegou a vasilha e deixou a cozinha rapidamente. Tudo brilhava. O chão, as paredes, até mesmo os utensílios domésticos. Seu senhor gostava que tudo estivesse impecável.

Subiu as escadas e encontrou seu senhor junto a esposa aguardando o jantar. Paul apoiou a vasilha gentilmente na mesa forrada e colocou as mãos para trás.

— Isso está com um cheiro ótimo! — disse sua senhora com olhos verdes vibrantes e longos cabelos loiros. — Margarete continua sendo uma excelente cozinheira.

— Eu disse a você, querida, comprar essa escrava foi um excelente negócio. — Seu senhor era um homem corpulento de meia-idade. Tinha cabelos acinzentados penteados para trás e passava a maioria do tempo usando batina. O casal não tinha filhos. — Pode ir, Paul, vá ao mercado e me traga um pouco de nozes, sim?

Paul curvou o corpo.

— Como queira, meu senhor.

O traje de Paul era fino e elegante, como o traje de um mordomo. Ele desceu as escadas, alcançou a porta, e foi em direção ao mercado cruzando a rua.

Ao chegar lá, passou pela porta e outros homens o cumprimentaram com um aceno de cabeça.

Apanhou um saco de nozes e deu ao homem do caixa algumas moedas. Antes de sair da loja, ele desviou o caminho, indo para uma porta que ficava nos fundos. Desceu um corredor escuro até escutar um burburinho.

Era uma sala pequena cheia de homens, todos escravos.

— Pessoal, Paul está aqui!

Eles abriram espaço para ele passar enquanto o cumprimentavam dando-lhe tapinhas nas costas.

— E então, Paul, veio beber conosco?

— Do que vocês estão falando? — indagou.

— Jhony disse que os carniceiros ainda não começaram uma ofensiva — disse um velho de bigode usando boina e roupas velhas. — Desse jeito vai levar meses até eles chegarem aqui.

— Por que temos que esperar eles chegarem aqui para agirmos?

— Não é óbvio? Ninguém aqui quer morrer.

Paul enfureceu-se.

— Esse é o problema! Vamos ficar dependendo até quando de terceiros para fazer o que a gente já devia ter feito?

O velho de boina coçou o bigode.

— Garoto, você quer que façamos o quê? Não temos força para lutar contra eles.

— Tsc! Não sei porque ainda venho aqui. — ele deu as costas.

— Aonde vai?

— Para a porcaria do lugar que chamo de casa.

Paul deixou o mercado com pensamentos distantes atormentando-o. Ele estava perto do seu limite, e faltava pouco para surtar. A única coisa que o mantinha nas rédeas era Margarete, mas nem ela sabia por quanto tempo.

Retornando para casa, Paul foi até a cozinha, guardou as nozes no armário e retirou-se para seus aposentos que ficavam no andar inferior, quase no porão.

Retirou suas roupas de servo, vestiu um pijama simples e deitou-se na cama de pedra. Era um inferno viver naquele lugar daquela forma. Havia noites que escutava sua esposa ao lado do quarto, gemendo enquanto se deitava com seu patrão. Ele cobria as orelhas com travesseiros para não levantar e cometer uma loucura.

Era humilhante demais viver daquela forma.

Paul sentia-se completamente castrado. Não podia fazer nada além de aceitar tudo em silêncio, ou qualquer reclamação renderia a ele cinquenta chicotadas.

Resolveu deixar esses pensamentos de lado e adormecer. Amanhã era outro dia, quem sabe Jhony tivesse boas notícias desta vez.


Paul abriu os olhos devagar, escutando barulho no corredor. Jogou a coberta de lado e aproximou o ouvido da porta.

— Querido, sua mulher pode ouvir, por que a gente não entra?

— Aquela idiota não vai ouvir nada!

Ele abriu a porta em uma fresta, vendo Margarete aos beijos com seu senhor. Aquele homem passava a mão nela em todos os lugares possíveis enquanto Margarete parecia bem recíproca as investidas dele. Ambos adentraram o quarto de Margarete aos beijos, um quarto que ficava ao lado do de Paul.

Sua esposa parecia bem à vontade, dando risadinhas, gemendo alto e pedindo para o senhor ser mais atrevido.

Paul voltou para a cama, apoiando o travesseiro no ouvido, mas era impossível não escutar nada.

Impaciente, Paul levantou-se.

Ele estava inclinado a tomar uma decisão que mudaria completamente sua vida.

Abriu a porta do seu quarto e foi para o fim do corredor, subindo rapidamente as escadas. Pegou uma faca longa na cozinha e escondeu na calça do pijama, na parte de trás da cintura. Pegou também uma caixa de fósforos e pano seco.

Respirou fundo e subiu as escadas novamente, indo até o quarto de sua senhora. Empurrou a porta e a encontrou dormindo serena. A luz da lua iluminava parte do quarto. 

Paul foi até o lado da cama de sua senhora e a observou dormir. Retirou a faca da cintura e suas mãos começaram a tremer.

Ele respirou fundo e avançou contra sua senhora, tapou a boca dela e a esfaqueou no peito.

Crash!

Ela despertou na hora, mas não teve forças para lutar contra Paul que estava por cima dela a segurando.  Paul não parou, a esfaqueou até que ela parasse de se mover. Saiu de cima dela e recuperou o fôlego deitando-se ao seu lado. Olhou para o lado e viu aquela mulher com olhos esbugalhados encarando-o.

Paul virou-se para o lado e golfou.

Tossiu algumas vezes, limpou a boca com as costas da mão e levantou-se.

Não havia mais volta.

Acendeu o fósforo e o jogou em cima do edredom.

O fósforo apagou, então ele jogou outro.

Aos poucos a chama consumia o linho do edredom, então paul deixou o quarto enquanto o fogo gradualmente consumia tudo.

Tirou sua faca cravada no peito de sua senhora e avançou rumo as escadas. Alcançou a cozinha novamente e começou a abrir as prateleiras, apanhando uma garrafa de vinho. Tirou as rolhas e derramou o vinho por toda cozinha.

Fez isso mais três vezes, deixando toda cozinha encharcada.

Incendiou a ponta do pano com o fósforo e largou-o sobre o chão. A cozinha inteira incendiou rapidamente. Apressado, ele desceu as escadas novamente, indo na direção do quarto de sua esposa, que continuava a gemer.

Paul arrebentou a porta com um chute e viu Margarete em cima daquele homem. Ambos se assustaram com o barulho.

— P-Paul! — exclamou Margarete assustada.

— O que faz aqui, seu cretino? — O senhor escondeu as partes íntimas com uma coberta.

— Acabou, vamos embora, Margarete. Não precisa mais fazer as vontades desse desgraçado.

O senhor abriu um sorriso de canto e começou a gargalhar.

— Você é mesmo burro, eu não estava obrigando sua esposa a se deitar comigo, isso era escolha dela.

— Cala a boca! Vamos, Margarete, pegue suas coisas e vamos sair daqui!

Ela franziu os lábios enquanto segurava a coberta sobre os seios. Paul franziu o cenho.

— Margarete, o que está esperando?

— E-Eu não posso Paul…

Ele apertou o cabo da faca.

— Como assim não pode?

— Não posso! Aqui com o senhor a gente pode ter de tudo, comida, trabalho, um lugar para dormir… se eu for com você serei uma fugitiva, não posso perder tudo isso, sinto muito…

— Háhá! Viu, garoto? Abaixa essa faca e esqueço isso depois de 100 chicotadas, o que me diz?

Os olhos de Paul ardiam em fúria.

— Está dizendo que prefere viver como escrava do que ser livre?

Ela assentiu e desviou o olhar.

— Sinto muito…

Os outros mordomos começaram uma gritaria lá em cima.

— O que é isso? — indagou o senhor.

Paul partiu para cima dele entrando em uma luta corporal. Paul conseguiu cortar o braço daquele homem, mas ele logo teve o braço imobilizado.

Aquele corpo corpulento estava por cima de Paul, tentando segurá-lo. O garoto deu uma joelhada nas bolas de seu senhor e ele caiu de lado. No momento que Paul iria esfaqueá-lo, Margarete segurou seu braço.

— Não! — berrou ela. — Solta isso! — Margarete começou a arranhá-lo e Paul a empurrou de volta para a cama.

Scrash!

O senhor quebrou um jarro em sua cabeça e Paul caiu no chão, deixando sua faca cair também. Margarete correu e a apanhou, apontando a faca para o marido. Seus olhos estavam tão sinistros que Paul não a reconheceu.

Margarete ficou na frente de seu senhor, protegendo-o enquanto empunhava a faca.

Paul não considerou as consequências e partiu para cima de Margarete e fora apunhalado no braço. Sua sorte foi que sua esposa não era tão forte, então não foi um corte profundo. Ele a segurou pelo pescoço, tomou a faca de sua mão e a empurrou para longe.

Tomado pelo ódio, Paul desceu a faca no pescoço de seu senhor, transpassando-o. Seu senhor agonizou de dor e tentou estancar o ferimento sem sucesso.

Depois de alguns segundos ele estava morto.

— Não! — Margarete se rastejou até aquele homem e ficou em cima dele chorando capciosamente — O que você fez, seu idiota!

— O que eu fiz? Libertei você!

— Imbecil, eu estou grávida!

Paul franziu o cenho.

— O quê?

— Ele prometeu que se casaria comigo e abandonaria a esposa, já que ela não o deu um herdeiro — O ódio no olhar de Margarete era palpável. — Eu seria rica, seu imbecil, teria a vida que sempre mereci e você estragou tudo!

Quieto, Paul fez um rápido cálculo mental e concluiu que não havia como a criança ser dele.

— Então era isso… por isso não queria fugir comigo.

— Acha que sou estúpida como você? Sou realista! Enquanto você fica nesse seu mundinho rebelde fantasiando coisas com aqueles idiotas do mercado, eu estou aqui, pensando no meu futuro, pensando em algo palpável — Os olhos dela ardiam em cólera — Você destruiu a minha vida, eu odeio você, me ouviu? Eu te odeio!

Paul estava mais calmo.

Ele foi até a cama, pegou o cobertor e jogou para Margarete.

— A casa inteira vai pegar fogo, se eu fosse você me apressaria para sair daqui. Você ainda carrega uma criança no ventre, então se apresse e saia daqui. Se falar com a igreja, eles podem ajudá-la. Diga que foi forçada por ele e eles irão ampará-la.

— Pode me odiar o quanto quiser, mas a criança não tem culpa, vamos sair daqui.

Margarete limpou as lágrimas dos olhos e ergueu-se segurando a coberta sobre os ombros. Ela engoliu em seco e não conseguiu encará-lo nos olhos.

— Paul… eu…

— Vem, rápido!

Paul a pegou pelo pulso e começou a correr com ela para fora da casa. O lugar todo estava pegando fogo, um calor infernal. Paul decidiu ir pelos fundos, saindo em um beco deserto.

— Escuta, Margarete, diga aos sacerdotes que tudo isso é culpa minha. Eles devem deixar você em paz.

Ela continuava em silêncio o encarando.

Paul encostou na parede e apoiou a mão em seu ferimento no braço.

— O que você vai fazer? — A voz dela exalava preocupação apesar do ódio todo minutos antes. — Eles… Eles vão pegar você, é difícil se esconder nessa cidade. Os sacerdotes têm olhos e ouvidos em todo canto…

— Eu sei, mas antes de morrer vou aproveitar um pouco da minha liberdade. — ele desencostou da parede. — Adeus, Margarete, a gente não deve se encontrar novamente.

Foi a vez de ela segurar seu pulso.

— Paul, e-eu não queria ter dito aquelas coisas, eu sinto muito, por favor, me perdoa!

Ele afastou as mãos dela e deu as costas caminhando em direção a penumbra enquanto Margarete urrava o seu nome.

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Olá, eu sou Stuart Graciano!

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