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No amanhecer, Colin estava em uma colina, vendo o róseo das nuvens. Usava uma túnica escura, as mangas de lã tapavam seu braço e por baixo da túnica também usava calças escuras e botas da mesma cor.

Enquanto Colin estava sentado em uma pedra, Valagorn permanecia de pé ao seu lado, a brisa balançando os seus cabelos alvos.

— Sinto muito que sua ida ao plano astral tenha acabado assim…

Colin deu de ombros.

— Acontece — Seus olhos se voltaram para a grama que tremulava. — Fiz uma companheira lá… o nome dela era Scasya… naquela Antares, ela viu a minha mãe, e agora…

— …

— Só estou dizendo… era uma boa mulher. Acredita que, mesmo depois de tudo, ela vivia dizendo que queria me matar? E tinha que ver a cara dela comendo hambúrguer ou assistindo filme pela primeira vez…

— Vocês…

— Não, ela era uma amiga. Mesmo que fosse falso, ela viu parte do meu mundo, entende? Às vezes sinto como se eu não fosse daqui.

Valagorn se sentou na pedra ao lado de Colin.

— Também não sou daqui, mas você se acostuma. Sou o último de minha espécie, Colin, não pode ser tão ruim quanto isso. E olha para a gente, para dois forasteiros, chegamos bem longe.

Colin assentiu.

— É… acho que sim. — Seus olhos voltaram para o horizonte. — No meu mundo, Alexandre, o grande, conquistou parte do mundo conhecido na época quando tinha 32 anos. Carlos Magno tinha 26 anos quando se declarou rei dos francos. Davi se tornou rei com 30 anos, mas sou mais novo que eles. Para alguém que nem completaria um ano, eu fui bem longe.

Valagorn deu dois tapinhas no ombro do amigo.

— Você é um bom homem, Colin. Às vezes tem atitudes estranhas, mas é um bom homem.

O errante assentiu com um sorriso.

— Sabe… apesar de tudo, eu gosto disso, desse lugar. Esse mundo é mais fácil de resolver os problemas. Se não gosta de algo, você vai e destrói. Se quer algo, você toma. Mas assim como no meu mundo, aqui não se chega a lugar nenhum sendo uma pessoa normal.

Os primeiros raios de sol bateram em seus rostos.

— Vi como os nobres me enxergam, os novos que Ayla colocou no lugar daqueles que ela matou. Eles não concordam com duas rainhas, e os sacerdotes da igreja da deusa da neve não concordam que o rei tenha duas esposas regentes, ainda mais com outra “Santa” de uma religião diferente.

— E como se sente em relação a isso?

Colin deu de ombros.

— Não sinto nada. Quando me casei com Ayla, isso, esse reino, não era nem metade do que é hoje, e eles sabem disso. Fiz todos esses miseráveis ganharem mais dinheiro do que ganhariam em 3 vidas. Me converti a religião da deusa da neve para me dar bem com a igreja, enchi as missas que celebram, e agora me vem dizer o que devo ou não fazer, dizem que estou contra seus dogmas, mas se aliaram a mim por política, são um bando de hipócritas.

Valagorn suspirou, soltando vapor da boca naquela manhã fria. — Isso é governar, não importa quem ajude, ninguém nunca está satisfeito, e se estão, encontrarão outro problema.

— Sim, mas o que me deixa irado, é que eles pensam que suas regras se aplicam a mim, a nós. Reclamam dos órfãos que adotei como meus filhos, reclamam das minhas esposas, reclamam de mim. Não sei como Ayla aguentou uma vida inteira nisso.

— Talvez seja por isso. Ela cresceu no meio desse circo, sabe como as coisas funcionam.

Colin suspirou, vapor tórrido escapando de seu nariz.

— Você tem razão. Brighid e eu somos mais como soldados, entende? Nos damos melhor na linha de frente empunhando espadas, não atrás de uma mesa, falando manso com um bando de asquerosos.

O Elfo do Mar permaneceu em tranquilo silêncio. Ele se entregou ao suave trinar dos pássaros, absorvendo o calor matinal que afagava sua pele e inalando o frescor característico da grama recém-despertada.

Uma pedra próxima tornou-se palco de uma cena efervescente, onde formigas devoravam os vestígios de um besouro, enquanto gafanhotos, não muito longe dali, banqueteavam-se nas pétalas de uma margarida.

À distância, borboletas emergiam delicadamente de seus casulos e sementes, em um ritual silencioso, começavam a germinar.

Em meio a esse espetáculo natural, Colin soltou mais um suspiro.

— Essa raiva que eu sentia, que sempre senti, na verdade, esse ódio… pensei que fosse pelo fato de terem me tratado como lixo desde que cheguei aqui, mas não… isso está comigo há muito tempo… depois do plano astral, percebi que ainda estou de luto…

Valagorn apoiou a mão no ombro de Colin.

— Luto pelo quê?

— Pela criança que eu poderia ter sido. — O olhar de Colin focou nas montanhas ao longe. — Sabe… sempre senti que faltava alguma coisa, mulher, filhos, dinheiro, uma religião… tenho tudo isso, e mesmo assim me sinto incompleto… — Um falso sorriso desabrochou nos lábios dele. — Acho que parte de mim morreu na casa em que cresci…

Ele se lembrou da antares, dos dias que ficou com sua mãe no plano simulado, do quanto se divertiu, do quanto se sentiu satisfeito.

— Visitei minha mãe em sonhos…

— … E como foi?

— Ela estava feliz, orgulhosa de mim, mas não contei toda verdade… fico me perguntando se ela ainda acharia tudo isso se percebesse que seu filho não é nada do que ela imagina…

— Está se martirizando à toa, garoto. Sem você, as coisas estariam piores para essas pessoas, esse país…

— … Sei… isso me conforta, às vezes, saber que precisam de mim para algo. Realmente me importo com esse lugar, essas pessoas me amam. Uma mulher me parou ontem enquanto eu caminhava, ela nomeou o filho dela de Colin em homenagem a mim, acredita nisso?

— É uma fonte de inspiração para milhares de pessoas agora.

Colin deu de ombros.

— Talvez, mas Ayla faz um bom trabalho com a propaganda sobre mim e minha família. Algumas pessoas até veneram Brighid como se ela fosse realmente uma deusa.

— É, cedo ou tarde isso aconteceria. Existem alguns totens dela, quem sabe exista algum totem sobre você também.

— Já imaginou? — Colin sorriu. — Mas não acho que quero ser adorado assim, estou aqui para servi-los.

— Não vai dizer que não gosta de toda essa bajulação?

— Para ser sincero, gosto. Quando penso no que Brighid e Ayla são para essas pessoas e depois penso no que faço com elas em quatro paredes, me faz sentir poderoso. Subjugar gente poderosa é sempre excitante, não importa de que forma isso ocorra. 

— … Isso completa você de alguma forma?

— Completar? Não… mas confesso que levantar de manhã, olhar uma de minhas esposas dormir e vislumbrar esse império pela sacada me desperta algumas coisas.

— Que coisas?

— Me instiga a buscar mais. Depois que o continente estiver pacificado, não acho que eu pare nele. Existem outros continentes que nunca ouvi falar sobre. Tenho curiosidade para saber como são, se são poderosos, suas culturas, mas isso fica para depois.

— Bom, acredito que ficará bastante tempo nesse continente até pacificá-lo, o que não terá aqui será tédio. — Mudando de assunto… como tem sido sua estadia aqui? Faz quatro dias que voltou, né?

Colin assentiu. — Não está tão ruim. Minha preocupação seria fazer Ayla e Brighid se entenderem, e elas se entendem, mas às vezes sentem ciúmes uma da outra. É sutil, mas percebo. Meus filhos estão enormes — Colin abriu um sorriso gentil. — Meg, a mais velha, tem quase doze anos, acredita nisso? É quase uma mocinha, Tobi fará dez, e Brey fará oito… o tempo passa mesmo bem rápido.

— Meg e esse garoto, Tobi, eles têm treinado duro. Ayla os colocou com um professor de esgrima. Querem ser guerreiros como você.

Colin não parava de sorrir. — Quando os encontrei, não achei que fosse me apegar assim… eram só crianças morando em uma casa velha roubando comida para sobreviver… hoje eu daria minha vida por eles.

O Elfo assentiu.

— Entendo, e os seus filhos com Brighid, como foi vê-los pela primeira vez?

— Foi estranho… Você olha e pensa: “Fui eu mesmo que fiz isso?” E quando eles estão nos meus braços, eu me sinto em paz. Com vocês do conselho tomando conta de tudo, tenho passado mais tempo com minha família. Meus filhos com Ayla vão nascer em breve, um menino e uma menina.

— Eu soube, meus parabéns. Cinco filhos em dois anos não são para qualquer homem.

— Os velhos de Runyra que me encontram na rua acham que isso é virilidade.

— E você, o que pensa ser?

Ele deu de ombros. — Tenho um contrato com Jane, uma súcubos. Isso me deixa bem fértil.

Valagorn cruzou os braços e assentiu.

— Soube o que você e Jane tem feito nas masmorras.

— É… ajuda a relaxar.

— Entendo que queira matar sua sede de sangue que está com você desde que se tornou um Monarca, mas primeiro tem que dominar sua mente, Colin, não deixar que seu corpo tenha controle sobre você.

Após suspirar, Colin coçou a nuca.

— Tenho atributos maiores que os de um Monarca da Pujança comum, você não faz ideia do quão difícil é manter isso sob controle. Não me deito com Brighid todos os dias, e faz meses que não durmo com Ayla. Ver uma mulher como Ayla nua na minha frente e não fazer nada é torturante. Ela vive cansada, mal tem força para alguma coisa, e Brighid tem que cuidar das crianças, amamentar, limpar, essas coisas. As servas ficam me olhando estranho, são solicitas demais sem necessidade.

— É o homem mais poderoso do Leste desde Ultan, só cuidado com o número de bastardos. Não será nada comum parteiras ajudarem gêmeos de olhos amarelos a virem ao mundo.

— Não vou me deitar com elas.

— Essa é a preocupação da igreja e dos nobres. Não querem competir com os bastardos que deixar caso você morra.

— Imaginei.

— Devia descontar essa energia nos treinos.

— Treinos? Isso é para os fracos. Meu soco pode destruir uma montanha, sabia? Alguém assim não precisa treinar.

— Passe um tempo treinando com aqueles dois que se inspiram em você, passe mais tempo com as meninas, com os meninos, um pai presente faz toda diferença na criação de uma criança.

Colin assentiu.

— É… acho que você tem razão. Quero que tenham boas memórias sobre mim. Caramba, conversar com você é mesmo esclarecedor.

— Essa é a vantagem de viver muito tempo, tudo fica mais fácil de resolver. — Ele ergueu-se. — Vamos voltar, a capital está acordando.

Colin também se ergueu. — Tenho que fazer uma coisa antes.

Esticou o braço direito e um círculo a sua frente se abriu, serpenteando faíscas por todos os lados. De dentro, Claymore saiu, uma criatura enorme e grotesca.

— Como prometi, esse é o mundo fora daquela Antares.

Sentada como um cão, a criatura observou tudo deslumbrada.

— É bonito… posso mesmo ir até aquelas montanhas lá na frente?

— Pode ir até onde quiser.

Claymore se virou para ele com aquele pescoço longo e lambeu seu rosto algumas vezes com aquela enorme língua bifurcada.

— Ei, ei, não preciso de um banho agora — brincou.

Ela o lambeu uma última vez e trotou para longe, correndo nos céus, conjurando círculos mágicos por debaixo dos pés a cada passo.

— Isso… é Claymore?

— É… uma boa garota. Pode ir na frente, te acompanho mais tarde.

— Certo — disse Valagorn se afastando. — Te vejo no palácio.

Colin observou silenciosamente enquanto Claymore se distanciava, desaparecendo no horizonte. Voltou a se sentar na pedra, perdido em seus próprios pensamentos, enquanto seus olhos se fixavam no vale que se banhava em tons dourados pelos raios do sol.

Na solidão daquele momento, o sorriso arrogante que sempre adornava seus lábios desapareceu, substituído por uma expressão mais vulnerável.

A lembrança das palavras cortantes de Gorred ecoava em sua mente. Durante a fervorosa batalha, ele havia conseguido ignorar as feridas do passado, mas agora, sem a presença de testemunhas, a verdadeira intensidade daquelas palavras o atingia.

As memórias de seu pai, sua mãe e o abuso sofrido emergiram dolorosamente.

No calor do confronto com Gorred, Colin havia suprimido essas lembranças, mas agora, na solidão, o peso do que ele suportou no passado se fazia sentir.

Celae sacrificara sua vida por ele, e Colin não a culpava por isso. Ele compreendia o valor do sacrifício, ainda mais se fosse pelo bem dos filhos. No entanto, a ferida mais profunda residia na indiferença de seu pai.

Apesar de todos os esforços de Colin, seu pai nunca demonstrou interesse ou cuidado quando Colin mais precisava de proteção.

Colin abaixou a cabeça, seus cabelos dançando ao vento, e seus olhos se encheram de lágrimas, que rolaram silenciosamente por seu rosto até encontrarem a grama abaixo.

Mesmo ao tentar enxugar as lágrimas, elas teimosamente persistiam. Sem a necessidade de manter a fachada de força para os outros, ele permitiu-se chorar, desabando como uma criança.

O peso emocional era mais insuportável do que qualquer ferida física infligida por Gorred, pois não era seu corpo, mas sua alma que estava em agonia. Em um gesto de vulnerabilidade, Colin segurou uma das mãos sobre o coração.

— Coen está errado… — sua voz embargada. — Eu não sou um erro…

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Olá, eu sou o Stuart Graciano!

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