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Capítulo 37 – Isso Não é Magia

Seu rosto ainda era o mesmo, Akira retribuiu o abraço e logo me soltou.
— Vocês não perderam nada aqui, voltem pra casa — ele ordenou.
Fisicamente, Akira ainda era a mesma pessoa, mas algo estava diferente, seu semblante estava cansado, com olheiras abaixo de seus olhos caídos.
— O que aconteceu? Não parece muito bem? — perguntei preocupada.
— São só algumas coisas que tenho que lidar, nada demais — respondeu brevemente. Após um breve silêncio, continuou — Por que estava atrás de mim?
— Eu que te pergunto, por que estava correndo?
— Não sei, foi automático, nem tinha percebido que era você.
— Ainda continua atrapalhado, não é?
— E você continua descuidada, gritando o nome de uma outra pessoa no meio do submundo.
Nós nos encaramos por alguns segundos, até que não resistimos e rimos um do outro.
— Há quanto tempo está em Antares?
— Nem me lembro direito, deve fazer uns 2 anos — ao terminar de falar, escutamos mais passos a se aproximar — Vamos pra outro lugar, aqui não é um bom lugar pra conversar.
— É, concordo.
Akira me guiou pelos prédios, passando por cima de telhados pela cidade, indo em direção à uma grande caixa d’água sustentada por vigas de ferro ali perto. As belas luzes daquela região criavam uma vista indescritível, o vento que corria, soprava meu rabo de cavalo aos céus juntamente com o manto de Akira, que tirou seu capuz.
— Então quer dizer que a fofoca é real? — ele disse de repente.
— Que fofoca?
— Uma jovem de cabelos roxos, nunca vista na capital, está no exército Antariano.
— As pessoas estão falando de mim?
— Algumas vezes.
— O que posso fazer se sou irresistível aos olhos de qualquer um? — meu orgulho estava nas estrelas.
— Continua convencida…
— E você continua um invejoso.
Nós botamos o papo em dia, contei histórias sobre os dias que passei ao lado de Noelle, Shosuke e Frost, enquanto Akira ria de cada uma delas.
— Mas e você? O que esteve fazendo aqui esse tempo todo?
Seu semblante mudou gradativamente, olhando para a cidade abaixo de nossos pés.
— Eu… tava tentando arrumar essa bagunça.
— Se tá tentando varrer as ruas do submundo, vai precisar de algumas vassouras e mais gente.
— É, a gente tá procurando uma galera…
— Boa sorte, cara… Enfim, desistiu da sua viagem?
— O que?
— Da última vez que a gente se viu, você disse que tinha que cruzar o continente inteiro pra chegar a algum lugar.
— Ah, isso… Algumas coisas aconteceram desde que cheguei aqui, conheci pessoas e vi coisas, mas não quero falar disso agora.
— Entendo… deve ter sido difícil passar 2 anos nesse lugar.
— Quem dera fosse esse o problema.
— E qual é?
— Nada que você precise se preocupar — em uma tentativa de mudar o assunto, Akira perguntou — Por quê tava me procurando?
— Verdade! — eu tinha me esquecido completamente do meu objetivo — Aparentemente você foi visto em um bar trocando algum objeto com um criminoso procurado e perigoso. Achei que seria você pelo símbolo no manto e pedi para vim ver isso pessoalmente.
— Quer dizer que agora eu tô na lista de procurados também?
— É isso aí…
— Se esse é o caso, por que não me prende?
— Quero acreditar que você não tá fazendo nada de errado.
— Você tá certa então.
— Então por que não vem comigo e explica isso? — disse a primeira ideia que veio à minha mente.
— Duvido que eles me escutem. Além disso, não estamos do mesmo lado, tem coisa maior do que eu e você nessa história.
— Eu não tô entendendo o que você tá falando, mas se me explicar posso falar com eles. Eu tenho uma certa moral lá — meu sorriso orgulhoso veio à tona.
— Foi mal, Saki — ele se levantou rapidamente — Sei que não sabe o que tá acontecendo e por te considerar uma amiga, é melhor te manter longe disso — Akira saltou para o telhado mais próximo de nós.
— Espera! — gritei.
— Não me segue! — gritou de volta.
— E lá se vai ele — disse em um suspiro — Pelo menos cê tá mais esperto, idiota — um sorriso bobo veio ao meu rosto.
Olhando-o ir embora debaixo de todas aquelas luzes me deixou com milhares de dúvidas e sentia que correr e capturá-lo não ia me levar a lugar algum. Pensei ter vacilado ao alcançar meu objetivo e apenas bater papo com ele, isso fez uma culpa tremenda cair sobre mim.
— Deixou o suspeito fugir? — Rosa estava enfurecida com meu relatório.
— Escuta aqui! — Elevei meu tom de voz inconsequentemente — Ele conhece o lugar melhor do que eu, só perdi ele de vista.
— Tá legal — Frost interrompeu com seu semblante altruísta de sempre — Vamos deixar a conversa para amanhã. Saki, amanhã seu treino será pesado, descanse bastante.
— Tá me dispensando?
— Nada disso, só o fato de conseguir o nome do sujeito já foi de grande ajuda.
— Poderíamos ter pego ele!
— Mas não pegamos — O cabelo e o rosto de rosa pareciam um só com sua raiva.
— Vou pegar ele da próxima vez — meus pés se moverem sozinhos, escapando da bomba ambulante que era aquela mulher — só preciso estudar um pouco mais a situação.
— Tenha uma boa noite, Sakizinha!
— Da próxima vez… — escutei rosa repetindo a frase diversas vezes antes que sua voz saísse do meu alcance.
Na manhã do dia seguinte, senti como se meu corpo tivesse sido esmagado por um caminhão e isso estava nítido em meu rosto. Noelle estava na cozinha, comendo o que se parecia com um pão quentinho com suco.
— Bom dia… — sua expressão alegre sumiu assim que viu meu cabelo completamente destruído pelo cansaço — Você tá bem?
— Pra você também — respondi após um longo e exaustivo bocejo — tô bem sim…
— Tem certeza? Parece que seu rosto foi amassado por uma melancia.
— Nem todo mundo consegue manter uma aparência bela e perfeita que nem você pela manhã.
A vermelhidão veio sobre as bochechas de Noelle e meu cérebro demorou alguns segundos para processar o que havia dito.
— Digo, é, tô querendo dizer que você tá bonita sempre… — minhas palavras trouxeram ainda mais constrangimento.
Noelle continuou sem palavras.
— Obrigada… eu acho… — seus olhos se escondiam por debaixo do cabelo.
Eu tinha que admitir, vê-la daquele jeito me deixou babando de boca aberta. 2 anos e meio se passaram desde que a gente se conheceu, nos tornamos melhores amigas, melhoramos juntas, nos conhecemos cada vez mais e contamos segredos uma para a outra. Mesmo tendo nos tornado tão próximas, meu coração ainda acelerava quando via seu cabelo prateado balançando junto ao seu sorriso e às vezes me pegava admirando sua beleza estonteante em várias situações, ainda assim, eu não sabia o que era aquele sentimento.
— Eu vou indo primeiro, a gente se encontra lá — ela saiu correndo para o armazém.
Meu rosto estava igual a um tomate e minha mente exalava uma densa fumaça de tanta vergonha. Eu me recompus rapidamente ao lembrar que iria atrasar para o treinamento importante daquele dia.
Me arrumei em segundos e fui correndo para o armazém. No caminho, meu corpo começou a se cansar mais do que o habitual, minha mente foi ficando tonta e minha vista turvava. De repente, por mais que meu corpo estivesse correndo, eu parei de senti-lo, minha visão começou a se entortar até que minha cabeça alcançasse o chão.
Tudo ficou escuro em um simples piscar de olhos, tentei abri-los forçadamente e quando consegui, uma criatura de face demoníaca sorria para mim, seus olhos malignos perfuravam meu crânio e seu sorriso me paralisava. Não havia nada à minha volta, mas meus pés tocavam o chão sólido do vazio, meus sentidos foram recuperados e enfim pude ouvir a voz da criatura. Ele dizia um “Boa noite” com sua voz sombria e sinistra, carregada de maldade que enviava arrepios pela minha espinha, acenava para mim como uma despedida.
Ao fechar o sorriso, me fez despencar no meio da escuridão. Eu gritava assustada até meu corpo se encontrar subitamente com uma superfície macia, porém desconfortável. Me levantei agilmente, procurando entender onde estava, olhava para os lados procurando um norte, mas tudo que via era um vazio imensurável. No primeiro passo que dei, ouvi o som de algo se quebrando, era o caule de uma flor, foi então que percebi que estava em um lindo jardim de flores amarelas, brancas e violetas. As flores lentamente começavam a derramar um líquido vermelho, eu verifiquei rapidamente o que era o líquido e pelo cheiro, deduzi que era sangue. O belo jardim estava coberto de sangue.
Nada estava fazendo sentido, mas tudo parecia real demais para mim.
— Está ruindo… — a voz de antes voltou a soar.
Tentei perguntar o que estava acontecendo, mas minha voz não saia.
— Não pode estar aqui ainda, não evoluiu o suficiente — ele reclamou — não sei quanto tempo você vai me fazer esperar, mas saiba que a Rainha não tem a mesma paciência que eu.
Eu logo soube quem ele estava se referindo, lembrando a mim que meu tempo não era infinito.
Assim que seu rosto maquiavélico desapareceu, senti meu ser sendo ejetado para a superfície de um oceano. Eu acordei. Minha respiração estava pesada, porém, mesmo com as pernas fraquejadas, me levantei cuidadosamente.
— Tenho que me apressar — disse em um suspiro, caminhando de volta para meu destino.
Acreditando que tudo não passava de uma alucinação, me apressei para minhas atividades diárias. Ao chegar no armazém, encontrei Frost, em um combate corpo a corpo com Noelle.
Nesses 2 anos no exército Antariano, nosso treino foi focado em artes marciais, tanto as minhas habilidades, quanto a dos meus companheiros se expandiram consideravelmente. Como uma aspirante a Bruxa Celestial, Noelle acabou dividindo seus estudos, equilibrando seu físico e seu poder mágico, chegando próxima ao dominar o conceito primordial da mana.
Diferentemente da minha amiga, decidi focar apenas em meu físico e deixei de lado o aperfeiçoamento da minha magia. O pouco tempo que a utilizei foi o suficiente para entender que usá-la consome bastante da minha mana e do meu corpo, então precisei melhorá-lo.
— Iai! — os cumprimentei.
— Bom dia, flor do dia! — Frost respondeu sem tirar os olhos de sua oponente.
— O que vai ser hoje? — eu perguntava enquanto prestava atenção nos movimentos que Noelle executava, ela estava centrada em cada golpe, dando tudo de si para não errar.
— Só um minuto, já vamos termi… — ele foi interrompido pelo punho da sua aprendiz.
Todos ficaram sem reação, eu não conseguia acreditar que alguém finalmente havia conseguido o acertar. A expressão de Frost era impagável e Noelle ainda estava entendendo o que aconteceu.
Quando processou o que havia feito, seus olhos se arregalaram, ela deu um grande passo para trás e pôs a mão em seu rosto envergonhado.
— Me desculpa, Sr. Frost — ela gritou.
O silêncio permaneceu.
— INCRÍVEL!— Frost exclamou com alegria estampada em seus olhos — Esse foi um belo soco, execução impecável, impacto perfeito…
— Tenho que admitir, foi impressionante. — Noelle abriu um sorriso, satisfeita e envergonhada com os elogios
— Muito bem, vamos parar por aqui — Frost apareceu abrindo com toda a força o portão do armazém.
Noelle e eu olhamos para as duas pessoas idênticas bem na nossa frente e o brilho em nossos olhos sumiu em segundos.
— Tá de sacanagem? — eu esperneei para seu corpo original que caminhava em nossa direção.
— Calminha ai, garota — seu sorriso idiota não desgrudava de seu rosto — Acertar um golpe desse em um clone meu é um grande avanço.
— Fala sério, você sempre quebra o clima com esses truques sujos.
Rindo como uma criança, Frost se aproximou de sua réplica e a fundiu em seu corpo, tornando-se um novamente.
— O que tem de sujo em um clone de gelo com 50% do meu poder mágico?
— Eu acabo com tua raça… — grunhi para ele.
— Tente outra hora, vamos encerrar por hoje.
— O quê? Mas por quê?
— Você tem coisas mais importantes para fazer e a jovem Bruxa Celestial está prestes a finalizar seu treinamento físico. Não vamos forçar nossos corpos à exaustão.
— Então é isso? Acabou?
— Não… tem uma coisinha que ainda temos que testar.
— Sobre o que está falando? — perguntou Noelle.
— Bem, Noelle, consegue me dizer a diferença entre magia e feitiçaria?
— Claro — respondeu como se a resposta estivesse na ponta da língua — a magia é a capacidade humana de moldar a mana a sua vontade baseada na forma de seu núcleo mágico. Enquanto isso, a feitiçaria reescreve as propriedades da mana e a modifica ao seu bel prazer.
— Muito bem! Parece que fez o dever de casa— ele riu orgulhosamente — Agora, Saki… se lembra de quando perguntei sobre qual era a sua magia?
— Mais ou menos… lembro de ter dito que não sabia ao certo, na verdade, ainda não sei.
— Exatamente. Eu andei estudando esses conceitos básicos e criei uma teoria.
— Os poderes de Saki ainda são um mistério. Não há nada no diário sobre algo parecido.
— Não sei se já percebeu, mas enquanto lutava contra meus clones de gelo, seus status de velocidade se elevavam a cada golpe.
— Sim… por mais que estivesse cansada, meu corpo se movia ainda mais rápido, mas pensei que fosse apenas a adrenalina no sangue.
Naquele momento, eu tentava procurar uma razão para o que Frost estava dizendo. Sempre que utilizava “O Sangue da Lua” era apenas para aumentar minhas capacidades, nunca foi algo difícil de usar e entender.
— Saki, quero que faça algo.
— O que?
— Acerte isso usando o… — enquanto criava uma cópia gélida ao seu lado, ele se deu conta que não sabia como chamar a minha magia.
— Lua de Sangue — respondi com o peito estufado.
— Nossa, que nome extenso… — seu rosto desaprovava cada palavra que havia escutado.
— Não tenho culpa, foi assim que aprendi — tentei me defender.
— Certo, depois criamos um nome melhor. Agora ataque esse clone usando esse tal “Sangue da Lua”
— Tá legal.
Fortalecendo apenas meus punhos, desferi um soco direto no peito do clone. Toda a parte do seu corpo do peito para cima se desmontou e caiu ao chão. Frost tinha uma expressão intrigante, enquanto Noelle, assim como eu, tentava entender qual o propósito daquilo.
— Perfeito, faça mais uma vez — criando outra réplica de si mesmo.
Sem questionar, o fiz.
— Ótimo, ótimo — ele andava de um lado para o outro empolgado — isso diz bastante coisa, mas ainda precisa ser melhor analisado, se eu estivesse com meu equipamento poderia descrever com mais detalhes e traçar algo mais concreto, mas isso vai servir — seu pensamentos pareciam não ter mais fim, diferente da minha paciência.
— Fala logo o que isso quer dizer? — tentei pará-lo com um grito.
— Acho que entendi… — Noelle interrompeu — É complicado afirmar isso a olho nu, mas é possível que a magia aplicada no clone tenha influenciado no seu segundo golpe.
— Isso quer dizer que… — as coisas finalmente fizeram sentido para mim.
— Exatamente. A mana infundida em seu punho certamente era magia, mas mesmo que involuntariamente, é possível que seu corpo tenha modificado sua natureza nesse curto espaço de tempo.
— Em outras palavras — Noelle mal conseguia conter sua empolgação com a nova descoberta, tanto que suas orelhas se levantaram como a de um gato eufórico — isso é feitiçaria.

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Olá, eu sou Smaell!

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