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Enfim, chegaram ao deserto. A gramínea foi substituída pela areia de forma brusca. A brisa ficou mais seca e o sol mais quente. O cheiro de enxofre se intensificou e um cheiro pobre de cadáver também se juntou aos aromas do ar.

Clara tirou da mochila os acessórios que precisariam usar a partir daquele ponto. Renato tirou a camiseta de manga curta que estava usando e a substituiu por uma de manga comprida e tecido grosso. Pegou o tagelmust, um tipo de véu, e pôs na cabeça. Clara também fez o mesmo. O calor, sob todo aquele pano, estava a ponto de ficar insuportável. Mais um pouco e cozinharia, concluiu o garoto. Porém, ficar com a pele exposta, no sol terrível que brilhava naquele céu roxo-avermelhado estava fora de questão.

As botas de Renato afundaram na areia quente e macia. Poeira incomodou seus olhos. Ele enxugou o suor escorrendo da testa que estava quase vencendo a barreira da sobrancelha.

— O ar ficou mais fedido!

— Quanto mais próximos do Cemitério estivermos, mais o fedor de carniça vai ficar forte; e a Floresta Perdida fica bem ao lado dele. É melhor você ir se acostumando com o cheiro.

— Como se desse! — Ele fez uma careta.

— Vamos apertar o passo! Daqui a pouco começa a anoitecer e aí sim vai ficar ruim!

— Tá dizendo que ainda não ficou?!

— E tome cuidado. A partir daqui, existem monstros. Preste atenção onde pisa.

Renato pisava com cuidado, olhando bem o chão, mas os picos de areia não deixavam que enxergasse longe; e a poeira não parava de incomodar os olhos, e um incômodo, como uma comichão, começou a arranhar a garganta. Clara estava na frente, tinha passos mais firmes, embora até ela parecesse cansada.

Ela parou no alto de uma duna. Renato a alcançou; já ia passar por ela, quando a mão da súcubo o deteve.

Renato finalmente viu logo abaixo uma formação estranha na areia, como um grande funil mergulhando no chão. Devia ter, pelo menos, uns 20 metros de raio; e no fundo, alguma coisa, escondida sob a areia, se mexia. Renato viu duas projeções se movendo em direção aos dois, como antenas de um inseto gigantesco.

— Está nos farejando — disse Clara.

— O que tem ali?

— Formiga-do-sol.

— Uma formiga?

— Do tamanho de um leão; com uma mandíbula capaz de cortar aço. Se cair ali, já era. Ela usa as antenas para jogar areia em você, e assim o chão de areia fofa se desprende e você vai escorregando até o fundo, enquanto inutilmente tenta escalar. Quanto mais você tenta, mais a areia se desprende e mais você desce em direção à formiga. A última coisa que vai ver são as mandíbulas se fechando contra seu crânio.

Renato olhou lá para baixo e viu mais uma vez as antenas se movendo em direção a ele. Engoliu em seco.

— Melhor darmos a volta.

— Sim.

Rodearam em volta do funil na areia, com cuidado.

— Se tem uma, significa que tem mais. Elas não vivem em colônias como as formigas da terra, mas ainda assim vivem próximas umas das outras.

Continuaram andando, passando ao largo de todos os funis na areia que encontraram; e não foram poucos.

Chegaram em uma região onde as dunas ficavam menores e, ao invés delas, gigantescas rochas se erguiam, como montanhas. Elas, como se estivessem empilhadas uma ao lado da outra, formavam corredores que se estendiam até onde a vista alcançava.

Clara parou e olhou para o céu. O sol estava mais fraco, se direcionando para o ponto do horizonte ao oeste onde se recolheria. Ela guiou Renato até uma dessas rochas, que tinha um buraco que se projetava para dentro, formando uma caverna.

— É aqui que vamos acampar. Não toque na rocha, Renato, ou vai se queimar. São quentes como uma panela no fogo.

Ele olhou para a caverna, receoso.

— Então aí dentro deve ser um forno.

— E é, mas é disso que vamos precisar — respondeu ela, bebendo um pouco de água. Limpou o canto da boca com a mão e passou a garrafa para o garoto.

Enquanto ele bebia, ela pegou a mochila das costas, abriu-a e tirou de dentro um grande pedaço de tecido, parecido com um cobertor, desdobrou-o e o estendeu no chão, onde sentaram-se.

O vento havia ficado mais forte. O fedor de cadáver, mais intenso. Tiveram que fechar os olhos para protegê-los de toda a areia que se agitava em redemoinhos. Renato enxugou a testa. Bebera água há tão pouco tempo e já estava com a garganta seca novamente. Passou a língua nos lábios para umidificá-los.

— É… — disse ele — agora tá ficando com cara de inferno mesmo.

— Nem começou ainda! — disse Clara, e teve que cuspir porque areia entrou em sua boca.

Ficaram ali, parados, esperando; e o sol, sem a menor pressa, foi desaparecendo atrás da abóboda celeste. O escuro, enfim, tinha chegado; e o calor, aos poucos, se tonava menos intenso.

O céu, ainda avermelhado, foi como se ficasse mais translúcido, e finalmente Renato viu as estrelas. E para sua surpresa, eram bonitas. Diferentes daquelas que conhecia, mas não muito.

— As estrelas também são falsas?

— Não. Elas são de verdade. — Clara suspirou e se ajeitou, tentando ficar o mais confortável possível. — Alguns hipotetizam que todo o Submundo, na verdade, não fica num outro plano da Terra, segundo a crença comum, mas sim em outro planeta. Se essa hipótese estiver certa, então é possível que o Sol, na verdade, seja uma dessas estrelas que estamos vendo ali em cima, e bem do ladinho estaria a Terra. — Ela se ajeitou novamente e começou a brincar com uma mecha de cabelo que saía por baixo do tagelmust. —  Bom, é só uma hipótese. Pelo menos sabemos que as estrelas são reais. Talvez sejam as únicas coisas bonitas que realmente podem ser vistas no Inferno.

Renato olhou para a súcubo.

— Não são as únicas coisas.

Clara sorriu, parecendo tímida. Algo raro!

— Você é um bobo! Caiu perfeitamente nos meus encantamentos de súcubo! —  Ela simulou uma risada vilanesca — Eu enfeiticei você, humano, e agora você é meu escravo! Vai ter que fazer tudo o que eu mandar!

— Dependendo do que mandar, eu faço com prazer. — Renato tinha certas coisas em mente.

Ela sorriu e pôs a mão no queixo, pensando.

— Hum… faz tempo que não brinco de dominatrix.

Para o azar de Renato, no entanto, o tagelmust que Clara usava, como também protegia a boca, abafava as palavras, tornando-as meio confusas, às vezes.

Ele ergueu uma sobrancelha, perplexo.

— Omnitrix? Eu não entendi. O que o Ben 10 tem a ver com isso?

Clara bufou e cobriu o rosto com as duas mãos, frustrada.

— Ai, meu grande Lúcifer! Por que ele tinha que ser tão burro?

E começou a gargalhar.

Ficaram ali, sentados, conversando, mais um pouco, até que finalmente sentiram frio. A temperatura parecia cair a cada minuto. Se continuasse assim, desceria abaixo de zero em questão de horas. Clara disse que precisavam aguentar mais um pouco. Depois de cerca de uma hora e meia, ela se levantou e disse que podiam entrar na caverna.

— Cuidado — disse ela —, as paredes ainda podem estar quentes.

— C-certo! — disse Renato, que começara a tremer de frio.

O interior era quentinho e, com um pouco de imaginação, poderia até mesmo ser aconchegante. Estenderam o pedaço de tecido no chão e se deitaram para dormir. Renato até tentou algumas gracinhas, cutucando Clara, fazendo cócegas, que ela revidava heroicamente, mas o cansaço estava tão grande que ele apagou sem nem notar; e logo em seguida, ela fez o mesmo.

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