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Assim que caiu no escuro do nada, todo o fogo que brilhava atrás dele desapareceu. Não havia mais o calor, muito menos o frio; temperatura era coisa criada por Deus, e naquele lugar não havia nada assim.

Renato apenas estava flutuando no nada, no completo escuro. Notou, com surpresa, que uma única esfera luminosa havia seguido-o, e flutuava atrás dele. Tinha o tamanho de uma bola de futebol, tremeluzia e fazia movimentos ondulatórios, subindo e descendo.

E, logo em seguida, apareceu a grande jaula de diamante e, dentro dela, a figura disforme presa por correntes douradas. A criatura tomou a forma humana assim que notou a presença do rapaz.

Renato tentou falar, mas a voz não saiu.

“Sem ar. Suas cordas vocais não funcionam” Arimã falou em sua cabeça.

“Você… esteve bastante sumido pelos últimos dias, não esteve?”

“Eu estava meditando. Não posso lhe atender sempre que você quiser, Renato.”

“Sabe onde eu estava?”

A criatura olhou com atenção para o garoto.

“Considerando essa cicatriz gigantesca no seu espírito, consigo imaginar. Os anjos te jogaram no Gehena.”

“É. Não foi muito legal. Foi meio… tipo uma prisão… uma tortura que dura para sempre, entende?”

“Não posso imaginar” respondeu Arimã, mas tinha sarcasmo em sua voz. Ele ergueu os braços, para mostrar as correntes que lhe mantinha preso, só para deixar claro  que ele sabia como era.

Renato começou a sentir uma queimação no peito e aquela agonia repentina de quem prende a respiração por tempo demais.

“Eu preciso voltar. Voltar pra terra.”

Arimã abaixou o rosto, tentando esconder o riso.

“Tem um jeito. Mas não vai ser como da outra vez. Quando eu te trouxe aqui daquela vez, apenas seu espírito desceu. Te mandar de volta era mais fácil. Agora, teu corpo também veio. Vai ser mais drástico.”

“Para de enrolar! Dá ou não dá?!” A falta de ar já estava deixando Renato sem paciência.

“Já falei que dá. Aquela esfera brilhante é um fóton que veio com você do Gehena. Ele faz parte da criação de Mazda. Você só precisa pôr suas mãos nele e abri-lo ao meio. Isso rasgará a realidade e abrirá um caminho para a Criação. Mas… preciso te informar: provavelmente vai causar a morte de muita gente.”

Renato parou e franziu o cenho. Achou que tinha entendido errado.

“Vai causar o quê?”

“A morte de muita gente, óbvio. Dezenas de milhares, provavelmente; milhões, talvez. O único modo de voltar, Renato, é abrindo um rombo, um rasgo na realidade. Vai quebrar a Criação para poder entrar nela. Isso pode ocasionar muitas catástrofes em vários pontos do universo, inclusive na Terra. Na prática, vai causar terremotos, maremotos, explosões, talvez até chuvas de meteoros. Vai ser cataclísmico. Milhares deverão morrer; talvez milhões.”

“Espera! O quê?! Eu só quero voltar pra casa! Não quero matar ninguém! Eu só quero…” Estava ficando sem ar.

Arimã estendeu uma de suas mãos e criou oxigênio. Renato conseguiu respirar. Estava assombrado.

“Esse oxigênio, Renato, é de melhor qualidade do que aquele que meu irmão fez. Os cálculos para a fabricação dele estão mais apurados.”

“Parabéns por isso, mas eu não quero saber de cálculos agora! Já vi cálculos demais nos últimos dias! Tem alguma forma de voltar sem causar essa catástrofe toda? Eu preciso saber! Por favor, me diz!

“Não tem. É impossível. Seu corpo é denso demais. Só consegue voltar dessa forma.”

“Não é justo eu matar tanta gente só pra… pra… eu seria egoísta demais, não seria? Não é justo com todas aquelas pessoas.” Renato sentiu a garganta começando a arder e as lágrimas querendo escapar dos olhos. Ele fez o possível para manter a compostura.

“Justiça é um conceito inútil” respondeu Arimã. “Mas, se quer saber, tem mais algumas informações que precisa considerar antes de tomar sua decisão. Se você não voltar, Renato, os anjos, numa tentativa de apagar qualquer evidência de que você já existiu, vão matar todas as pessoas que te conheciam. Como punição, vão matar todas que foram gentis com você, e os familiares delas também. Não apenas aquelas duas garotas cristãs, não só a súcubo. Vão matar todos os alunos da escola em que você estuda, incluindo seus amigos, e todos os funcionários da escola também; vão matar seus pais adotivos e sua irmã; e todos aqueles seus irmãos do orfanato. Também vão matar aquele senhor do bar Pinga Dourada, que deu água e emprestou o telefone pra você e aquelas duas meninas depois que foram liberados por aqueles agentes do governo. Vão matar as duas filhas do barman também. E os anjos são cruéis, sabe? São mais sádicos do que muitos demônios. Eles não vão pegar leve. Se você não voltar, todas essas pessoas vão morrer com bastante sofrimento. Se voltar, elas vivem, mas outras mais morrem no lugar. E aí, Renato, o que você escolhe? Vai salvar a vida de todas essas pessoas que te conhecem, te amam ou pelo menos foram gentis com você; e matar milhares de pessoas que não têm nada a ver com o assunto; ou vai poupar as milhares de pessoas desconhecidas sacrificando todas as pessoas que você conhece?”

Arimã já não estava mais conseguindo esconder que estava se divertindo bastante enquanto explicava as condições ao garoto.

Renato engoliu em seco. Estava sem palavras. Não sabia o que dizer. Fechou os olhos e pensou. Lembrou dos tempos do orfanato e finalmente não conseguiu segurar o choro. Foram tempos difíceis. Ele era um garoto rancoroso que tinha visto, recentemente, os pais serem mortos. Aquelas crianças lhe acolheram, fizeram um lar aconchegante, tendo como substrato aquele lugar gélido e sombrio. São muitas memórias envolvidas.

Lembrou dos seus pais, que lhe deram um lar de verdade, com pai, mãe, irmã, uma cama macia, escola e comida quentinha. Foram eles que mostraram a Renato que o mundo tinha mais coisa além da pura morte e sofrimento. Foram eles que fizeram Renato entender que valia a pena continuar respirando.

Hiro, seu único amigo da escola por muito tempo, que o defendeu quando uns valentões decidiram pegar o garoto excluído, cheio de rancor, que sentava no fundo da sala, para fazer bullying. Renato não revidava, apenas se encolhia, não de medo, mas por simplesmente não ligar mais.

Lembrou de Clara, Jéssica e Mical, que mostraram algo mais interessante no mundo. Clara o enchia de vontade, tesão e ânimo para explorar as coisas desconhecidas, a magia, o encanto; Jéssica e Mical lembravam que o mundo fazia vítimas, e que essas vítimas deveriam ser protegidas e cuidadas. “Elas são inocentes” pensou. “Em nenhum momento deixaram de ter esperança”. Elas eram, para Renato, um bom exemplo. Algo a ser admirado.

“Me desculpem” mentalizou Renato, pensando nas outras milhares de pessoas que ele não conhecia, mas que tinham suas próprias histórias, e sonhos, e arrependimentos, e futuro.

“Eu vou voltar.”

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Olá, eu sou Max Sthainy!

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