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Renato ainda se debatia, tentando livrar-se dos dentes da criatura, mas o peso do monstro sobre seu corpo o imobilizava, e a coisa parecia que estava saboreando o sangue quente que escorria para sua língua e descia pela garganta.

Quando o garoto achou que finalmente teria seu corpo partido ao meio, a mordida se afrouxou e perdeu pressão. Era como se o lobisomem o estivesse soltando lentamente.

Como seu rosto estava sendo empurrado contra o chão, raspando nas pedras e no asfalto, Renato não pôde ver direito o que estava acontecendo; mas, pelo canto do olho, viu um brilho, uma luminosidade intensa e branca, e finalmente distinguiu a figura de Angélica no meio de toda aquela luz.

Com suas asas brancas e douradas abertas, e envolta em luz, ela era mesmo como um anjo. Seus olhos dourados lembravam raios de sol refletindo no ouro. Imponente como alguém da realeza.

E, em volta dela, tentáculos de pura sombra se moviam, como as serpentes na cabeça da medusa. Pareciam ter vida própria. Eram escuros, mas ainda assim transparentes. Cortavam a luz intensa, como lâminas feitas da mesma substância que a noite. E dois desses tentáculos iam na direção de Renato e seguravam firme, um na mandíbula do lobisomem; o outro, na maxila; mantendo a boca dele aberta à força. E foi por isso que a criatura desfez a mordida.

E o monstro passou a língua pelos dentes, saboreando o sangue que ainda os melava. E tentou novamente abocanhar Renato, mas os tentáculos de sombra não deixaram; e a criatura rugiu de ódio. E então, os tentáculos de Angélica forçaram a boca do lobisomem a abrir cada vez mais.

— Não vai comer meu bicho de estimação! — gritou a garota, enfurecida.

E o rugido do lobisomem não era mais de ódio; mas de dor. Sua boca estava sendo forçada de modo que as articulações começavam a sofrer. E a carne do bicho começou a se rasgar, e os ossos se partiram, e a boca dele foi dividida em duas: a parte inferior permaneceu colada ao corpo; e a parte superior foi arrancada da cabeça como se fosse um chapéu.

E Renato teve que tirar da cara os pedaços de miolos de lobisomem que caíram sobre ele.

Assim que se levantou, percebeu que havia vários lobisomens pendurados no ar, presos pelos fios de sombra de Angélica. Aquele que atacava Clara, o que atacava Jéssica, e mais alguns outros. Rugiam de ódio e fome. Eram bestas feitas de dentes e garras.

E a garotinha os estava prendendo, e os torcia, transformando-os em pedaços com certa facilidade.

Mas os lobisomens eram muitos. E não paravam de chegar. 

E, enquanto se balançava no ar, lutando com quase toda a matilha sozinha, um dos lobisomens que se aproximou, conseguiu pular sobre ela. Angélica, com um movimento de seu braço, conseguiu empurrar a criatura para longe, e seus tentáculos negros pegaram a criatura no ar, e a torceram como alguém faria com uma roupa molhada, e a criatura ficou em pedaços.

Porém, mais outros dois pularam sobre ela; e antes que tivesse a chance de jogá-los para longe, mais um pulou também. E o aperto dos tentáculos que segurava os outros lobisomens se afrouxou, e eles caíram. E todos, livres dos tentáculos de noite, pularam para cima da garotinha.

Angélica bateu suas asas, ganhando altura, enquanto usava seus tentáculos negros para tirar as feras de cima de si. E, no meio dessa confusão, viu de relance Abigor ao longe, batendo suas asas próximo do horizonte. O maldito estava aproveitando a situação para fugir.

Ela gritou de raiva, e moveu seus tentáculos enlouquecidos, jogando os lobisomens para longe, ou cortando-os, dilacerando-os, mas eram muitos e não paravam de chegar.

Jéssica atirava contra eles, mas as balas mal atravessavam a pelagem densa. E, Renato, ainda sangrando, tinha a visão embaçada e uma dor aguda e insuportável atingia seu ombro, enquanto o sangue quente vertia.

Clara, de posse de sua espada, pulou para cima de mais um lobisomem. Estava cega de ódio. Sua lâmina afundou na parte mais frágil do corpo quase invulnerável do monstro: os olhos. A súcubo afundou a espada até onde pôde, e então a girou, e a fera de mais de dois metros, apenas tremeu em espasmos. Até que caiu.

E então alguma coisa cortou o ar feito meteorito e bateu contra o chão, abrindo mais uma cratera no asfalto. E os escombros voaram em todas as direções. Era Abigor, que foi arremessado de volta. Ele tentou se levantar, mas fez uma careta de dor.

— Ai, merda! Acho que desloquei o ombro.

E duas asas vermelhas acobreadas brilharam na noite. Era Baalat, com seus cabelos ruivos e olhos azuis. Desceu dos céus, devagar, e pousou sobre o Abigor que estava caído. Os pés dela pisaram, um sobre o peito dele, e o outro sobre o rosto.

E, no momento em que ela chegou, os lobisomens pararam de se mover, como se tivessem sido hipnotizados pela presença linda e aterrorizante da garota.

E ela sorriu. E seus olhos brilharam num tom de ciano, e as pupilas ficaram fendidas como pupilas de serpente.

E os lobisomens que estavam no ar, agarrados à Angélica, caíram no chão como frutas podres caindo de uma árvore.

E os monstros ficaram de pé, parados, em silêncio. Apenas olhavam fixamente para Baalat. Uma baba espessa e gosmenta escorria pelos dentes de alguns.

E Baalat moveu a cabeça, inclinando-a levemente para o lado, e os lobisomens a imitaram. Depois ela repetiu o movimento para o outro lado e eles também imitaram.

— Pobrezinhos. Estão com fome, não estão?

Em resposta, os lobisomens apenas emitiram um rosnado baixo e lamentoso, em uníssono.

— Tirem essa pele de monstro pra eu ver os homens que se escondem embaixo dela.

E eles rosnaram mais uma vez; e, aos poucos, o rosnado se transformou em um gemido quase humano. Um gemido de dor intensa.

E o pelo deles começou a se transformar em pó e a ser levado pelo vento. Era uma poeira negra e de um forte cheiro ruim.

Os ossos estalaram. Estavam se movendo dolorosamente, e se quebrando. As mandíbulas se descolaram da boca e começaram a cair; logo em seguida, as proeminentes maxilas também caíram. E, por baixo do focinho lupinho, surgiram bocas humanas.

E dos monstros, saíram gritos de homem. Seus joelhos se quebraram, e eles caíram no chão, e os ossos da perna diminuíram de tamanho. 

As garras descolaram das patas, e em seu lugar apareceram unhas.

E, logo que a transformação terminou, e os lobos desapareceram, em seu lugar surgiram pouco mais de uma dúzia de pessoas: homens, na maioria, mas também havia mulheres. E até um garoto adolescente.

Baalat sorriu de um jeito amigável. Seus olhos ainda eram como fendas verdes. Lembravam olhos de cascavéis.

— Aquele — disse ela —, tire-o daqui, Angélica.

A garotinha demônio apenas assentiu, foi até um garoto de cerca de 15 anos, que tinha se destransformado de lobisomem. Ela o pegou pelo braço e o puxou para longe, o levou para o meio do mato e o deixou lá. Voltou sozinha

Baalat, que estava pisando sobre Abigor, passou os dedos dos pés nas narinas dele e sorriu.

— Estão com fome… — disse ela.

— Muita fome — responderam as pessoas, que há pouco eram lobisomens.

— Vocês parecem deliciosos. Por que não provam um pedaço?

— Provar um pedaço…

E eles, no início, olharam para os próprios corpos, parecendo confusos.

— Fome… — sussurrou um deles, e mordeu o próprio braço, próximo ao pulso. Afundou os dentes até sentir os ossos, e então puxou, arrancando um pedaço. Mastigou a carne crua e ensanguentada, e a engoliu.

E os outros, vendo isso, imitaram ele. Começaram a morder a si mesmos. Alguns começaram pelos braços, outros pelos ombros. Alguns sentaram no chão para morder a própria coxa e perna. E o sangue escorreu. E eles mastigaram a própria carne com vontade. Era como se comecem a comida mais deliciosa de todas. Não sentiam dor; ou se sentiam, a ignoravam. Toda a fome monstruosa que os abatia era direcionada para os próprios corpos; e, conforme comiam a si mesmos, foram perdendo forças, e caindo um a um.

Até que só restou um vivo.Caído no chão, usou as últimas forças restantes para arrancar o próprio dedo e mastigar.

— Fome… — foi a única coisa que disse, antes de morrer.

Baalat se espreguiçou.

— Lobisomens, né? Sempre tão animados!

O assombro abateu todos os presentes. Até mesmo Angélica, que conhecia bem o Olhar da Serpente, ainda se surpreendia. Mesmo Clara Lilithu nunca tinha visto alguém lidar com lobisomens dessa forma. 

— B-baalat… p-porque está aqui?

— Ora, Angélica, achou mesmo que eu deixaria minha querida irmãzinha vir sozinha pra esse lixão que é a Terra?

Foi quando Abigor se moveu, sob os pés de Baalat, fazendo uma careta de dor.

— Dá pra sair de cima de mim?!

— Ah, Abigor — disse Baalat —, muitos homens venderiam a alma para ter uma garota como eu pisando neles.

— Eu não sou um deles.

Baalat apenas riu.

Clara olhava para tudo com um misto de sentimentos. Renato estava tonto, quase desmaiando, com Mical e Jéssica checando seus sinais vitais e tentando ajudá-lo. A súcubo até achou que Mical estava desesperada demais. Ela deveria saber que Renato não morreria com algo assim, afinal!

 Clara apenas estava em silêncio, observando tudo ao redor, pensando no que faria em seguida; foi quando uma gotinha de chuva caiu em seu nariz. Ela passou o dedo e olhou, e dessa forma notou que não era água o que tinha caído.

— Sangue?

— Tá chovendo sangue? — disse Angélica, confusa, olhando para o céu. — O que pode ser?

Baalat enrugou a testa. Nem ela sabia a razão. Era um chuvisco suave, mas ainda assim não tinha como negar qual era a substância que descia dos céus. Era como se as nuvens estivessem sangrando.

E Abigor gritou de dor.

— Tem… alguma coisa… me puxando!

E alguma força invisível puxou Abigor, e ele foi arrancado de debaixo dos pés de Baalat, e foi arrastado por vários metros, colidindo contra as pedras. E então, o asfalto debaixo dele se partiu, e o chão se abriu. Foi como se a terra abrisse uma bocarra para engolí-lo. E Abigor foi arrastado para dentro do buraco. E ele tentava se segurar, desesperado, mas não tinha forças o suficiente. A coisa puxando-o era infinitamente mais forte.

— Não…! — disse ele.

E do buraco que o sugava, uma labareda de fogo brilhou.

Baalat voou até ele, rapidamente, e o segurou pelas mãos.

— Você não vai fugir! Virá comigo para pagar pelos seus crimes!

— Não tô… tentando fugir! Alguma coisa tá me puxando!

E a labareda que saía do buraco explodiu numa imensa bola de fogo, e Baalat foi arremessada para longe, como se atingida por um golpe violento, e bateu contra uma árvore próxima, que se erguia em meio ao matagal ao redor, e a árvore se partiu, e Baalat voou por mais alguns metros antes de bater contra o chão.

E quando a labareda desapareceu, Abigor desapareceu junto. Só a cratera fumegante havia no lugar, como evidência do que tinha acontecido.

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