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De frente a uma escadaria de pedra desabava Ezequiel, sem força alguma para se manter de pé. Uma luz vinda de cima o iluminava, porém, tudo nos arredores era absorvido pela mais pura e eterna escuridão.

— Quem de meus filhos me visita? — Surge uma voz feminina.

Acordando do transe, Artéraphos observa seus arredores com descrença. Ele havia chegado ao seu destino, mas dormiu ao procurar pela entrada. Por que Ezequiel estava em sua cabeça?

Por um instante ele tenta se lembrar de como havia chegado ali, no entanto, essas lembranças não estavam em suas memórias. 

Ao tentar se levantar, ele sente uma dor o atingir na área abaixo de seu peito. Puxando sua roupa, ele percebe a marca feita pela criatura que o atacou ainda na mansão de Ezequiel.

Ele não teve tempo para estudar aquela marca anteriormente, e nem faria diferença para dizer a verdade. Agora que ele a observava, percebia não haver sentido algum naqueles ideogramas.

Se levantando, ele se apresenta para a voz que a pouco lhe fez uma pergunta: — Seu filho mais novo, Artéraphos, veio vê-la Grande Mãe.

Ecoando pelo cômodo escuro, a voz de Artéraphos soa cada vez mais alta, sendo repetida infinitamente. Borrões de um corredor tomaram uma das paredes do quarto, como se fosse uma ilusão ou uma pintura.

Diferente do quarto que não era muito grande, o corredor tinha entre seis a sete metros de largura. Quanto a altura, era quase impossível medi-la sem um instrumento.

Alguns momentos depois a ilusão se tornou realidade. Artéraphos parecia uma formiga invadindo uma geladeira, não havia explicação do porquê existir um lugar tão grande se ninguém poderia usufruir de sua grandeza. Era o que qualquer um pensaria, mas não Artéraphos que conhecia a presença por trás daquele lugar.

Pressentindo a chegada de seu filho, a voz feminina deu a permissão: — Entre, minha criança.

Logo um grande salão escuro e empoeirado toma a sua visão. De forma alguma parecia ter alguém morando ali; além da pouca luz, o ambiente estava completamente tomado por pequenas partículas de poeira acinzentadas.

Entrando, seus passos silenciosos correram por um tapete vermelho tomado pela velhice, tapete esse que se estendia da entrada até o centro do salão. Ele seguiu pelo tapete e, ao chegar no final, mais dois caminhos se formaram trifurcando o tapete em três direções diferentes.

O primeiro caminho seguia em linha reta a entrada do salão, onde uma escadaria guardava um altar com uma grande pedra escura de formato oval e pontiagudo, tendo a pedra o tamanho de uma pessoa.

O segundo caminho nasceu à esquerda de Artéraphos, e levava a um largo tapete banhado pela luz de um luar solitário; o terceiro caminho era o de volta.

Artéraphos continuou na trifurcação, ele esperava uma resposta do ser que ali morava. E não demorou para ele receber uma ordem:

— Aproxime-se e preste seus respeitos, indique o objetivo de sua visita a esta mãe — disse a voz com eloquência.

Seguindo para o caminho da esquerda, Artéraphos sentou-se de joelhos no centro do largo tapete e colocou sua testa no chão. Puxando seu capuz, ele levantou sua cabeça e repetiu o gesto de prostração.

— Este filho desobediente retorna a casa em busca de esclarecimento.

— Levante sua cabeça — disse a voz suavemente.

Fazendo o que ela diz, Artéraphos sentou-se em suas pernas e observou uma majestosa presença se elevar por de trás de um véu ilusório em sua frente.

Se ajustando de maneira confortável, a alta silhueta feminina esticou seu corpo e penteou uma mecha de seus cabelos que caíram levemente sob o leito. Parte dos grandes fios negros saíram do véu, que tampava desde o teto até o chão. A silhueta concluiu: — Este meu filho, que retorna a casa após anos, ainda respeita aquele que o criou. Porém, seus questionamentos são algo que você deve esclarecer por conta própria.

“Eu sabia”, Artéraphos pensou já sabendo que aquilo poderia acontecer. Ele tinha certeza de apenas duas coisas: seu caminho como Udnark era incerto, e que seu mestre não era alguém comum. 

Se aquela pessoa não quisesse respondê-lo, todas suas questões ficariam sem respostas por tempo indeterminado. Mas o que ele poderia fazer caso ela decidisse não dizer? Apenas uma coisa, implorar…

— Grande Mãe, Regedora das Terras Sombrias. Olhos que veem o futuro e o passado, e esposa do Grande Progenitor das Sombras. Este seu filho pede humildemente resposta para suas perguntas. — Artéraphos se prostrou novamente concluindo: — Como a única que conhece o passado, pergunto sobre o meu mestre. Se pelo menos uma de minhas questões forem respondidas, retornarei e deixarei que descanse em paz.

A silhueta permaneceu em silêncio por um instante, mas logo um tom de sabedoria ressoou pelo salão: — Se cada ser presente neste mundo desejasse e recebesse, quanto valeria um desejo? Digo o mesmo sobre seus questionamentos. Quando seu mestre refinou o próprio corpo com partes de criaturas míticas, quantas das criaturas você reconheceu?

Lembrando-se dos itens usados por Ezequiel em seu Batismo, Artéraphos imediatamente percebeu não ter reconhecido muitos, na verdade, ele nem sabia dizer que tipo de criaturas eram. Já sabendo disso, a Regedora concluiu: — Se meu filho não tem forças para enfrentar os céus, continuará abaixo dele até que seu nome se faça.

“Minhas ações não foram o suficiente para ser reconhecido mesmo após tantos anos? Eu ainda não tenho força?”, Artéraphos pensou com tristeza, perguntando: — Onde está o pai? Desejo vê-lo, saber o motivo de ele não reconhecer minha existência.

— Seu pai domina pelas sombras, observa este mundo e traça as rotas das criaturas sob seu domínio; no entanto, nem mesmo todo o reconhecimento do mundo lhe daria as respostas que deseja.

— Então, o que devo fazer? — Artéraphos perguntou — Mesmo meus irmãos teriam consequências se me enfrentassem. Eu sou forte, eu sou…

— Você continua preso às leis desse mundo. Independentemente de sua força, se você não possuir a capacidade de lutar contra o próprio destino, estará preso às mãos da criação.

Uma brisa incomum de repente percorre o espaço entre as pernas de Artéraphos, afastando a poeira e restaurando o brilho avermelhado do tapete abaixo de seus pés. Seguindo o brilho com os olhos, ele logo percebe haver um caminho luminoso entre si e o altar onde repousava a pedra oval e pontiaguda. Artéraphos conhecia aquela pedra, era a Pedra Memorial.

A Regedora concluiu: — Diferente de seus irmãos que decidiram usar o Valor para evoluir, você foi um dos poucos que decidiu quebrar as Pedras Memoriais. Mesmo tendo um caminho árduo e solitário, você entregou todos seus ganhos a essas pedras, sabendo que não receberia muita coisa em troca.

— Eu fiz o que achei certo — ele responde abaixando um pouco a cabeça em humildade.

— Sua escolha o diferenciou de seus irmãos, mas agora sente relutância em entregar os ganhos que recebeu de seu mestre ao pressentir um futuro incerto. Por isso deseja ver o seu pai. — Não houve erro nas palavras da Regedora, Artéraphos realmente não queria continuar com aquilo.

— Passei tantos dias preso — disse ele lembrando da Terra das Veias Blasfemas, o domínio de lava que, apesar de não fazer parte do mundo das sombras, estava quase por completamente fundido a ele —, senti medo de morrer naquele domínio; domínio que invadiu nosso mundo e o pai permitiu. Todas as quatro áreas proibidas não deveriam estar aqui, mesmo assim ele permitiu. O pai enfraqueceu.

— Basta — interrompeu a Regedora. — Seu pai não saberá sobre suas palavras, nem o punirei por elas. Compreendo sua dor, principalmente por que dentre todos os filhos, você foi o único a ajudá-lo.

“E mesmo assim nenhum dos dois fez algo quando precisei de ajuda.”

Uma risada discreta ecoa pelo salão, era a Regedora quem ria. Artéraphos sentiu certa vergonha em seu coração naquele momento, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, ela ordenou: — Aproxime-se. — Sem discutir, Artéraphos se levantou e caminhou em direção ao leito de forma relutante.

Abrindo espaço no véu, a mão da Regedoura se aproxima e acaricia o rosto de Artéraphos de forma suave. Ele não entendeu aquilo, mas sentiu algo estranho naquele movimento.

— Você fez bem, Artéraphos — ela o elogiou. — O destino é mais que uma lei, ele é ligação. Assim como os Udnark são destinados a seus mestres, você é destinado ao seu. Isso não significa que irá dar certo ou concordar com todas as coisas, mas que independente de qual caminho escolher, sejam o de irmãos ou inimigos, irão trilhar o mesmo caminho.

Lembrando-se de seu irmão Guilmur naquele momento, Artéraphos percebeu algo. Guilmur era alguém sedento por Valor, além de trapaceiro e arrogante. Seu mestre não parecia ser muito diferente, pois deixava seus desejos carnais tomarem conta de sua vida. E apesar de nunca ter encontrado o mestre de seu irmão, Artéraphos tinha certeza que era um príncipe mimado.

Percebendo os pensamentos de Artéraphos, a Regedora concluiu: — Você entende rápido. Eles são destinados, mas não se completam. Seguem o mesmo caminho, mas opostos um ao outro.

— Significa que eu e Ezequiel também temos caminhos diferentes?…

— Isso te preocupa? — Parando de acariciar o rosto de Artéraphos, a mão da Regedora se aproxima de seu peito. — Eu me pergunto o que realmente mudou seu coração, o medo da morte, a raiva por ser enganado, ou aquela criança. Ainda me lembro de sua ascensão a Udnark, de vê-lo entrar naquele salão repleto de criaturas das sombras para seus Batismos, sendo você apenas mais uma entre criaturas. E mesmo antes do teste começar, o progenitor aponta para uma das crianças que o observava encantado com sua majestade. Todos os outros foram jogados para fora do castelo, você foi o último filho. Seu pai não pode interferir nas áreas proibidas, e nos últimos anos, apenas você e Guilmur pensaram na possibilidade.

— Guilmur queria entrar na área proibida?

— Por que acha que o encontrou naquele lugar? Nos últimos anos ele vem tentando subjugar as áreas proibidas na tentativa de ganhar a confiança de seu pai. Ele deseja liberdade de seu mestre, mas a quebra de um contrato é punível com a extinção. Quanto a você, como está o seu mestre nesse momento?

— Tem algo sobre ele que me preocupa — disse Artéraphos se lembrando de uma coisa importante. — Durante sua evolução, Ezequiel não sentiu dor como foi no meu batismo. Eu o observei de perto durante o processo, ele apenas dormia, e a única coisa que senti estando ao seu lado foi…

— Vazio — completou a Regedora. 

— Sim — Artéraphos concordou sabendo que a palavra “vazio” não estava inteiramente correta, mas se aproximava do sentimento emanado por aquele menino.

A Regedora explicou: — A evolução de seu mestre foi resultado de seu próprio caminho, todos recebem aquilo que devem receber. Aqueles que seguem por um caminho de dificuldade, recebem a dor em seu batismo para se lembrarem de seus objetivos; os que seguem por um caminho de amor, recebem desgosto e a perda para se lembrarem do valor de seu caminho. Quanto aos que escolhem a solidão, esses recebem o que seu mestre recebeu.

— Está errado! — rugiu Artéraphos. — Como ele vai entender o valor do poder que está recebendo se não sofrer por ele?!

— Sim, todos sofrem — concorda a Regedora.

Perdendo o controle de seu corpo, Artéraphos cai para frente, mas é amparado pelas grandes mãos da Regedora. Ela conclui: —, mas o que faria se estivesse a um passo do precipício de uma montanha? Seguiria fielmente seu caminho sem medo da morte, ou voltaria?

— Não sou tolo, pegaria o caminho de volta sem pensar duas vezes — Artéraphos respondeu sem precisar pensar muito.

— É isso, você não força alguém a se jogar de um precipício, você mostra um caminho que ele possa seguir. Sinto não poder te explicar tudo, pois meu tempo está acabando. Ouça Artéraphos, a partir de agora te darei um conselho, então ouça com atenção.

“Um concelho”, Artéraphos pensou sabendo o quanto aquilo era valioso vindo de um ser que conhecia o futuro. 

— Não julgue seu mestre por sua aparência humana, e não o maltrate por sua falta de humanidade. Assim como Guilmur, Paros, Volugus e todos seus outros irmãos, você seguirá um caminho contrário ao de seu mestre, é para isso que servem os Udnark. Logo o Portão Imperial descerá em busca de Ezequiel, e é sobre esse destino que você deve caminhar.

— Então a Arte do Princípio Imperial realmente está nas mãos de meu mestre?

— Mesmo que não estivesse, isso não mudaria. Escute Artéraphos. — o tom amável da Regedora de repente se torna sério. — Seu pai retornou ao Grande Vazio.

“O QUÊ?!” Artéraphos gritou, mas apenas em sua mente. Por algum motivo sua boca não se movia. A Regedora explicou:

— Ao quebrar a primeira Pedra Memorial você recebeu a dádiva do controle das sombras, o poder que seu pai usou para construir esse mundo. A segunda pedra não lhe deu nada, mas a terceira o permitiu receber o conhecimento de seu pai, e por isso você pode encontrar qualquer coisa existente nesse universo. E ao quebrar a quinta, você recebeu a Joia da Infinidade. Mesmo não sabendo o que ela é, você a guardou como um tesouro.

Pondo sua mão dentro do manto, Artéraphos puxou de lá uma joia de brilho prateado. Era a mesma peça que Guilmur havia tentado tomar dele há algum tempo. Até então Artéraphos não sabia seu nome, então se chamava Joia da Infinidade.

A Regedora o elogiou: — Fez dela um brinco? Não é ruim, eu mesma adoraria recebê-la como um presente de seu pai. Guarde-a bem, meu filho, essa foi a herança deixada a você por seu pai.

Colocando Artéraphos no chão, a mão da Regedora retornou para dentro do leito. Ela continuou: — Eu realmente queria poder explicar, mas não tenho muito tempo. Sobre a Pedra Memorial que repousa naquele altar, ela deveria ser a sexta pedra a ser quebrada por você; porém, mesmo que a quebre e todas as próximas que vierem, seu pai não poderá lhe entregar nada. A quantidade de Valor necessária para quebrar a sexta pedra será mais que as cinco primeiras juntas, e isso subirá de forma exponencial. Por isso não posso pedir que as quebre.

Deitando-se no leito, a Regedora respirou de forma cansada. Sua silhueta se torna ilusória, como se a ponto de desaparecer. Ela concluiu: — Mas se desejar abdicar de sua evolução e continuar a quebrar as pedras, irei me assegurar de recompensá-lo. Não lhe fornecerei itens, pois não os tenho, mas entregarei parte de minha autoridade. Assim como seu pai o confiou conhecimento, confiarei a você o destino do Mundo das Sombras. Leve-o ao Império, guie-o entre os mundos. Mas pelo bem do nosso, impeça que o destino de infinidade daquela criança chegue ao seu final.

“Destino de infinidade?”, Artéraphos pensou se lembrando da imortalidade de Ezequiel, por alguma razão ele sentia ter ligação.

Se voltando para baixo, Artéraphos segue o caminho de luz até a escadaria onde o altar repousa com a Pedra Memorial. Todos seus irmãos, até mesmo Guilmur, já haviam evoluído sua forma física. Artéraphos ainda não tinha um coração, um cérebro ou qualquer outro órgão que os outros Udnark ou criaturas tinham. Porém, as palavras da Regedora ainda ecoavam em sua mente:

Eu me pergunto o que realmente mudou seu coração, o medo da morte, a raiva por ser enganado, ou aquela criança.

“Tenho um coração, não preciso de mais do que isso”, subindo os degraus, Artéraphos segue sem medo até o altar e, de frente para ele, estica a mão até a pedra. Um vórtex de energia escura emana de seu braço, o valor estava deixando seu corpo e sendo absorvido.

Rachaduras se espalham rapidamente pela superfície da pedra escura, que passou a emitir um brilho claro pelas frestas. O som dos pedaços desmoronando ecoaram pela sala, e assim, a sexta Pedra Memorial foi destruída.

Os pedaços da sexta pedra se tornaram nada, desaparecendo enquanto a sétima pedra se formava na frente de seus olhos.

Colocando a mão na base desta pedra, Artéraphos repetiu o processo; mas a velocidade que a energia de seu corpo era absorvida havia aumentado por diversas vezes.

As memórias de Ezequiel de repente passam na mente de Artéraphos. A Pedra Memorial absorvia o valor, mas o valor era a história de algo. Ezequiel havia sacrificado parte de suas memórias em troca da ajuda de Artéraphos, e agora Artéraphos sacrificava essas memórias em troca de seu objetivo.

O calor de uma mão, um abraço. Se Artéraphos tivesse recebido o carinho da Regedora antes, muito provavelmente não entenderia o significado e o valor daquilo. Mas Ezequiel havia lhe ensinado algo, algo que a pouco ele mesmo pode experimentar. E nisso, Artéraphos chegou a uma conclusão:

“Eu o invejo.”

O silêncio toma o ambiente vazio, nem mesmo uma respiração podia ser ouvida. A energia no corpo de Artéraphos havia acabado, e nem mesmo trinta por cento da sétima pedra havia se quebrado ainda. O que fazer? Ele pensava.

Tirando a esfera de vidro que Ezequiel havia lhe dado, Artéraphos a segurou com a mão esquerda enquanto tocava a pedra com a outra. Um brilho azulado iluminou o salão, e a energia começou novamente a ser absorvida.

— AHH!!! — ele gritou ao sentir sua cabeça vibrar.

Memórias passaram de forma brusca em sua mente. De quem eram? Ezequiel não estava ali, apenas um guardião.

Coberto por uma armadura negra, o guardião se sentava em um trono no topo de uma montanha. Ele esperou, e o dia e a noite passaram rapidamente, deixando anos passados sem movimento.

— AAAHH!… COF! COF!… — Poeira se espalha em uma explosão, era parte do corpo de Artéraphos que se tornava pó ao forçar a memórias para sua cabeça. Ele queria observar as memórias dentro da esfera de vidro, porém, a Pedra Memorial forçava a absorção toda vez que ele tentava ver uma memória, e parte de seu corpo era destruído.

Logo a sétima pedra foi quebrada e nasceu uma oitava. Artéraphos não tentou ver as memórias presas ao item novamente; se parte de seu corpo havia sido destruído pela força de absorção, o que aconteceria se ele insistisse?

Pouco tempo depois, um brilho esbranquiçado tomou completamente as frestas na oitava pedra. E como as outras, ela retorna ao nada. Olhando para a esfera de vidro em sua mão, Artéraphos percebe haver pouca energia.

Se a quantidade de valor necessária realmente aumentasse de forma exponencial, e parecia ser verdade, de forma alguma ia ser possível quebrar a nona pedra com apenas aquele resto.

Virando-se, ele estava prestes a ir embora quando percebeu algo estranho. Uma nona pedra não havia aparecido.

— Será que foi a última? — ele diz em voz alta, percebendo também que sua voz havia voltado.

Se aproximando do altar, ele o estuda com afinco. Apesar daquilo parecer um altar feito de lajes de pedra, havia uma tampa no topo dele. Além disso, vários desenhos compunham a parte de cima da tampa, que até agora era completamente coberta pelas Pedras Memoriais. Mas agora, não havia pedra alguma para tampá-la.

Artéraphos olhou em direção ao leito de sua mãe, pensando que talvez ela pudesse responder suas perguntas. Mas decidiu não incomodá-la.

Com alguma força ele tentou empurrar a tampa. Sem sucesso, seu corpo mal podia manter a forma física, como ele teria força para puxar algo tão pesado?

— Não vai dar — disse ele parando e observando mais um pouco.

Algo havia chamado sua atenção no centro da tampa, mas um sentimento de perigo emanava daquilo. Uma joia marrom em formato de coração. Esticando sua mão até ela, Artéraphos a mediu à distância. Cabia perfeitamente, parecia ter sido criada para ele carregar.

Podia se dizer que era uma joia, mas seria essa a nona Pedra Memorial? Ele não tinha certeza, pois desde a primeira, cada pedra subsequente era maior que a outra. E esse era outro motivo para deixar aquilo quieto.

— Só consigo imaginar que isso seja uma armadilha. É um demônio disfarçado de peixinho dourado. 

Descendo as escadas, Artéraphos segue novamente para o tapete no leito da Regedora e, se ajoelhando, ele se despede.

— Agradeço solenemente a permissão da Grande Mãe, este seu filho tardará a voltar, mas promete a manter em seu coração. — Ele esperou por alguns instantes por uma resposta, mas nada acontecia.

Se levantando, Artéraphos caminha de volta a saída quando de repente a voz da Regedora ecoa vibrando o salão.

[Pela sexta pedra eu te entrego a visão]

Um ardor toma a área ao redor dos olhos de Artéraphos. Pondo as mãos no rosto ao sentir sua pele queimar, ele geme de dor. Suas íris pareciam estar sendo banhadas na lava fervente.

[Pela sétima eu concedo um caminho]

[Pela oitava…]

Artéraphos tenta abrir os olhos para ver o que estava acontecendo ao perceber vultos tomarem seus arredores, mas ele volta a fechá-los ao sentir uma grande dor.

— Quem está aí?! — Ele grita vendo os vultos se aproximando.

Não eram apenas uma ou duas, seus arredores estavam tomados por seres que não ficavam em pé, nem deitado. Movimentos estranhos, sons estranhos, como rangidos de ossos se tocando. E o pior, olhos que não desviavam seu olhar.

— SAIA DAQUI!! — Ele grita novamente ao olhar para cima, o lugar estava repleto daquelas criaturas.

Caindo de joelhos, Artéraphos perde aos poucos sua consciência. Ele tenta abrir um portal baixo de si para fugir; é inútil, seus poderes não funcionavam naquele lugar.

Uma dos vultos de repente se aproxima. Apesar de ver sua forma, Artéraphos não conseguia entendê-la, mas conseguia ver bem o instrumento que ela segurava. Um graveto de aparência simples, porém, tão afiado quanto o fio de uma navalha.

Uma sensação de frio subia pelas costas de Artéraphos ao ver a lâmina se aproximando, se continuasse assim, aquilo ia cortá-lo.

Sem conseguir se mover, ou desviar o olhar, ele observava a ponta da lâmina se aproximar de seus olhos. Agora ele se lembrava, era a mesma criatura, e o mesmo graveto que havia feito os ideogramas em suas costelas ainda na casa de Ezequiel.

Por que aquela coisa estava ali?! Ele não sabia, apenas sentia uma pontada penetrar seu olho, abrindo espaço até a parte mais profunda; enquanto era obrigado a observar os borrões do rosto daquela criatura, a imaginando em sua cabeça.

O chão de baixo de seus pés de repente se tornam inexistentes. Caindo, Artéraphos olha para cima e vê que, na verdade, havia caído em um buraco dentro do salão. Ele ainda conseguia enxergar o teto imensurável daquele lugar. Mas não havia buracos no salão.

A voz da Regedora soa o chamando: — Te levarei de volta ao mundo de seu mestre, agradeço por sua escolha, e fez bem em não tentar quebrar a nona pedra; apenas aqueles dispostos a dar tudo de si por algo podem quebrá-la. E lembre-se, nunca permita que o fogo do destino se apague. — Caindo em direção a Artéraphos, um brilho dourado chama sua atenção. Ele estica sua mão e segura o brilho que vinha de um longo fio de cabelo cor de ouro. — Leve isso contigo, entregue ao ser titulado como o Claude, o Mestre das Sombras. Estarei observando sua jornada Artéraphos, não se sinta solitário, estarei esperando pelo dia que nos encontraremos fora desse mundo.

“Me perdoe”, ele pensa ao perceber o tom de tristeza na voz da Regedora.

O caminho para o Mundo das Sombras estava fechado, os únicos que ainda podiam entrar eram as criaturas das sombras e os Udnark. Como nunca havia evoluído, Artéraphos era tanto uma criatura das sombras quanto um Udnark, porém, a Regedora não fazia parte dessas classes.

Ela estava presa, assim como os residentes daquele mundo. Presos pelo próprio criador, e a criatura mais poderosa daquele mundo, o Progenitor.

“Nós éramos livres, até que você fechou o nosso mundo, impedindo todos de entrarem ou saírem. Sempre achei que tinha um motivo por trás disso, mas agora eu entendo, você foi fraco pai…”

Uma luz vinda de trás faz Artéraphos olhar na direção. No fim do túnel, o verde do tom de grama ocupava um grande espaço. Pela estrutura do lugar parecia ser o quintal de Ezequiel depois de sua mansão ter sido destruída.

Sem pressa, Artéraphos tirou a joia que recebeu ao quebrar a quinta Pedra Memorial, a Joia da Infinidade. Ele a observava com pesar enquanto se deixava ser levado até a saída.

“Dizem que o tempo consome deuses, isso é verdade, e parece que nem mesmo você conseguiu resistir a ele. Se esta é sua herança para mim, irei guardá-la como algo precioso.” apertando a joia, Artéraphos a leva até seu manto. Ele estava prestes a sair do portal, não podia deixar que qualquer um visse algo tão precioso quanto aquilo.

— É realmente difícil acreditar que você esteja morto, pai.

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