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“Nas encruzilhadas da vida, é a divergência de caminhos que define o destino. Cada escolha, um novo rumo; cada decisão, uma transformação inevitável.”

O Código do Guerreiro Solitário, Verso 33.


Harley e Anastasia estavam a caminho do cinema, que ficava fora dos limites da cidade. Enquanto deixavam o palácio para trás, Pavel e os ministros-estátuas voltaram às suas atividades, e agora era apenas ele, Anastasia e os guarda-costas seguindo em frente.

Enquanto atravessavam toda a extensão da cidade em direção ao portão de entrada na muralha, Harley observou com curiosidade o ambiente ao seu redor. Anastasia percebeu a expressão surpresa em seu rosto e decidiu dar-lhe uma explicação:

— Sim, Harley, o cinema fica fora da muralha. A maioria das pessoas que vive nesta cidade não tem o privilégio de morar dentro dos limites da muralha. Cerca de 80% da população vive em cabanas e acampamentos fora do muro.

Enquanto a princesa explicava a situação, um dos guarda-costas se aproximou dela e, com um gesto rápido, colocou uma venda em seus olhos. Ela suspirou, resignada, e disse com um toque de ironia:

— São instruções do meu pai. Ele acredita que minha beleza não pode ser compartilhada com qualquer um.

Os outros guarda-costas concordaram em silêncio cumprindo um protocolo bem estabelecido, como se estivessem protegendo um tesouro nacional. Eles respeitavam as ordens do rei, não importava quão peculiares pudessem parecer. Era uma cena que mostrava claramente a importância que Pavel atribuía às ilusões de sua filha. 

— Além disso — continuou a garota com um tom de adulação — minha beleza é tão arrebatadora que poderia abalar nações e promover guerras. É por isso que meu pai toma essas precauções.

Um guarda-costas, com uma expressão solene, acrescentou com um toque exagerado de adulação: 

— Sim, é verdade. A beleza da Princesa é tão esplêndida que o brilho de mil sóis não se compara a ela —  suspirando completou — Sua mera presença é capaz de inspirar poetas a escreverem versos épicos e artistas a esculpirem obras-primas

O segundo guarda-costas prosseguiu com seu elogio exagerado: 

— Certamente, a princesa é uma visão celestial, sua beleza transcende todos os limites conhecidos. Seus traços são tão refinados que fariam até mesmo os deuses no Olimpo suspirarem de inveja. Uma verdadeira deusa entre mortais!

O terceiro guarda-costas, não querendo ficar para trás nos elogios extravagantes, acrescentou com um sorriso solene: 

— Verdadeiramente, Sua Alteza é um farol de esplendor que ilumina nossos dias sombrios. Seus encantos têm o poder de aquecer corações gelados e acalmar tormentas com um simples olhar.

Anastasia, com um sorriso encabulado, aceitou os elogios com graça e uma breve reverência. Ela parecia acostumada a esses exageros, mas ainda assim apreciava a devoção de seus guarda-costas. 

Harley, por outro lado, achava toda aquela adulação um tanto quanto absurda, mas manteve seus pensamentos para si mesmo enquanto acompanhava a princesa em direção ao cinema.

Conforme se afastavam da proteção das muralhas e contornavam a mesma em direção a um declive na parte mais distante, o jovem começou a perceber a drástica mudança na paisagem. A transição da opulência para a degradação tornou-se cada vez mais evidente à medida que se aproximavam das muralhas exteriores. 

Enquanto a área dentro das muralhas reluzia com seus artifícios tecnológicos e comodidades modernas, o cenário do lado de fora das muralhas apresentava uma realidade sombria e desoladora.

A opulência da cidade cedia lugar a uma vasta extensão de construções rudimentares e precárias que se estendiam pelo horizonte. As cabanas e acampamentos improvisados pareciam amontoados desordenados, refletindo as condições de vida precárias das pessoas que ali habitavam. A pobreza era visível em cada esquina, e o contraste com o luxo anterior era angustiante.

À medida que avançavam em direção às muralhas exteriores, Harley não pôde deixar de sentir uma mistura de compaixão e choque diante daquela realidade. Era como se aquela parte da cidade tivesse sido esquecida, deixada à sua própria sorte, enquanto os cidadãos privilegiados desfrutavam das facilidades proporcionadas pela tecnologia e pelos recursos dentro das muralhas. 

A disparidade entre esses dois mundos era dolorosamente evidente, e o jovem compreendeu que havia muito trabalho a ser feito para melhorar a situação daqueles que viviam à margem da sociedade.

No entanto, a princesa, com sua venda nos olhos, permanecia alheia à paisagem desoladora ao seu redor. Os guarda-costas, percebendo o choque de Harley, lançaram borrifadas de perfume no ar para camuflar o cheiro putrefato que permeava o local. 

Anastasia, com passos graciosos, desfilava como uma deusa pela estrada central que cortava toda aquela área desfavorecida, e que eventualmente os levaria à grande construção que provavelmente era o cinema.

O jovem olhou para Anastasia, surpreso com a magnitude da situação. Sem querer incomodar a princesa que estava com suas ilusões de grandeza, Harley se inclinou em direção a um dos guarda-costas mais próximos, um homem corpulento de expressão séria. Sussurrou-lhe a pergunta que pesava em sua mente.

— A maioria das pessoas vive assim? — indagou, seus olhos mostrando sua compaixão pela população que vivia em condições tão precárias.

O guarda-costas, com um olhar de advertência, pediu silêncio ao jovem por meio de um gesto imperceptível dos dedos sobre os lábios. Outro guarda-costas, percebendo o desconforto do jovem, decidiu intervir e, com um sorriso falso no rosto, começou a inventar histórias sobre o que estava à vista.

— Ah, meu caro amigo — começou ele, fingindo entusiasmo — o que você vê aqui é uma terra divina, uma região fascinante onde as pessoas escolheram viver em harmonia com a natureza. Essas cabanas? São chalés pitorescos que servem como retiro de férias. E aqueles acampamentos? São campos de treinamento para a elite esportiva da cidade.

Outro guarda-costas, colaborando com a farsa, interveio com um sorriso igualmente falso no rosto.

— A primeira vez que vi tudo isso também me espantei muito — disse ele, enquanto lançava olhares cúmplices aos colegas, transmitindo que aquelas histórias eram apenas para os ouvidos de Harley e Anastasia. Era uma espécie de jogo de imaginação, onde o desolador se transformava em algo encantador, pelo menos por um momento.

À medida que atravessavam a parte afastada da cidade, o jovem percebia que as ruas pareciam desertas. Era como se as pessoas, ao avistarem a comitiva, corressem para se esconder, como se estivessem fugindo por suas vidas. Talvez, de fato, estivessem fazendo isso.

Aquele silêncio, que só era quebrado pelo som dos passos deles e pela respiração abafada da princesa, tornava a atmosfera ainda mais perturbadora. Era evidente que aquela área da cidade estava completamente isolada e esquecida, e poucos se aventuravam a cruzar o caminho da princesa e seus guarda-costas.

Conforme se aproximavam do cinema, os guarda-costas mantinham-se alerta, e Harley encontrava-se num estado de confusão. Ele não tinha certeza do que pensar ou sentir naquele momento. 

As transições abruptas entre a opulência da cidade interior e a pobreza extrema da parte exterior, entre o mundo ilusório da princesa e a dura realidade lá fora, entre a encenação dos guarda-costas e a sincera crença da princesa, deixavam-no perplexo. Era como se estivesse caminhando em uma corda bamba entre dois mundos tão distintos.

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Olá, eu sou Val Ferri Sant. Ana!

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