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O salão se esvaziou depressa.

Apesar de a nevasca ter piorado, todos os guardas em condições de se mover estavam lá fora, atrás de Dara. As servas também; conheciam melhor a fortaleza, por isso foram encarregadas de mostrar os esconderijos mais prováveis.

Mesmo assim, não acharam sinal algum dela, e a tensão estava piorando.

As crianças insistiam em participar das buscas, e foi com muita dificuldade que Siegfried conseguiu convencê-las a ajudar o sacerdote com os feridos ao invés disso.

De vez em quando, as portas do salão se abriam ruidosamente, trazendo uma forte corrente de ar e a esperança de que houvessem encontrado a garota, mas os guardas voltavam sempre de mãos vazias e tremendo de frio. Depois da quinta vez em que isso aconteceu, todos começaram a ignorar e Emelia veio até ele:

— É minha culpa — disse. — E-eles devem ter confundido ela comigo. O que vão fazer quando descobrirem?

— Nada! — garantiu o vice-capitão. — Eu vou achar ela antes.

Mas não achou.

Já havia se passado quase uma hora e tinham revistado todos os lugares três vezes, mas Dara não estava em parte alguma. Então mandou que inspecionassem os cadáveres. Todos eles.

Seis guardas foram devidamente identificados e três dos cinco rebeldes eram homens, haviam apenas duas garotas entre eles: uma morena de dezesseis anos, com o estômago esfaqueado uma dúzia de vezes, e outra dois anos mais nova, de cabelos castanhos e com um buraco na parte de trás da cabeça, por onde saiam os seus miolos meio congelados.

Mas nenhuma delas era Dara. Não sabia dizer se isso era bom ou ruim.

De algum modo, os rebeldes conseguiram tirá-la da fortaleza sem que ninguém notasse, mas não tinha homens o bastante para fazer uma busca no vilarejo; apenas 26 estavam em condições de lutar e precisaria de, pelo menos, uma dúzia se quisesse terminar as buscas até o entardecer do dia seguinte.

Se enviasse metade dos guardas e fosse uma armadilha, da próxima vez que pulassem os muros, seria o seu fim. Tinha de ter certeza.

Então foi até a prisão.

As dobradiças congeladas rangeram quando abriu a porta; o vento frio invadiu e os rebeldes feridos se contorceram, mas a garota mais velha, acorrentada do outro lado, nem piscou.

— Pra onde a levaram!? — perguntou Siegfried.

Ela sorriu:

— Quem?

— Dara!

— Nunca ouvi falar. É sua namorada? Vai ver ela fugiu. Aposto que não é a primeira. Cê parece o tipo de cara que espanta as garotas.

— Acha que isso é uma brincadeira!?

— …

— Onde ela tá!?

— Eu ouvi histórias sobre você, sabia? Os outros, aqueles que tão com o capitão a mais tempo, falam de você o tempo todo. Siegfried, o Vira-casaca. Me diz aí, como–?

Antes que ela terminasse de falar, ele avançou a passos largos e chutou o seu estômago, onde se podia ver o sangue ainda meio úmido na roupa; o resultado de algum corte superficial.

Foi o bastante.

A garota deixou escapar um gemido de dor, mas logo cerrou os dentes, juntando as pernas e inclinando o corpo para a frente, o máximo que suas correntes permitiam; encolhida e tremendo, tentando proteger a barriga machucada. Mesmo de cabeça baixa, ainda era possível ouvi-la engolindo o choro, determinada a não mostrar fraqueza. Teria dado uma ótima soldado.

— Eu só vou perguntar mais uma vez — disse Siegfried. — Pra onde levaram ela!?

— V-vai se ferrar! Cê não vai tirar nada de mim!

A testa dela estava empapada de suor e os olhos vermelhos cheios de lágrimas. Sua voz fraca era quase como um sussurro e cada palavra saía com dificuldade.

— Cê nem lembra, né? Ha! É claro que não. Por que lembraria? Cê só matou minha família.

— Não sei do que cê tá falando. Eu nunca–

— O povoado, merda! — ela gritou. — Cê devia lembrar, porra! Pelo menos isso. Cês queimaram metade da nossa comida! Faz ideia do que fez a gente passar!? Meus irmãos. Minha mãe. Levou só duas semanas. Eles nem esperaram a comida acabar. Aqueles animais–

— Eu não me importo!

A expressão que ela fez…

Não era raiva, nem medo. Surpresa, talvez? Foi como se tivesse acabado de esbofeteá-la. Fosse o que fosse, ele não se importava. Quando você começa a pensar demais nas vidas que destruiu, isso te consome por dentro até não sobrar mais nada. Já tinha visto acontecer.

Alguns garotos não tinham o estômago de um guerreiro. Sabiam manusear bem a espada e não hesitavam em tirar uma vida no campo de batalha, mas quebravam e cometiam suicídio ao voltar para um vilarejo qualquer que queimaram durante a marcha.

Siegfried nunca os entendeu.

— Eu não dou a mínima pra sua mãe — disse —, nem pros seus irmãos. Estamos em guerra. Sua casa não é a primeira a queimar e nem será a última. Agora, pra onde levaram a Dara?

Ela não respondeu, nem piscou, ao invés disso o encarou como se estivesse vendo um fantasma. Incapaz de acreditar nos próprios olhos. Quando nada aconteceu, ela desabou em lágrimas e não disse mais nada.

Parecia uma ótima oportunidade para interrogá-la, mas quando agarrou o seu cabelo e forçou ela a levantar o rosto, ainda havia ódio em seus olhos e, por muito pouco, não arrancou um pedaço dele quando abriu a boca e pulou em sua direção, tentando mordê-lo.

A garota gritou e rosnou, como um cão raivoso, tentando se libertar das correntes aos puxões e esquecendo toda a racionalidade. Nem sequer era capaz de formar uma frase.

“Ela quebrou.”

Por sorte, haviam outros dois prisioneiros.

O rapaz de quinze anos tinha cabelos negros e o encarava cheio de ódio; foi capturado junto com a garota e lutavam bem em equipe. Amigos, irmãos de armas, talvez amantes. Fossem o que fossem, ele não diria nada e o vice-capitão sabia disso.

O outro garoto, por outro lado…

Tinha só doze anos e cabelos negros cacheados. Havia alguma coragem nele também, mas muito menos do que os outros dois. Só precisou quebrar três dedos da sua mão para que dissesse o que queria ouvir:

— A-as ruínas! — gritou. — L-levaram ela pras ruínas! No bosque. N-na floresta. P-por Elyon, por favor… M-minha mão…

— O Forte dos Demônios — refletiu Siegfried. — Fica a quase quatro dias de viagem daqui, uma semana com toda essa neve. Se estiver mentindo.

— N-não estou, eu juro! P-por favor.

Ele quebrou outro dedo e o garoto gritou.

— Se estiver, eu volto!

Quando saiu, Mirabel e Sam correram para se esconder. Talvez pudesse ter ignorado o barulho das botas na neve, mas não os murmúrios deles mandando um ao outro ficar quieto. Estavam tão distraídos que nem o notaram se aproximar:

— O que cês tão fazendo?

Os dois gritaram de susto, como se tivessem sido pegos roubando bolos da cozinha, então ficaram estranhamente tímidos e comportados.

— A-a gente só tava passando — mentiu Sam.

— Queremos ajudar — disse Mirabel. — Por favor.

Siegfried sorriu e afagou a cabeça dos dois:

— Não confia em mim? Relaxa, já sei pra onde levaram a sua irmã. Agora só falta ir pegar ela.

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Olá, eu sou Coldraz!

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