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A jornada dos pais de Benjamin foi tortuosa, uma mistura de sucesso e tristeza, entrelaçada com risos que surgiam em momentos ensolarados antes de serem engolidos por um choro. Não havia nada que não parecesse um movimento arriscado e difícil na constante mudança da existência.

Mas, apesar de todos os altos e baixos infindáveis, uma lembrança se destacou como mais brilhante do que as demais: no dia 5 de outubro, nasceu Benjamin Moore. 

O recém-nascido parecia possuir a essência de uma vida bem vivida mesmo antes de o primeiro choro sair de seus pequenos pulmões, um tributo ao potencial ilimitado que o aguardava. O tempo parecia parar, com cada respiração como uma nota em uma sinfonia e cada batida do coração como um tambor. 

A atmosfera da ocasião sussurrava uma viagem incrível que estava reservada para o garotinho. 

Os primeiros raios de sol, aqueles dedos suaves do amanhecer, não eram as únicas coisas que pintavam o mundo de Benjamin de dourado a cada manhã. Um companheirismo tão brilhante quanto o nascer do sol floresceu ao lado deles. Tudo começou aos seus cinco anos de idade, quando os joelhos arranhados e a curiosidade sem limites eram as únicas constantes. Foi então que um raio de sol peludo chamado Rufus entrou em sua vida.

Sua pelagem, da cor de avelãs tostadas, tinha o calor de mil dias de verão. Também era macio, como o coração da noz que compartilhava seu nome. Suas orelhas, sempre em pé como antenas felpudas, se mexiam a cada farfalhar na vizinhança, uma promessa de aventuras sem fim.

Rufus era um confidente silencioso, uma presença calorosa ao seu lado nos dias em que o céu refletia seu humor, uma alma gentil que entendia a linguagem de uma mão apertada e de um segredo sussurrado. Nele, Benjamin encontrou não apenas um companheiro, mas um pedaço de seu próprio coração, batendo suavemente ao seu lado.

Em uma noite estrelada, sob uma árvore do parque, banhado pelo doce aroma da grama recém-cortada, Benjamin estava abraçado ao lado de Rufus. Os únicos sons eram o suave zumbido do vento e o reconfortante ruído da mão de Benjamin acariciando a cabeça de seu amigo. A criança sentiu um calor florescente naquela comunhão silenciosa diante de um grande dossel de estrelas, um calor que era mais resultado do amor inflexível enrolado ao lado dele do que da noite de julho. 

Era um amor que enchia de significado até mesmo os dias mais calmos e que comunicava volumes por meio da linguagem suave dos momentos compartilhados. 

— Você já pensou em como seria incrível ser um herói? Proteger as pessoas, fazer a diferença no mundo…

Benjamin, como qualquer criança, sonhava. 

— Algumas vezes fecho os olhos e me imagino em uma capa brilhante, correndo para salvar o dia. Salvando gatinhos presos em árvores, ajudando os vizinhos, coisas assim.

Ele era influenciado pelos quadrinhos que lia. 

— Posso não ter superpoderes, mas posso ser alguém que faz a diferença de alguma forma.

Para ele, um herói era aquele que estendia a mão para ajudar os necessitados, enfrentando adversidades com dedicação e determinação, crendo que as coisas podiam ser melhores.

— Apenas fazer alguém sorrir, tornar o dia de alguém um pouco melhor. Como um verdadeiro herói faria.

A noite se prolongou, com apenas o sussurro do vento e os pensamentos compartilhados de Benjamin quebrando a quietude. 

— Mas até esse dia chegar, Rufus, eu tenho você. Isso é suficiente para mim.

Benjamin, mais uma vez, viu-se perdido nas constelações, os seus olhos traçando caminhos imaginários através da tela polvilhada de estrelas. Mas esta noite, aquele tecido celestial não foi a única maravilha que prendeu seu olhar. 

Esses momentos, juntamente com o calor do pelo de seu cão e a linguagem irrestrita das respirações compartilhadas, formavam a base do universo de Benjamin. Cada um deles era uma joia preciosa guardada em sua memória, uma fonte de consolo que resistia às estações do ano e às marés em constante mudança da vida. 

No entanto, mesmo as tapeçarias mais vívidas contêm fios de amargura. As estações variam, e a vida, como as histórias sussurradas pelo vento, possuem uma composição complicada. E, embora o futuro permanecesse desconhecido, Benjamin, com uma certeza que aquecia seu coração mais do que qualquer estrela, teria Rufus para sempre.

As páginas do calendário passavam, cada uma sendo um estágio cruel de uma história com um final predeterminado. Bastou um evento para que lhe fosse roubado suas tardes ensolaradas e noites cheias de vaga-lumes. 

Estava no veterinário. O Dr. Ramirez saiu da sala de exames, com o rosto marcado por uma expressão pesarosa. Benjamin, que estava sendo consolado pela sua mãe, levantou-se abruptamente. O médico evitou seu olhar por um momento, manuseando seu estetoscópio.

— Fiz alguns testes em Rufus e, infelizmente, os resultados não são bons. O exame de sangue indica uma presença significativa de hepatotoxinas em seu corpo.

Emma sentiu um frio na barriga. 

— Hepatotoxinas? O que… O que isso quer dizer?

— Significa que Rufus foi envenenado. E com base no nível de toxinas e nos danos evidentes em seu exame de sangue, ele fez muito progresso. Sua função hepática está gravemente comprometida.

— Mas… há algo que possamos fazer? Cirurgia? Medicação?

O Dr. Ramirez balançou a cabeça tristemente. 

— Nesse estágio avançado, receio que não. As toxinas causaram a morte das células do fígado. 

Ele fez uma pausa, permitindo que Benjamin absorvesse o peso esmagador de suas palavras. Podia ver o brilho da negação nos olhos dela, a esperança desesperada de que, de alguma forma, isso não poderia ser real.

— Poderíamos tentar medidas de suporte, mas, sinceramente, o prognóstico é muito ruim. Eu não gostaria de fazer isso. 

Benjamin olhou para o veterinário, com a garganta apertada. Ele queria discutir, gritar, implorar por algum tratamento milagroso. Mas as palavras do doutor, misturadas com uma compaixão cansada, continham a dura verdade. Esta não era uma batalha que eles pudessem vencer.

— Podemos olhá-lo pela última vez? — Emma perguntou.

— Claro. Leve o tempo que precisar. 

Colocou a mão gentilmente no ombro de Benjamin, um gesto silencioso de condolências, antes de se virar e caminhar pelo corredor.

Eles entraram na sala. Rufus estava deitado na fria mesa, um gemido escapando de sua forma normalmente barulhenta. A finalidade de tudo isso parecia uma traição cruel. Não houve grandes declarações, nenhuma última resistência heróica. Apenas um gemido, uma luz fraca e um vazio tão vasto que ameaçava engoli-lo inteiro. 

O menino, obrigado a ver seu maior pesadelo, agarrou-se às lembranças: o eco de risadas descontroladas perseguindo vaga-lumes, o conforto de cochilos compartilhados, os segredos contados sob o carvalho. Mas, por mais inestimáveis que fossem, as lembranças não resistiam à dura passagem do tempo. 

“É culpa minha, não é?”

Como se estivesse consolando seu companheiro humano mesmo em seus últimos momentos, seu olhar dedicado encontrou os olhos lacrimosos de Benjamin. 

“Eu não fui capaz de te salvar…”

E, com isso, os olhos de Rufus escureceram, deixando um vazio doloroso em seu lugar.

“Me desculpa, me desculpa, me desculpa…”

Não foi uma despedida rápida e indulgente. Benjamin viu o inevitável acontecer, sua alma estava envolta em uma espessa teia de angústia, em virtude de seus pensamentos serem consumidos por um sentimento de impotência e autocondenação. 

Estava assombrado pela pergunta persistente que permanecia sem resposta, deixando-o imaginando se havia alguma maneira de evitar o resultado catastrófico.

“Por que tinha que ser assim…?”

A dor estava além da razão ou da lógica. 

Benjamin se considerava responsável por não ter reconhecido os sinais de alerta mais cedo, por não ter procurado atendimento mais rápido e por não ter evitado que seu dedicado amigo sucumbisse à doença que o havia acometido. 

Cada e se parecia uma agulha afiada em seu coração.

“Não dá pra viver desse jeito, me desculpa, me desculpa…”

E 6 anos se passaram como sombras passageiras, mas Benjamin carregava um peso diário de culpa que foi ficando cada vez mais pesado até que ele se tornou uma criança omissa e indiferente.

Ele era uma casca da pessoa que havia sido no passado, cheia de vida e imaginação. 

Suas brincadeiras e histórias, que antes eram adoradas, tornaram-se menos atraentes e desapareceram no fundo de sua opacidade.

Seus pais o observavam com olhos preocupados, desamparados contra a miséria que envolvia o filho. 

Os esforços para reanimá-lo pareciam murmúrios distantes em meio à indiferença avassaladora.

As relações afetivas com outras pessoas também foram prejudicadas. A emotividade de Benjamin fez com que as amizades que antes floresciam murchassem. 

Ele se afastava das pessoas, temendo que os laços que criava fossem inevitavelmente rompidos, como o que ele mantinha com Rufus.

No entanto, em meio à monotonia de sua vida entorpecida, uma luz persistia, fraca, mas presente.

— Por que você está sempre tão sozinho? Deve ser muito triste ficar assim o tempo todo.

Em meio à agitação da cidade, havia um parque sereno que proporcionava um refúgio de vegetação. 

Árvores majestosas estendiam seus galhos em um abraço de boas-vindas, e bancos de madeira estavam dispostos ao longo das trilhas.

O ar estava cheio de flores vibrantes, que transformaram o local em um santuário calmo.

Foi nesse lugar que Benjamin conheceu uma garota.

— Não é nada.

Ela franziu a testa, não aceitando a resposta desanimada tão facilmente.

— Mas a vida é mais feliz quando você tem amigos.

A garota era a única pessoa que conseguia transparecer sua perseverança gentil. 

— Já tive um e ele se foi. Você também deveria ir embora.

— Não, não.

Longe de ficar desanimada, ela tirou um pedaço de papel dobrado do bolso.

— Eu fiz um desenho, é um girassol. Eles são felizes. Veja.

Benjamin relutantemente pegou o desenho, seus olhos encontraram o girassol colorido que ela havia habilmente desenhado. 

Uma pequena centelha de emoção brilhou brevemente em seus olhos, mas ele a escondeu rapidamente.

— É só um desenho… — disse, virando o rosto. — Mas ficou legal.

A garota sorriu inocentemente. 

— Os girassóis são felizes, e eu quero que você também seja. Posso ficar aqui contigo?

Benjamin lançou um olhar desconcertante para a mesma. Ela se sentou no banco ao lado dele sem esperar por uma resposta.

— Me chamo Amy, e você?

— Benjamin.

— Oh, legal!

Balançava as pernas no banco, com um sorriso contagiante iluminando seu rosto.

— Uma vez perdi meu gatinho. Fiquei muito triste e chorava todas as noites. Mas, um dia, minha mãe me trouxe um novo amiguinho. Ele não é igual ao meu primeiro gato, mas também é legal.

Ao ouvir isso, uma mistura de emoções dançou nos olhos de Benjamin.

— Sério?

— Uhum. Mas coisas novas podem ser boas de uma maneira diferente. Eu amo meu novo gatinho, mesmo que ele seja estranho.

Ele olhou-a, suas palavras ressoando em seus pensamentos. Não esperava a clareza que o exemplo direto dela proporcionou.

— Enfim, posso ser sua amiga?

Amy, entusiasmada com a possibilidade de uma nova amizade, olhava para Benjamin que tinha os olhinhos brilhantes de entusiasmo.

— Uh..

Sua voz interior começou a duvidar da lógica gelada que ele havia construído em torno de si mesmo, e foi aí que a preocupação apareceu pela primeira vez em sua consciência como um sussurro suave. 

Para Benjamin, a noção de deixar alguém se aproximar dele, de compartilhar momentos e criar memórias, era estranha e até mesmo aterrorizante.

Entretanto, a menina, alheia à tempestade interna do garoto, continuou sua avalanche de alegria. 

— Vamos lá, Benjamin! Pode ser divertido, prometo.

A insistência dela, que se fazia com um entusiasmo infantil contagiante, parece-lhe um abraço surpresa.

Num primeiro momento, o seu olhar deteve-se nas feições determinadas da jovem que estava ao seu lado, enquanto ele se perdia em pensamentos.

— É mais fácil eu ficar sozinho.

Amy inclinou a cabeça em descrença.

— Não é, posso te prometer. Vai, diga sim!

Mesmo com a sua hesitação inicial, não pôde deixar de sorrir timidamente perante a alegria desenfreada de Amy.

Um lampejo de felicidade emergiu das profundezas da sua indiferença.

— Você é uma pessoa estranha. — disse, zombando dela. — Mas eu não posso prometer nada a você.

Ao ouvir a resposta inesperada, ela riu-se inocentemente com doçura, balançando a cabeça com confiança.

Embora ligeira, a mudança foi substancial.

Sua confusão inicial acabou por dar lugar à aceitação do novo entendimento que Amy lhe tinha dado.

Uma pitada de interesse tomou o lugar da aversão, e breves explosões de felicidade genuína começaram a coexistir parcialmente com a melancolia.

Cada pequena ação de bondade e cada encontro que ele tinha semeava as sementes da transformação na alma de Benjamin.

Os dias sombrios deram lugar a estados de espírito mais felizes, e o riso de Amy era como um pincel suave, dando vida à vida de Benjamin de uma forma que ele nunca tinha imaginado.

Seu coração, que antes era insensível, estava começando a receber um pouco de calor e um senso de pertencimento. 

Ambos compartilhavam ocasiões modestas, mas significativas, que quebravam a rotina monótona que antes parecia interminável. 

Cada encontro, cada brincadeira se transformava em um pequeno oásis de felicidade no meio de seu deserto deprimente.

Portanto, o coração de Benjamin começou a bater de forma diferente na presença de Amy – uma melodia suave que sugeria o início de um novo capítulo em sua vida.


— Me desculpa…

O olhar atônito de Benjamin encontrou o de sua mãe, mas agora não havia risadas, apenas o eco de um silêncio perturbador.

Ele segurava a faca sangrando enquanto o corpo de sua mãe jazia no chão, um boneco sem vida. 

Os olhos de Emma, que antes eram sensíveis e calorosos, tinham apenas o vazio da morte. 

— O que eu fiz…?

Sua pele pálida se destacava contra o carmesim profundo que a cercava.

Uma poça de carmesim envolvia-a, uma representação macabra da força vital final que estava desaparecendo dela.

Com o coração partido, Benjamin não conseguia parar de se perguntar sobre o porquê e os equívocos confusos que envolviam aquele momento terrível.

— Você fez apenas o que deveria ser feito. — Uma voz inquietante na sua cabeça lhe respondeu.

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