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Homens fantasmas, Walter e Wolfgang prosperaram na penumbra das missões clandestinas. Sua lealdade era para com a ala paramilitar nazista, a Einsatzgruppen, e mais especialmente para os Schutzstaffel, um grupo infame por sua brutalidade.

Astuto e brutal, Schneider percebeu que o potencial dos Einsatzgruppen ia além da simples aniquilação. Ele tinha uma ideia para uma arma mais sutil, que pudesse instilar medo e submissão sem causar o tipo de comoção global que o assassinato em massa causaria. Como resultado, Walter e Wolfgang se viram transformados. Ambos foram forçados a cumprir um novo dever sob o comando severo de Erich Schneider.

Sua eficácia inclemente se concentrava agora em assassinatos direcionados, guerra psicológica e intimidação de pessoas em vez de valas comuns. Eles serviram como ponta de lança de uma operação secreta que espalhou o tipo cruel de “persuasão” de Schneider por toda a américa do norte, que estava à beira de um tipo diferente de conflito: a Guerra Fria.

Com a respiração suspensa, o mundo inteiro assistiu. O espectro das atrocidades nazistas pairava pesadamente no ar, e as brasas da Segunda Guerra Mundial ardiam ameaçadoramente. Os Einsatzgruppen se tornaram os fantasmas que perseguiam o continente, com seu passado escondido atrás de uma cortina de segredo. Sua crueldade era um silêncio mortal que era uma ferramenta poderosa no desenvolvimento da Guerra Fria. O medo substituiu as armas como principal ferramenta; tornou-se uma corrente sufocante que se escondia sob a superfície de partidas de xadrez diplomáticas.

A fenda ideológica que dividia o mundo era representada pela Cortina de Ferro1. De seu poleiro no topo das muralhas democráticas, a águia americana olhava para o leste, para o Reich. Suas aspirações, estimuladas por rumores de armas de última geração e centros de pesquisa sinistros, visavam a um objetivo aterrorizante: a hegemonia mundial2.

Sua ambição de manter o controle sobre o precário equilíbrio dos assuntos mundiais refletiu-se em seus investimentos em tecnologias militares. Ele se tornou uma figura misteriosa, cuja sombra voraz se estendia muito além das fronteiras que controlava, como resultado de sua busca incessante pelo domínio global, e desempenhou um papel significativo nos eventos de uma era complicada e competitiva.

Walter e Wolfgang não eram mais apenas os fantasmas de uma guerra perdida na visão expansiva de Schneider. Eles eram peões, habilmente colocados no xadrez de seus objetivos. Cada operação clandestina, cada vida eliminada, transformava-se em uma manobra estratégica, uma peça de cada vez, visando seu xeque-mate final. Seus feitos, que até então se limitavam às horríveis realidades da Frente Oriental, agora se entrelaçavam em uma batalha mais abrangente e aterrorizante pelo próprio espírito do planeta.

Com um coração tão pesado quanto um porão cheio de minério de ferro, Walter Müller, cujo nome ele usava tão livremente quanto um casaco emprestado, embarcou no navio para a América. Sob as camadas de mentiras e o sangue que manchava suas mãos estava Philip Gordon, seu direito de nascença e o capricho de uma vida que ele havia deixado para trás. O Atlântico se abriu à sua frente, refletindo o caos interno com sua ampla e agitada tela cinza.

Sair de sua terra natal não envolveu apenas a compra de uma passagem. Ironicamente, as mesmas vias que Schneider tentou controlar acabaram se revelando seu meio de salvação. A dupla fidelidade de Gordon ofereceu uma oportunidade para uma operação secreta americana interessada em saber mais sobre o governo da Alemanha Oriental. Um acordo foi feito, ele forneceria informações de inteligência, como um fantasma divulgando segredos do outro lado da Cortina de Ferro, em troca de uma nova identidade completa com documentos legítimos e transações secretas, sem o medo constante e inquietante de ser descoberto.

Era preciso mais do que apenas ficar longe desses monstros para encontrar consolo em uma terra estrangeira. Era um pedido desesperado de perdão. Como cada decisão tomada nessa nova sociedade se desviava tanto das rígidas normas do Reich, cada decisão era uma punição. Trabalhar no setor de serviços financeiros de Dakota do Sul e ter pesadelos que o mantinham acordado à noite eram punições. Casar-se com uma mulher cujos olhos risonhos e gentis prometiam um futuro livre dos horrores do Einsatzgruppen também era uma penitência.

Sim, ele estava se voltando contra a ideologia que há muito detestava, mas não contra ela. Ele estava deixando Schneider, o aparato aterrorizante no qual ele havia se transformado em uma engrenagem.

No entanto, a expiação era um processo e não um objetivo. Seu inglês limitado serviu de ponte entre ele e os desabrigados da guerra, pois ele ajudava nos centros de refugiados. Ele escreveu artigos anônimos nos quais advertia sutilmente contra os perigos da ambição desenfreada e a sedução dos regimes totalitários.

Só que essa vida existia perigosamente no fio de uma navalha.

— Por que vocês vieram até aqui? — questionou Walter, seu olhar buscando respostas nos olhos de Wolfgang.

A expressão do homem distorceu-se. Sua indignação era clara.

— Por quê? Por que diabos eu precisaria de um porquê? Porra, Major, não fode. Você vende dissidência nesta fossa capitalista, envenenando as mentes desses fracos e acha que não vamos ficar sabendo disso? Gestapo3, Herr Müller! Isto é fruto da sua traição. Você virou as costas ao seu próprio povo, ao seu próprio sangue.

Walter sentiu um pavor gelado em seu coração. Ele havia sido comprometido pela rede secreta da qual dependia, que lhe permitiu fugir e apoiou seus avisos anônimos. De alguma forma, a Stasi4 havia descoberto seu nome verdadeiro e seu passado por meio de sua extensa rede de informantes e eficiência impiedosa.

Ele ia perder tanto a vida que havia construído laboriosamente quanto a paz instável à qual havia se agarrado. Sabia muito bem, com uma certeza assustadora, que aquilo era mais do que uma simples visita – era um acerto de contas. De repente, a possibilidade da expiação que tanto desejava se tornou enorme, uma recompensa ameaçadora por seus erros do passado.

Walter suspirou, uma sensação de resignação pairando sobre tal.

— Eu entendo as razões de vocês, mesmo que não concorde. Mas lembrem-se de que estamos todos marcados por esta guerra, e as cicatrizes que ela deixou não serão esquecidas.

Wolfgang, com um sorriso dissimulado, respondeu:

— Talvez um dia, quando isso terminar, possamos encontrar um caminho para a reconciliação. Por enquanto, devemos enfrentar o que está diante de nós.

Examinou a paisagem ao redor com um ar de regozijo, como se a própria paisagem corroborasse sua afirmação. 

O inevitável desenrolar dos eventos era quase uma conclusão natural.

— E não há absolutamente nada que você possa fazer para impedir isso. — disse outra alemã.

Ela era ridiculamente esbelta, com 1,71 metro de altura. Sua pele notavelmente pálida se destacava contra os longos cabelos loiros escuros que chegavam aos ombros, entrelaçando-se harmoniosamente com seus penetrantes olhos negros. Vestida com o imponente uniforme militar da Schutzstaffel, sua presença era marcada por uma aura de determinação.

Quando seu espírito estava enraizado no ideal do amor e da verdade, ela tinha a capacidade de atormentar e torturar repetidamente aqueles que a desapontavam, extraindo deles um sofrimento que espelhava sua própria dor. Causava feridas, e à medida que os indivíduos eram pisados repetidamente, seu estado se tornava cada vez mais deplorável, levando-os a buscar o calor do abraço que ela oferecia, seguindo a luminosidade ardente que ela exibia.

— O que te leva a pensar que trair a confiança de Schneider passaria impune? Que ilusão. Que ingenuidade.

Apesar das advertências que lançava-lhe, Walter não parecia afetado.

— Minha lealdade estava com um ideal maior. Se eu tivesse que escolher novamente, faria o mesmo.

A face desta continha também um toque de desdém, como se estivesse observando uma situação inevitável se desdobrar diante de seus olhos.

— Você tem noção das escolhas que fez, Walter? — perguntou ela. — Acreditávamos nesse ideal, e você o traiu. Agora estamos aqui para acertar as coisas.

O eco das palavras reverberou no ar, carregado de desafios.

Cof cof!

A tosse rouca ecoou no ambiente, seguida por uma intervenção abrupta de outra pessoa no sofá.

Ele estava sentado com uma perna cruzada sobre a outra, mantendo a postura relaxada, mas exalando uma intensidade plácida. Seus olhos brilhavam em vermelho, um impressionante e perturbador contraste com seu rosto sóbrio.

A expressão dele era de calma contemplação, com os lábios pressionados em uma linha fina enquanto apoiava o queixo na mão.

A sensação geral era de incerteza, como se ele estivesse pronto para entrar em ação a qualquer momento.

— Aquela criança, Benjamin, não é mais o mesmo que costumava ser. Não adianta oferecer ajuda a alguém que está irremediavelmente perdido. O que realmente importa é que ele fortaleceu o domínio do Rei.

Os olhos do ex-soldados encontravam-se com os do recém-chegado.

— Então você é responsável por tudo isso?

— Exatamente! Como você poderia adivinhar? Eu criei uma verdadeira obra-prima, você não acha?

Ele sorriu, com um vislumbre perverso dançando em seus olhos.

Walter, no entanto, não vacilou, enfrentando a monstruosidade diante dele.

— Você fez uma criança matar seus próprios pais. Você é doente.

— Eu? Oh, por favor… — Seu sorriso se desvaneceu, revelando uma frieza cruel. — Jamais me rebaixaria a um nível assim. Isso é apenas a natureza humana em ação. Quando você está com fome, você come. Mas se a necessidade for urgente o suficiente, você faz o que for preciso para satisfazer essa fome.

Walter o interrompeu com um olhar de repulsa, um aperto da mão indicando que não estava disposto a aceitar esse raciocínio distorcido.

Não havia limites para o que ele conseguia fazer, nenhuma posição que não pudesse alcançar para moldar esse destino.

Em um estalar de dedos de Klaus, Wolf e Mavie agiram em um piscar de olhos. A mão do soldado estava no ar, prestes a atacar o pescoço de Walter, enquanto a lâmina fina da lança de Mavie apontava em direção ao estômago dele.

— Bem, Major, acho que é hora de você se despedir. Quais serão as suas últimas palavras?

Wolf estava exausto mentalmente após sua refeição, esticando seu pescoço cansado na direção de Walter. 

Ele exalou uma última vez, sem forças para sangrar como um soldado, e disse:

— Vocês três. Se a guerra, a ambição e a glória são o que desejam, então vão gentilmente para o inferno e permaneçam lá.

Diante de uma visão sobrenatural e provocadora, Walter não sabia se explodiria de raiva ou se simplesmente cederia ao choro. 

Um suspiro de insanidade parecia ser a única opção viável.

— Sua problemática está prestes a terminar, se não se importa.

A lança de Mavie estava posicionada para o golpe fatal, mirando especificamente o estômago.

— Conceda-lhe o descanso eterno. Sejam absorvidos pela luz perpétua.

Walter lançou um olhar penetrante às crianças sinistras à sua frente. 

Naquele momento, ele compreendeu que nenhuma mente sã poderia aceitar tal destino. 

Amizades sólidas, laços familiares, um lar aguardando seu retorno, uma esposa cujo amor e cuidado ele deveria retribuir. 

Tudo isso era parte do mosaico da sua vida que fora manchado pela traição que emanava do juramento a Lord Schneider e pela corrupção do orgulho nacional, da glória da Alemanha que havia se transformado em uma mancha indelével.

Era imperdoável, ele concluiu, sentindo o peso esmagador da culpa. 

Os monstros que agora o cercavam haviam se mostrado como criaturas abomináveis, derrubando muralhas que representavam a ética e a humanidade, deixando um rastro de cidades devastadas e espalhando morte, sofrimento e estupros. 

O destruidor entrou nas ruínas imponentes, proferindo um réquiem demoníaco em uma língua que parecia ecoar direto do abismo. 

Enquanto Walter considerava um contra-ataque, uma ordem impiedosa ressoou, determinando sua eliminação.

O sangue escorria dos cantos de seus lábios, um testemunho silencioso da batalha interior que ele enfrentava. 

As três figuras à sua frente eram indubitavelmente demônios, manifestações de todo o mal e caos que ele tinha testemunhado e até mesmo infligido em nome de um ideal deturpado. 

No entanto, naquele momento de desespero, ele descobriu que todas essas considerações eram irrelevantes. 

A vitória triunfante, a honra e a glória da nação que ele servira, a paz que poderia trazer para os entes queridos que já não estavam mais presentes. 

Tudo isso era um legado destinado às gerações futuras e, acima de tudo, paz interior e bem-estar, uma expiação para as escolhas que havia feito e as vidas que havia afetado.

— Sieg Heil!

A voz de Wolfgang reverberou pelo espaço, o ex-soldado sentindo o peso do cumprimento enquanto sua energia se esgotava. 

O homem no sofá se levantou, seus passos calculados e confiantes.

— O grupo deles deve chegar amanhã. Temos ainda muito tempo…

Sua voz era um misto de entusiasmo e malícia, a obsessão claramente visível em seus olhos. 

— Subjugaremos toda Hill City e celebraremos a coroação do Rei. As almas desta cidade sacrificada serão usadas para alinhar o sol e a lua, marcando a chegada do Mundo Carmesim.

Ao dizer essas palavras, ele estendeu as mãos, como se estivesse manipulando marionetes invisíveis.

— No entanto, para manter esses cidadãos sob nosso domínio, alguns deles serão reduzidos a meros peões, escravos de nossa vontade.

Um sorriso sinistro dançou nos lábios deste enquanto ele avançava, o gesto teatralizando seu controle sobre as vidas que ele pretendia sujeitar.

— Sim, Klaus Fritz!

Mavie, coberta de sangue, levantou-se e saudou com um sorriso implacável nos lábios.

— Estou aqui para servi-lo! — disse Wolf, copiando o gesto de Mavie ao passar com desdém sobre o corpo inerte de Walter.

— Prometi que Schneider ganharia mais poder quando eu reunisse todos vocês. Mas o poder do meu rei deve ser absoluto.

Uma aliança que não compreende o propósito da guerra é fadada a ser vazia e sem sentido.

— Querido ceifador, erga-se com sua fúria…

Klaus se aproximou do corpo estendido no chão, o rosto pálido voltado para cima. 

O sangue continuava a gotejar, formando uma poça escarlate que parecia expandir-se a cada momento que passava. 

Era um cadáver humano, uma existência que outrora pulsara com vida, repleta de identidade, sentimentos e sofrimentos que agora se dissipavam em meio à morte. 

Cada gota de sangue que caía parecia soar como um lamento silencioso, uma memória das histórias que haviam sido interrompidas.

— … utilize sua maldade sem restrições…

Diante do antigo soldado alemão, Fritz ajoelhou-se, estendendo a mão sobre a pele fria do cadáver. 

O líquido vermelho que fluía de suas veias retornou à carne, uma metamorfose sombria que transcendia a decadência da morte. 

A transformação era como um rito profano, o corpo reanimando-se com uma força que não era natural. 

Era como se a escuridão da alma do morto tivesse sido revivida, agora agindo como uma força sinistra e coletiva.

— … agora, aceite e destrua com uma crueldade implacável.

As costas de Klaus se curvaram, um sorriso obscuro brincando em seus lábios enquanto seu olhar se voltava para os outros dois. 

— Wolfgang von Ludwig, Mavie von Schmidt. Amanhã vamos liberar o caos.

Uma aliança forjada exclusivamente para o campo de batalha, um pacto cuja essência era a luta e a destruição. 

Por mais distante que o conflito possa parecer no momento da criação do acordo, a sombra da guerra pairava sobre tudo, uma justificativa oculta para a união de forças. 

O objetivo aparente mascarava a verdadeira intenção subjacente: a busca pelo poder, pelo domínio, e pelo aniquilamento daqueles que ousassem ficar em seu caminho. 

  1. Estabelecida após a guerra, a Cortina de Ferro separaria a Europa em duas zonas distintas: a Europa Oriental sob domínio nazista e a Europa Ocidental sob influência americana. Essa divisão física seria reforçada por uma rígida fronteira ideológica, com o Nazismo reprimindo qualquer forma de liberdade individual, democracia ou direitos humanos nos países sob seu controle. A livre circulação de pessoas, ideias e bens seria severamente restrita, com o objetivo de manter o controle populacional e impedir a propagação de ideologias contrárias ao regime nazista.[]
  2. O termo hegemonia mundial descreve a supremacia de um país ou grupo de nações sobre o resto do mundo em termos de política, economia, forças armadas e cultura. Devido à sua posição de domínio, a nação hegemônica pode definir as regras das relações internacionais, as normas e os valores globais e a alocação de oportunidades e recursos[]
  3. A polícia secreta do regime nazista na Alemanha, responsável por suprimir qualquer oposição do regime.[]
  4. A polícia secreta da República Democrática Alemã. responsável por espionagem, vigilância, repressão política e controle da informação. Utilizava uma vasta rede de informantes, técnicas avançadas de vigilância e propaganda para manter o controle da população.[]
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