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O cheiro de álcool derramado e a atmosfera de expectativa ansiosa permeavam o clube onde estava Raven. Não era um refúgio para pessoas solitárias em busca de companhia; ao contrário, era um teatro macabro onde a solidão assumia muitas formas. Todas as sextas-feiras à noite, rostos animados vinham para cá, atraídos pela perspectiva de amizade, mas se perdiam em um mar de rostos desconhecidos. 

Sentada em uma mesa de canto com sombra, Raven era uma testemunha experiente dessa comédia humana. O couro desgastado parecia refrescante em sua pele, proporcionando um forte contraste com a intensa energia que percorria o espaço lotado.

Cada um dos que chegavam era uma figura em um palco escuro. Os fanfarrões estavam presentes, suas gargalhadas eram vazias no vasto salão enquanto suas vozes ressoavam com histórias exageradas de conquistas. 

Os espíritos temerosos se agarravam às laterais, com os olhos correndo de forma errática enquanto procuravam freneticamente por um lampejo de esperança em meio ao barulho.

E havia os que estavam com o coração partido, com a dor encharcada em um líquido âmbar, um desânimo estampado em suas faces que nenhuma quantidade de falsa comemoração poderia apagar.

Para alguns, o veneno de ação lenta do tédio se infiltrou sob a superfície. Sua fuga temporária da monotonia da vida cotidiana foi encontrada na amarga angústia da embriaguez. Nesse estado, suas inibições desapareciam, expondo as ideias mais absurdas e os sentimentos mais puros. 

Raven descobriu que essa era a única diversão que tinha a oferecer. Uma coleção de tentativas patéticas das pessoas de preencher o vazio dentro delas, era um show hediondo que servia como um lembrete constante de como é ridículo procurar conexão em um lugar onde a solidão reina.

Na perspectiva convencional, não era um clube. Para as almas perdidas que buscavam o esquecimento no fundo de um copo, era uma espécie de purgatório. Por trás da superfície desse lugar, havia uma fome extraordinária, um desespero faminto que corroía sua humanidade. 

Os indivíduos mais agitados pareciam ter certeza de que poderiam vencer a gravidade, como evidenciado por seus olhos vidrados e clareza distorcida, que precediam suas inevitáveis quedas na pista de dança.

Aborrecida, Raven atravessou a multidão em busca de um refúgio temporário. Suspirou ao se sentar em uma cadeira vazia que havia notado escondida em um canto escuro, o couro envelhecido rangendo com seu peso. Apoiou a cabeça na palma da mão e descansou o cotovelo no tampo pegajoso da mesa.

Máscaras festivas se esticavam sobre seus rostos, mas mal disfarçavam o vazio que os consumia por baixo. Eles riam amargamente e se divertiam, tentando desesperadamente afogar o terrível peso de sua existência. Com seus olhos como um bisturi cortando a folia vazia deles, Raven observou: 

“Impulsionadas pelos desejos mais básicos…”, Curvou os lábios em uma careta sarcástica. “Se tornam meras marionetes dançando ao som de sua própria autodestruição.”

Era fascinante e confuso olhar para esse tecido de emoções humanas. Um paradoxo inexplicável foi revelado em meio ao barulho da música e de conversas apaixonadas. Beberam e dançaram, inconscientes das sombras que esperavam atrás das paredes escuras, com os rostos cheios de falsa alegria. 

Com o primeiro gole de uma bebida forte, o mundo exterior e todas as suas preocupações e medos pareciam desaparecer. Seus problemas pareciam evaporar-se no líquido âmbar, revelando conchas ocas que se deliciavam com esse esquecimento passageiro.

No entanto, eles estavam enganados sobre o quão poderosa era a poção mágica. 

O olhar aguçado de Raven foi capaz de perceber as lacunas em sua fachada. Uma mão trêmula buscando mais bebida, uma risada estranha que rompeu as costuras, uma breve expressão desanimada que brilhou em um olhar embriagado. Serviam como sussurros do mundo exterior, lembretes que não passariam completamente despercebidos. 

Embora possa ter sido brevemente submerso, seus medos nunca foram totalmente afogados. Abaixo da superfície, havia um leviatã monstro que estava apenas esperando para reaparecer com a inevitável ressaca da realidade.

Parecia que as pessoas estavam anunciando ao caos lá fora que não permitiriam que o medo as controlasse através da dança e do deleite exuberante. Mesmo sendo falso, o riso deles era um hino de rebeldia diante de um mundo imprevisível. Esta noite eles construíram um santuário improvisado no meio da tempestade, um oásis colorido onde as preocupações eram deixadas de lado para uma celebração momentânea.

Mesmo com seu cinismo, Raven teve que admitir para si mesma a audácia de sua rebelião. Foi assim que a humanidade enfrentou o abismo, necessidade básica de se unir e encontrar forças contra uma ameaça onipresente. 

Havia um fascínio irresistível nesta exibição de alegria incontrolada, embora a sua própria mente ansiasse pela razão e pelo conforto gelado dos factos concretos. Houve uma pequena pontada de ciúme até mesmo por ela, uma espectadora indiferente por natureza. Eles tinham uma capacidade admirável de encontrar momentos de alegria mesmo nas piores circunstâncias.

Raven notou um toque de resiliência e uma evidência da tenacidade do espírito humano nas figuras oscilantes na pista de dança. Talvez, pensou, o mundo criado deles não fosse realmente uma saída. Talvez tenha sido um ato essencial de desafio, um meio de recuperar algum controle num mundo que frequentemente parecia completamente incontrolável.

Algo brilhou na boca do estômago de Raven, uma luz há muito adormecida dentro dela. O clube poderia oferecer mais do que simplesmente entretenimento, apesar de sua aparência horrível. Talvez houvesse alguma conexão humana real, mesmo em meio à falsa felicidade e aos medos comuns. 

Pela primeira vez em muito tempo, Raven sentiu um vislumbre de algo que se aproximava de pertencimento. 

“Esse… esse sentimento,” Sua mão agarrou a borda da mesa até que os nós dos dedos ficaram brancos. “Essa sensação de… me sentir como uma pessoa com um coração batendo e uma alma que dói. Quero isso também.” 

Geralmente tão gelados e distantes quanto os céus, seus olhos brilhavam como um lindo filme.

“Quero recuperar essa parte de mim mesma, essa capacidade de sentir todo o espectro das emoções humanas – alegria, tristeza, raiva, até mesmo desespero. Sentir algo… Essa sensação de conexão, de vulnerabilidade, de simplesmente estar… viva.”

Soltou um suspiro longo e rouco, pesado pelos anos de retraimento emocional que havia imposto a si. Essa era a realidade, e infelizmente ela não tinha escapatória.

— Boa noite, senhorita.

Um homem que se aproximou dela foi hábil em dissimular qualquer sinal de surpresa ou desconforto, mas o ligeiro estreitamento de seus olhos castanhos denunciou sua reação interna. 

A voz dele, embora mantida num tom casual, carregava um eco de cautela.

O sorriso que Raven lhe lançou continha um toque sutil de malícia, como se ela estivesse escondendo o incômodo que sua presença havia causado.

— Olá. Alguma novidade?

Sua pergunta tinha um duplo sentido, e ele estava consciente disso. 

Ela estava se referindo tanto ao que ele tinha a dizer quanto à sua verdadeira intenção ao se aproximar dela. 

O recém-chegado optou por abordar apenas a primeira parte da pergunta, mantendo-se em território seguro.

— Nada muito emocionante acontecendo. Apenas uma noite comum, parece.

Raven inclinou a cabeça levemente, suas íris frias fixadas nos olhos dele. Ela estava ciente de que ele estava escolhendo as palavras com cuidado, e isso só aumentou sua suspeita de suas intenções. No entanto, em vez de confrontá-lo diretamente, decidiu por responder com um tom de voz que oscilava entre o sarcasmo e o desinteresse calculado:

Embora o homem tentasse disfarçar, não conseguia esconder completamente a inquietação que se escondia por trás de seu sorriso. Os olhos de Raven, afiados e perspicazes, penetraram em sua fachada aparentemente calma, procurando por respostas que ele hesitava em oferecer.

— Ah, entendi. Apenas uma noite comum, então. Deve ser reconfortante ter uma rotina tão previsível.  

Ela respondeu com uma leve inclinação da cabeça, mantendo o tom neutro, mas os detalhes não escaparam de sua observação meticulosa.

O sorriso do homem permaneceu, mas era como se ele estivesse travando uma batalha interna para manter as aparências. 

— E quanto a você? — perguntou, tentando mudar o foco. — O que o traz a esta festa?

Raven não se deixou enganar por sua tentativa de desviar o assunto. Seus olhos penetrantes permaneceram fixos nele, determinados a descobrir a verdade oculta.

— Apenas uma noite para me divertir e relaxar um pouco. Parece que você também está aqui por motivos semelhantes. 

A resposta dela, embora mantivesse uma fachada de casualidade, continha um tom sutil de desafio. 

Ela não estava disposta a se contentar com respostas superficiais, e seu interesse nas intenções do homem aumentou à medida que a conversa se desenrolava.

Raven fixou seus olhos nos dele, mantendo um momento de silêncio calculado, como se estivesse esperando por uma revelação mais franca. 

— Assuntos pendentes, você diz. Isso soa bastante genérico. — respondeu, mantendo um tom calmo, mas seu olhar penetrante sugeria que ela não se contentaria com explicações vagas.

O homem coçou a nuca nervosamente, como se estivesse procurando as palavras certas para continuar. 

— Digamos apenas que há certos problemas familiares não resolvidos, e essa festa oferece um momento de alívio temporário. — admitiu, evitando contato visual.

As questões familiares eram, por natureza, complexas e muitas vezes repletas de emoções intensas. Ela se perguntou se ele estava sendo completamente honesto ou se havia mais nuances na história.

— Eu entendo. A família pode ser complicada. — retrucou com empatia, embora ainda não estava satisfeita com a superficialidade da resposta.

Embora o homem parecesse aliviado por divulgar uma parte de sua história, Raven manteve o rosto firme. Ela estava ciente de que as pessoas que queriam esconder as suas próprias motivações e sentimentos frequentemente usavam isso como máscaras.

— E quanto a você? O que o traz a essa festa, além de diversão e relaxamento? 

Ele tentou mudar o foco novamente, tentando descobrir mais sobre a enigmática mulher à sua frente. Raven, no entanto, estava acostumada a manter suas próprias camadas de mistério. Seu sorriso sutil revelava que ela tinha seus motivos, mas não estava disposta a compartilhá-los tão facilmente.

— Às vezes é bom fugir da rotina, não é? Mas todo mundo tem seus próprios motivos. 

Soltou uma risada suave, mas havia uma nota de desafio em sua voz, uma sugestão de que ela não era alguém que se deixaria envolver facilmente.

O homem a estudou por um momento, sua expressão indecifrável.

— Você é boa nisso. Mantendo as coisas interessantes, mas ainda assim evasivas. — comentou, com um sorriso de reconhecimento.

Raven retribuiu o elogio com um aceno de cabeça.

— As respostas mais interessantes estão nas entrelinhas. 

— Talvez. Mas eu ainda acredito que certas verdades devem ser encaradas de frente, sem rodeios. 

Raven acenou com a cabeça, reconhecendo sua perspectiva. 

— Sempre há mais do que se vê na superfície, não é? — perguntou ele.

O clima de festa persistia ao redor deles, com música, conversas e risadas criando uma sinfonia vibrante. 

O homem se inclinou levemente em direção a Raven, cujos olhos penetrantes refletiam uma intensidade ameaçadora. Um sorriso sinistro dançava em seus lábios enquanto ele dizia palavras carregadas de prestígio.

— A vida das pessoas é frágil. Um único suspiro e tudo pode desmoronar. É fascinante como algumas escolhas podem levar a destinos inesperados. 

Raven ergueu as sobrancelhas, mantendo a expressão imperturbável, mas seu instinto a alertou para a gravidade por trás das palavras dele.

— E quanto a você, minha querida? Uma tragédia notável moldou sua vida, não foi? O acidente de avião, um evento tão devastador. Estou curioso para saber como uma experiência tão traumática pode transformar alguém. 

A atmosfera ao redor dele se tornou densa, carregada com a tensão de segredos não contados. 

O homem falava como se estivesse familiarizado com os cantos mais sombrios da vida de Raven, revelando conhecimentos que deveriam permanecer ocultos.

— As tragédias nos definem. Elas nos moldam de maneiras que não podemos prever. 

Ele continuou, sua voz mergulhando nas profundezas desconhecidas de suas próprias palavras.

Raven manteve a compostura, mas sua mente estava em alerta. 

“Como ele sabe disso?”

As suas palavras eram como sombras dançantes, deixando-a imaginando o que mais poderia ser revelado naquela sutil dança de palavras.

— Mas será que foi por acaso mesmo?

Os danos causados ​​pela queda do avião foram meticulosamente escondidos, mas de repente esse estranho que parecia saber tudo sobre ela sabia disso.

— Saber como lidar com a tragédia é uma dádiva ou uma maldição, dependendo de sua perspectiva. Você carrega o fardo de sua tragédia como uma sombra que se estende por onde quer que vá.

— Suponho que todos nós temos nossos demônios internos, não é mesmo? — Sorriu sutilmente, como se estivesse compartilhando o segredo de um cúmplice. — E o seu parece ser tão fascinante quanto misterioso.

Raven resistiu à tentação de revelar qualquer fraqueza. No entanto, a presença desse homem lançou sombras sobre partes de sua vida que ela preferia manter às escuras.

“Uma isca, talvez? Julgando pelo nível de perigo, deve ser isso.”

Mesmo assim, prosseguiu:

— Você fala por adivinhações, como se conhecesse minha vida melhor do que eu. Quem é você? Por que está tão interessado em meu passado?

Em vez de responder diretamente, o estranho deu uma risada baixa, como se estivesse gostando do jogo de perguntas e respostas.

— Não estou aqui para revelar quem sou, mas para destacar as conexões que muitas vezes não percebemos.

— Conexões? Você fala como se tivesse informações privilegiadas sobre mim e minha vida. Essas supostas conexões são apenas jogos mentais?

— Jogos mentais, talvez. Ou apenas a revelação gradual de verdades que muitas vezes preferimos esquecer. 

Raven sentiu um calafrio percorrer sua espinha. A sensação de que estava sendo observada e instrumentalizada, como se fosse apenas um pedaço de um jogo muito maior, a deixou inquieta. 

A necessidade de descobrir a identidade desse indivíduo se tornou uma prioridade, pois ele tocou em áreas de sua vida que ela nunca imaginou que seriam acessíveis a estranhos.

— Não brinque comigo. Quem é você? Por que decidiu se envolver em minha vida?

— Detesto dar resposta. Procure por si mesma.

Ele se afastou, satisfeito com sua provocação, desaparecendo na multidão como uma sombra que se funde à noite.

— Ei!

Dirigiu-se a ele em meio à multidão agitada, com o olhar fixo na figura que se movia entre os outros presentes. No entanto, descobriu que o público tinha vontade própria e se tornou uma massa risonha que se movia e desafiava suas tentativas de controle, sentindo-se perdida em um emaranhado, uma estranha entre estranhos.

Em razão da atmosfera frenética da festa, Raven começou a perder os sentidos. Perdida no caos colorido da festividade, Raven começou a se sentir inquieta. 

Antes apenas explosões de cores, as luzes pulsantes começaram a fornecer breves visões de rostos que eram reconhecidos, mas que pertenciam a pessoas falecidas. Era como se as pessoas dançantes que a cercavam estivessem se transformando em sombras do passado.

Viu vislumbres de rostos familiares, sorrisos que outrora iluminaram seu caminho e olhares que transmitiam sentimentos que estavam apenas em sua memória a cada cintilação de luz. Eles poderiam ser conhecidos, familiares ou amigos ressuscitados do passado, aparecendo na multidão como espectros.

“Como…?”

Entre as luzes, surgiu a sombra de um ente querido, cuja ausência ainda pesava em seu coração. 

“Você… não deveria estar aqui.”

A sua visão se desvaneceu como fumaça e o brilho mudou antes que ela pudesse reagir. Ela parecia estar cercada por um labirinto em constante mudança de luzes vibrantes, pessoas em movimento e música pulsante. 

“Isso são só coisas da minha cabeça. Só coisas da minha cabeça…”

Semicerrou os olhos, tentando focar novamente o olhar no homem com gestos enfáticos. Cada tentativa de acompanhar seu progresso foi frustrada por uma nova onda de pessoas. A frustração a atormentava. O que começou como um mar de possibilidades, uma tela pronta para observação, transformou-se numa barreira intransponível. 

Desorientada, Raven fez uma pausa, o caleidoscópio de rostos e luzes estroboscópicas se confundindo em uma confusão incompreensível. A celebração, outrora uma fonte de diversão mórbida, parecia uma força hostil, empurrando-a ainda mais para a periferia.

— Sempre um passo à frente mas… ainda tão longe

Ela não veio para isso, pelo menos não esta noite. Uma onda de claustrofobia tomou conta de si, a pressão dos corpos e o ar sufocante roubando o fôlego de seus pulmões. Precisava escapar dessa sobrecarga sensorial, encontrar um pedaço de clareza em meio à loucura turbulenta.

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Olá, eu sou Nyck!

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