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Jiten estava cansado.

Tinha seus músculos ainda um tanto doloridos do confronto no dia anterior. Suas roupas já haviam secado completamente, uma vez que o dia havia sido suficientemente ensolarado. Ainda assim, parecia que seus pés permaneciam molhados dentro do sapato que usava. 

Sentado sobre uma pedra, ele desfez o embrulho que lhe foi entregue por Chen. Sabia que Renji lhe enviaria sua espada, mas esperava que enviasse alguma coisa a mais. Não parecia haver comida ou dinheiro, nem uma carta que pudesse lhe fornecer alguma informação a mais. 

A espada que recebeu, no entanto, não foi aquela que pertencia a Renji e que foi seu objeto de treinamento nos últimos anos. Esta lâmina estava ligeiramente danificada e mesmo que simples, contava em suas marcas a história de um kumokai caído. 

Era a lâmina do pai de Jiten. 

Respirou fundo após vê-la. Era mais uma lição? Ele agora possuía a única herança que seu pai lhe deixara e uma memória permanente de que ele estava seguindo o mesmo caminho. Queria mesmo ser um guerreiro, mas estava muito longe de estar pronto. 

Aquele presente tinha diferentes camadas em seu significado. Jiten não se sentia confiante para empunhar a espada do pai. Mais do que isso, agora não era mais uma situação de treinamento. Daqui em diante, quando a usasse, teria de usá-la verdadeiramente. Aquele pensamento lhe soou muito mais assustador do que motivador. 

Sentiu-se sozinho naquele momento.

Não se sentir digno fez fraquejar suas pernas. Olhou para baixo, assolado pela fome que sentia e a dor nos pés por andar tanto tempo sem parar. A floresta emanava a aura outonal ao redor dele, demarcando o momento em que algo estava para acabar. Era quase uma forma de presságio. 

Talvez, aquele seria seu último outono.

Pelo menos, se morresse, faria-o com a única coisa que lhe restou de sua família em mãos. 

O caminho até a cabana de Khanh e Bjarka era bem conhecido por ele. Orientava-se parcialmente pelo sol, mas também pelas pedras. Assim como aquela que o guiou até o santuário, outras ainda demarcavam o caminho por dentro da floresta.

Já estava faminto quando a tarde começou a cair. Podia sentir que se tornava cada vez mais difícil continuar andando. Mesmo o fôlego não parecia o mesmo. A sede também começava a se tornar um problema para si. Aquele dia não estava frio como de costume, havia transpirado mais do que esperado. Talvez, pela quantidade de água que bebera inadvertidamente em sua travessia do Arqueado, ainda não estava sedento demais.

O aproximar da noite lhe enchia de uma sensação sinistra. Era como estar em Bushimusuko novamente, sob o olhar de tantos soldados e de suas estatuetas. A sensação de estar sendo vigiado lhe enchia de uma certa inquietude que o motivava a continuar andando.

Seria bom chegar na cabana antes do anoitecer, mas nunca conseguira esse feito em menos de dois dias. Possivelmente que o caminho sendo arrastado pelo rio e ainda o tanto que pôde cortar da trilha por dentro da floresta lhe concederam muita vantagem, mas não chegaria lá antes da noite. 

Nem mesmo precisava olhar a posição do sol para saber que a noite se aproximava. Podia sentir sobre a pele uma sensação de arrepio e nos ossos o aperto de uma mão gélida. 

Diante da fome, aproveitou-se de uma árvore morta que servia como residência para cogumelos esbranquiçados e pequenos. Wulan já o havia ensinado sobre os cogumelos que podia comer ou não, além de tê-lo ensinado sobre raízes e folhas comestíveis. Naquele momento era profundamente grato por ter prestado atenção no que ela dizia. 

Removeu os cogumelos e teve que limpá-los apenas com a mão. Tentando retirar o máximo de resíduos que pôde. Comeu-os e então virou uma parte do tronco caído. Alguns insetos correram por dentro das folhas mortas e se esconderam. Não era sua dieta típica, mas diante da ansiedade que sentia, pegou algumas das larvas que se remexiam nos solo, cortou a cabeça delas com a unha do polegar e comeu. 

Sentiu-se um tanto miserável naquela situação. Fazia o que precisava para sobreviver e não haveria tempo de ficar ali para criar qualquer armadilha ou acampamento. No fim, tudo que conseguiu foi enojar-se e teve que segurar uma ânsia de vômito. Seria pior se colocasse tudo pra fora, perderia água e comida. 

Ficou abaixado com um dos joelhos no chão, deixando tudo que comera de estranho assentar. Mantinha os olhos fechados, pois parecia lhe ajudar a preencher a mente de memórias terríveis do que de auto-piedade. Preferia pensar na agressão do lorde, na força de sua boca quase lhe quebrando as costelas e no poder de Nobu em lhe causar dor. Preferia imaginar as criaturas sobrenaturais repartindo seus companheiros em pedaços e lhe perseguindo dentro da noite. 

Tudo isso para manter longe a ideia de que era na verdade um covarde e um coitado. Tinha que andar porque não sabia direito o que precisava ser feito. Restava apenas obedecer, mantendo a consciência de que não podia olhar para trás. 

Quem sabe, com um pouco de coragem, quando encontrasse a verdade. Quando lhe dissessem o que precisava ser dito, ele poderia ficar um pouco mais em paz. Quem sabe, descobrir para onde ir. 

Quando o estômago finalmente se aquietou, pareceu um tanto mais satisfeito por ter algo para se encher. Assim, quem sabe, teria mais energia para enfrentar o que lhe restava de tempo de espera pela noite. Não podia seguir por dentro da floresta apenas com a luz do luar, restaria encontrar alguma árvore sob a qual ficar sentado. 

Segurou o cabo da espada que tinha presa a sua cintura. Observando a cortina de árvores que se formava a sua frente, quase se sentiu envolvido pelo ar à sua volta. O bosque parecia ter um ar diferente, como se envolto em alguma energia completamente diferente. 

Trazia-lhe de volta algum sentimento de familiaridade, talvez, um embrulho fechado de memórias de seus últimos anos. Todas as vezes que visitou Wulan em sua cabana para avisar alguma mudança na política do vilarejo, quando Renji lhe enviava até Bjarka para comprar algum unguento que só ela sabia produzir ou quaisquer outras desculpas que criara para estar na floresta. 

Ainda era quase como ser uma criança. Passear por entre as árvores, encontrar na observação das copas das árvores, no banhar da luz por entre as folhas e nos aromas terrosos uma paz de um tempo muito mais inocente. 

Encontrou uma faia com um tronco largo e extenso. As raízes volumosas se projetavam para fora da terra como se estivessem se libertando, formando um ninho quase que natural. Jiten precisou limpá-la das folhas que haviam lá, só para não arriscar sentar-se sobre algum amontoado de insetos ou algum outro bicho. Jogou sobre as raízes algumas folhas secas e se preparou para a noite. 

Tinha sua espada, a barriga quase vazia e os lábios secos, mas podia aguentar. Uma noite, só isso, então mais algum tempo de caminhada e estaria a salvo. 

A penumbra começou a cair. O dourado do entardecer começando a desbotar. Jiten quase se esqueceu de seu nervosismo. 

Quase. Seus olhos se abriram, azuis como uma geleira profunda. Não, não podia simplesmente esquecer.

— Eu vejo você. 

Ouviu. Estava cansado, mas ainda não o suficiente. 

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Olá, eu sou ODA!

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