Selecione o tipo de erro abaixo

Azrael

Ao adentrar o imponente salão, deparei-me com uma colossal chama crepitante no centro da sala. À frente das labaredas, o Deus Supremo martelava com destreza sobre o metal incandescente, aparentemente imperturbável pela temperatura abrasadora, enquanto se dedicava à sua tarefa de criação.

À medida que avançávamos, o retinir metálico tornava-se mais ensurdecedor, culminando no momento em que o Deus Supremo interrompeu suas atividades, voltando-se para nós com olhar atento.

“Azrael, Samael. Vejo que ambos estão em boa forma”, proferiu ele com a voz cansada. “Tenho me preparado para isso por um longo tempo, chegamos à última etapa.”

Em suas mãos, ele segurava o metal forjado, conduzindo-nos até um canto da sala, onde repousava um sobretudo negro adornado com detalhes prateados. Cada peça se encaixava perfeitamente, emanando uma sutil aura de pureza quando o último ajuste foi realizado.

“Está finalmente completo”, afirmou ele satisfeito. “Agora, podemos começar.”

Com um estalar de dedos, fomos transportados para a sala principal, onde o trono do Deus Supremo se erguia. Ele dirigiu-se ao seu assento, ao lado do qual Metatron permanecia indiferente à nossa presença.

“Entrem”, ordenou o Deus Supremo com sua voz poderosa, fazendo com que as portas se abrissem.

Foi então que os anjos começaram a aparecer, um a um. Camael e Haziel lideraram o grupo, seguidos por Melahel, Uriel e Abaddon. Rafael, Gabriel e Miguel foram os últimos a se apresentar.

Notei Miguel lançando um olhar irado a Samael, expressando sua irritação com a presença deste último. Todos os anjos se prostraram perante o Deus Supremo.

“Estou atrasado novamente?”, indagou um último anjo ao passar pela porta, seus olhos se fixando em mim enquanto se aproximava. Parando diante de mim, ele colocou a mão no queixo, observando-me com um sorriso sarcástico. “Olha só, se não é meu irmão de outra mãe”, disse ele de forma irônica, passando a mão sobre minha cabeça.

“Faz bastante tempo, Sandalfon”, respondi com um suspiro.

“Agora que todos estão aqui, podemos começar”, afirmou Metatron ao fechar seu livro. “Azrael, há relatos de que você visitou ‘Aquele’ universo”, surpreendendo a todos com a revelação.

“Deve ser algum engano. Vejam, ele está intacto”, comentou Miguel irritado. “Meu senhor, não temos tempo para ouvir as mentiras de um demônio. Ele deve ter ouvido de lu– Samael.” Miguel avançou em direção a Samael, que permaneceu imperturbável diante da aura ameaçadora. “Não podemos confiar em uma traidora.”

“Isso já basta”, interveio Gabriel irritado. “Até quando você vai continuar com isso, Miguel? Estamos na presença do Criador, seja mais sensato.”

Com a intervenção de Gabriel, Miguel recuou.

“Azrael, posso perguntar como você chegou  ‘Aquele’ universo?”, indagou Camael curioso.

“Através de um ritual falho”, expliquei, narrando tudo o que havia acontecido, incluindo as palavras de Alice e minhas descobertas.

“Entendo…”, ponderou o Deus Supremo, ouvindo atentamente. Ao término da explicação, ele proferiu suas palavras. “Não deveria ser possível para um ser de baixo nível sobreviver no anti-universo. Até mesmo para meus anjos, é uma tarefa difícil.”

O Deus Supremo lançou uma pequena magia de luz sobre meu corpo, revelando sua surpresa ao analisá-lo.

“Não apenas interagiu com a antimatéria, mas seu corpo se adaptou”, afirmou ele com um leve sorriso. “Você aprendeu a controlar a mana daquele universo…”

Percebi então que ainda havia vestígios da mana que absorvera. Grande parte dela converteu-se em mana usual, mas ainda persistiam traços.

“Parece que meu corpo retém um pouco da Mana daquele universo”, comentei, canalizando uma pequena esfera de mana absorvida.

“Sandalfon.” Ao ouvir a voz do Deus Supremo, o anjo aproximou-se e tocou a orbe de antimatéria, provocando um pequeno ferimento na área de contato. Rafael prontamente lançou sua magia de cura, mas, para sua desilusão, não obteve sucesso. “Não consigo curar”, lamentou Rafael.

“Isso não é prova suficiente da veracidade das palavras de Azrael?”, indagou Uriel a Miguel.

Miguel permaneceu em silêncio.

“O selo deve estar enfraquecendo. Não deveria ser possível para Azrael atravessar para o anti-universo, mesmo com um ritual poderoso. Se fosse verdadeiramente possível, meu irmão já teria enviado suas tropas”, ponderou O Deus Supremo.

“Por precaução, enviarei alguns anjos até a barreira. Se houver alguma falha, tentarei informá-lo o mais rápido possível”, propôs Gabriel.

“Tudo bem. Deixo o trabalho para você. Apenas tenha cuidado com quem envia. Não queremos que sejam feridos do outro lado”, advertiu o Deus Supremo.

“Espera. Eu tenho algumas perguntas”, interrompi, expressando minha irritação.

“Me desculpe, não queria fazê-lo esperar…, na verdade, o universo que você conheceu…”

***

No alvorecer dos tempos, quando a vastidão do vazio pairava na escuridão, o Deus Supremo era assolado por uma solidão interminável. Para dissipar o tédio que o consumia, decidiu criar dois seres divinos destinados a moldar a existência e desafiar a infinitude do nada. Surgiram, então, os Deuses Irmãos: o Deus da Criação e o Deus da Destruição.

O Deus Supremo presenteou cada um deles com poderes extraordinários, confiando-lhes a responsabilidade de forjar universos sem fim. No entanto, também lhes concedeu a capacidade de destruir qualquer criação que não atendesse às suas expectativas. Essa dualidade divina estabeleceu um equilíbrio frágil entre a construção e a destruição no vasto cosmos.

O Deus da Criação, com seu domínio sobre a criação, deu vida a incontáveis galáxias, estrelas e planetas. Em sua busca pela perfeição, criou um universo que, aos olhos do Deus Supremo, parecia sublime. Contudo, a inveja consumiu o Deus da Destruição, levando-o a desmantelar o universo recém-criado, desencadeando uma guerra celestial sem precedentes.

A batalha entre os Deuses Irmãos ecoou por eras cósmicas. Nebulosas ardiam, estrelas colidiam e planetas eram aniquilados enquanto os dois seres divinos lutavam pela supremacia. Intrigado com o desdobramento do conflito, o Deus Absoluto decidiu observar sem intervir, acreditando que o resultado da batalha moldaria a ordem do universo.

Após milênios de combate interminável, ambos os deuses estavam gravemente feridos. Em um ato desesperado, o Deus da Criação implorou ao Deus Supremo que separasse as duas metades do vazio com uma barreira impenetrável. Com um aceno de sua vontade divina, o Deus Supremo dividiu o vazio em dois domínios, separados por uma barreira intransponível.

Insatisfeito com essa divisão, o Deus da Destruição almejava destruir a barreira que separava os dois reinos. No entanto, o Deus Supremo explicou que tal ação não era possível, pois fora um pedido do Deus da Criação. Em vez disso, o Deus da Destruição propôs uma alternativa: que suas partes do universo fossem o completo oposto das criações do Deus da Criação. Assim, nasceu o Antiuniverso, um reino onde as leis da destruição prevaleciam sobre a criação.

Na fronteira entre esses dois domínios, o Deus Supremo estabeleceu uma zona proibida, onde qualquer matéria que se aventurasse seria instantaneamente aniquilada, mantendo um frágil equilíbrio entre criação e destruição.

Com o vazio dividido, o Deus da Criação começou a moldar um novo universo. O primeiro ser a emergir foi Lucifer, uma criação perfeita feita do sangue, carne e poder do Deus da Criação. Lucifer era único, o verdadeiro filho do Deus da Criação.

Dando continuidade à sua obra, o Deus da Criação deu vida aos anjos e às diversas raças que habitariam o universo. Assim, começou uma nova era no multiverso, onde a luz da criação e a sombra da destruição dançavam em uma interminável sinfonia cósmica, tecendo os destinos das estrelas e dos seres que povoavam esse vasto e infinito universo.

***

“Apenas os anjos sabem sobre essa história, e agora você”, disse o Deus Supremo. “Já se perguntou o motivo de existir uma raça completamente oposta aos meus anjos?”

Com a pergunta do Deus Supremo, algumas peças finalmente se encaixaram em minha cabeça, e ele pareceu notar isso, demonstrando um sorriso satisfeito.

“Os demônios foram criados para espelhar os seres do outro lado. Assim como eu, que tenho os anjos ao meu lado, meu irmão possui os demônios, seres tão fortes quanto meus fiéis guerreiros”, explicou o Deus Supremo.

“Bom, o mais forte do nosso lado se rebelou, então temos uma pequena desvantagem”, disse Miguel em tom de deboche.

“Miguel, já basta. Você está na presença do Deus Supremo e de um dos sucessores. Se não demonstrar o devido respeito, terei que aplicar uma punição”, advertiu Metatron, surpreendendo a todos. “Estamos conversando sobre um assunto sério; deixe sua raiva de lado, ou você não consegue?”

Miguel pareceu entender as palavras de Metatron, mas não estava satisfeito.

“Eu entendo, peço desculpas, mas não sou obrigado a aturar uma traidora, mesmo ela sendo—”, antes que pudesse terminar sua frase, Sandalfon interrompeu.

“Isso está ficando chato. Meu senhor, você convocou os anjos apenas para conversar sobre o passado?”

“Certamente que não. Após analisar todos os acontecimentos, notei algo, e quando analisei o Azrael pessoalmente, pude notar que estava certo”, dirigiu suas palavras a mim. “Azrael consegue se adaptar à anti-mana. Seu corpo recebeu aquela imensa quantidade de mana e continuou íntegro e não apenas isso, mas ele também conseguiu se tornar mais forte ao absorvê-la”, revelou, surpreendendo até mesmo Samael, que estava em silêncio até agora.

“Isso significa…”

“Sim, se Azrael ficasse muito tempo naquele universo, com certeza se tornaria uma existência similar ou superior aos demônios que lá vivem.”

Todos ficaram em silêncio enquanto me observavam.

“Contudo, ficar naquele local é algo perigoso. Você não está pensando em—”

“Não, Samael. Mesmo que Azrael se torne mais poderoso, ainda é perigoso. Tenho que estudar mais sobre o que aconteceu e descobrir como seres daquele universo conseguiram criar um ritual para levar Azrael até lá.”

“A Alice daquele universo disse que minha versão de lá estava atrás do meu corpo.”

Foi quando o Deus Supremo pareceu juntar algumas peças.

“Talvez eles já saibam sobre o seu potencial naquele universo. Se ele conseguisse tomar o seu corpo e em seguida voltasse para o anti-universo, tenho certeza que se tornaria um monstro incontrolável em alguns poucos anos.”

“Então devemos deixar alguém cuidar da proteção do Azrael? Se descobriram uma maneira de arrastá-lo para lá, não estaríamos em uma desvantagem esmagadora?”

“Certamente. Enviarei um pedido para Lucifer ficar de olho em Azrael, mesmo que seja à distância.”

“Entregarei a mensagem para ele”, disse Samael. “Contudo, não precisam se preocupar. Azrael é o novo imperador dos anjos caídos, então terá anjos poderosos a seu auxílio.”

“Peço que informe apenas aos de confiança”, solicitou o Deus Supremo.

“Assim farei.”

A reunião demorou mais alguns minutos até finalmente ser encerrada. Estava exausto após ficar na presença de vários anjos por tanto tempo, mas não queria demorar. O Deus Supremo pediu para que Samael ficasse um pouco, pois tinha assuntos para resolver, então voltei ao palácio sozinho.

Fiquei surpreso, pois logo após minha chegada, encontrei uma pálida Lethea me esperando.

“Lethea, não esperava te encontrar tão cedo”, eu disse, feliz com sua presença.

“Me desculpe por aparecer assim, mas…”, ela me entregou uma carta com o selo da família real. “Meu pai pediu que isso fosse lhe entregue.”

Decidi abrir o conteúdo, já que estava um pouco preocupado.

{Querido Azrael,

Escrevo estas palavras com o peso da batalha em meu coração e a incerteza do amanhã. Peço, com toda a humildade e urgência, que aceite minha filha Lethea e nossos concidadãos em seus braços, enquanto enfrentamos um conflito de proporções desconhecidas. Com inimigos formidáveis às nossas portas, não posso garantir quando terei a oportunidade de enviar outra mensagem.

Rogo que não se preocupe demasiadamente, pois mesmo diante de forças poderosas, a esperança ainda é nossa aliada. Confio em você para cuidar de Lethea como se fosse sua própria filha.

Com gratidão e esperança,

Vlad Felior. }

Com o fim da mensagem, decidi buscar informações com Lethea.

“O que está acontecendo no planeta dos vampiros?”, perguntei curioso e preocupado.

“Não sei toda a história, mas parece que Nascidos da Noite estão invadindo”, ela comentou.

Foi quando um brilho suave apareceu diante dos meus olhos, e Elara se revelou, me deixando surpreso. Ela parecia ferida e abatida, com seus olhos sem vida. Seu rosto pálido e olhos marejados mostravam a gravidade da situação, fazendo-me querer ir correndo até o mundo dos vampiros.

“Irmã! Onde está o papai? O que aconteceu?”, perguntou Lethea preocupada com a aparência de sua irmã.

Foi quando Elara começou a chorar. Ainda em choque, ela me entregou uma segunda carta com o selo do monarca.

Pude notar todo o seu corpo tremendo enquanto ela parecia não encontrar as palavras.

{Querido Azrael,

Escrevo estas linhas no crepúsculo de minha existência, com a dolorosa certeza de que esta carta será lida na ausência de minha presença. Se você está recebendo estas palavras, significa que enfrentamos inimigos superiores, e eu, provavelmente, já não caminho mais entre os vivos.

Peço a você, meu irmão de alma, que acolha minhas filhas, Elara e Lethea, em seu cuidado amoroso. Confio em sua força e sabedoria para guiá-las em um mundo que se tornou mais sombrio. Peço que ensine a Elara os caminhos de uma líder, para que ela possa um dia assumir a responsabilidade que o destino lhe reserva. Sei que é um fardo pesado, mas como amigo e irmão, rogo que aceite esse pedido egoísta.

Lamento as conversas não ditas e as taças de vinho não compartilhadas. Adeus, Azrael, meu querido amigo.

Com eterna gratidão,

Vlad Felior.}

Não consegui conter minha fúria ao ler o conteúdo da carta, deixando minha aura vazar.

“Elara, onde está o papai?”

“Nosso pai… Nosso pai,” Elara parecia não ter coragem de contar para sua irmã, mas em meio aos soluços, a frase que eu não queria ouvir saiu de sua boca como uma arma perfurando meu peito. “Está — O papai está morto,”

Ao ouvir as palavras de sua irmã, Lethea caiu de joelhos e foi rapidamente abraçada por Elara. As duas começaram a chorar enquanto eu permanecia imóvel. Não conseguia encontrar as palavras certas para falar nesse momento; a ficha ainda não havia caído.

“Azrael, o papai morreu para me proteger. Se eu não tivesse ficado, se eu não fosse tão fraca–”, a abracei fortemente, tentando retirar aquele pensamento de sua mente. Enquanto a acariciava, queria dizer que não era verdade, que seu pai não morreu por ela ser fraca.

“Me desculpe, garotas. Se eu estivesse no palácio quando Lethea chegou, tudo teria ocorrido bem,” mesmo tentando ao máximo, minhas palavras saíram trêmulas. Eu quase não estava conseguindo esconder minha tristeza.

Elara e Lethea me abraçaram, seus corpos pareciam fracos enquanto elas soluçavam e choravam sem parar. Não conseguia encontrar palavras para confortá-las; eu sabia muito bem como era a dor de perder alguém querido.

“Pai… Pai…”, suas lágrimas continuaram a cair enquanto seu corpo parecia mais e mais fraco.

Droga! Se eu estivesse no castelo, poderia ter enviado um exército ou os cavaleiros, pensei.

Olá, eu sou o Monarca!

Olá, eu sou o Monarca!

Comentem e Avaliem o Capítulo! Se quiser me apoiar de alguma forma, entre em nosso Discord para conversarmos!

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥