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Do lado de fora das muralhas, uma vasta planície coberta por uma espessa camada de puro branco; no lado direito tinham apenas umas árvores parecidas com um pinheiro. O céu estava nublado, tornando o ambiente semelhante à noite. A diferença era unicamente alguns poucos raios de sol que conseguiam ultrapassar as nuvens.  

Dentro da carruagem, o frio não conseguia penetrar com facilidade, mas ainda estava presente. Norman parecia não se importar com o frio, mas ao ver sua mãe tremer, ele pegou um tecido feito de peles, quente e macio, de uma bolsa de mão que sua mãe havia levado e usou para cobrir Yasmin. 

Heitor também sentia frio, mas não tinha um cobertor. Ele gostaria de fumar para combater o frio, todavia fazer isso em um ambiente fechado não seria apropriado. Só lhe restava uma garrafa de whisky, mas beber na frente de uma criança seria bastante errado em sua concepção. Heitor suspirou de frustração com esse pensamento.   

Ele já havia terminado de ler o livro de economia, enquanto o jovem à sua frente já estava no segundo. Então, apenas para matar o tédio que preenchia sua alma, ele disse:  

— Jovem Norman, a cena que presenciamos há pouco, você observou com atenção? 

Uma resposta singela e direta foi seguida da pergunta de Heitor. 

—Sim, eu vi — Norman falou, sem tirar os olhos do livro. 

— E o que achou?  

Norman, que estava lendo e queria prestar o máximo de atenção no livro, mas o homem à sua frente estava disposto a manter uma conversa. Ele não teve escolha e fechou o livro. 

Olhando para Heitor, disse:  

— Eu não compreendi o porquê de ter esbofeteado aquele soldado. Mesmo que soubesse por que fez isso, não conseguiria entender como saímos de lá impunes. 

Heitor abriu um largo sorriso, rindo, falou:  

— Ahh, esqueci…  

“Esqueceu?  O que ele esqueceu?” Norman levantou uma sobrancelha. 

 — Na última vez que eu te vi, você era apenas um bebê. É lógico que você não se lembra quem eu sou. Como eu sou bobo. Meu nome completo é Heitor Corbeau, sou o patriarca da família. — Mostrando o brasão na luva da mão direita. Então, completou: 

 — Não pertencemos a esse Império, somos uma casa nobre do Reino Moonlight. 

“Já ouvi falar dessa família, ela é uma das principais famílias do reino. Tem grande influência no Império devido seu acordo de fornecer cristais de altíssima qualidade para o Império de Elenea”, Norman pensou. E então ele acenou com a cabeça em sinal para que Heitor continuasse.  

— Agora que sabe quem eu sou, vai ficar mais fácil de compreender. Meu plano inicialmente era passar pelos guardas sem muito tumulto. Nós iríamos nos passar por uma família de comerciantes médios, e os homens que estão acompanhando a gente como uma guilda contratada para nossa proteção. — Apontando para fora da janela, onde estavam os homens a cavalo. 

Então ele prosseguiu: 

 — Porém, antes de partirmos da lojinha da senhorita Hana, fui informado de que os guardas do portão haviam mudado. A oficial agora encarregada era Cátia, aquela mulher de uniforme militar vermelho que você viu — Heitor disse, tornando a ter o rosto sério.  

— Aonde você quer chegar?  

Sem se importar com a pergunta do garoto, Heitor continuou:  

— Em meu plano inicial, iríamos subornar os guardas para não termos registro de nossa passagem, assim, tornando mais difícil rastrearem caso tivessem descoberto nossa identidade. Entretanto, com a chegada da oficial Cátia, isso mudava tudo. Sua reputação a procedia.   

Norman, interessado na reviravolta, não perdeu a oportunidade de fazer uma observação perspicaz:  

— Então, você precisou adaptar todos os seus planos por causa de uma mulher honesta? 

Heitor assentiu e falou:  

— Quanto ao ato de esbofetear o guarda, foi, na verdade, uma encenação. No entanto, continha um elemento de raiva direcionada ao Império. O tapa representava um ato de demonstração de poder. Afinal, quem em sã consciência ousaria dar um tapa no rosto de um guarda imperial? Não apenas meu gesto exalava poder, mas até mesmo minhas vestimentas indicavam claramente que eu não era uma pessoa comum. Foi graças a isso que todos compraram minha atuação. 

— Entendi o motivo por trás disso, mas ainda me intriga como conseguimos sair de lá sem consequências?  

Heitor continuou sua explicação, enquanto a carruagem seguia seu caminho: 

— Entenda, Norman, minha ação não foi apenas um truque para despistar os guardas. Ela tinha várias camadas, como um jogo de xadrez, onde cada movimento é calculado. Ao esbofetear o guarda, eu estava, de fato, jogando um jogo muito mais complexo. Aquele ato envolvia política, poder e, mais importante, o conhecimento das fraquezas do sistema. Um nobre não deve ser desafiado facilmente, eles sabem disso. 

Norman assentiu, captando a profundidade da estratégia de Heitor.  

— Então, você sabia que isso iria funcionar? 

Heitor riu suavemente.  

— Eu estava confiante, mas sempre existe um grau de risco. O ponto chave aqui foi a manipulação dos soldados, principalmente da oficial Cátia. A armadilha era simples, mas eficaz. O erro deles foi acharem que estavam sozinhos, em uma situação normal eles estariam certos, mas estavam sob ordens direta da corte imperial, mesmo um nobre não teria poder para fazer nada contra eles. 

 Heitor deu uma pausa para adicionar um efeito dramático, enquanto um sorriso cruel se formava no rosto dele. 

— Dessa forma, no momento que abriram passagem para a carruagem passar, foi xeque mate. Eles haviam desobedecido um comando direto da corte, tornando-se nossos cúmplices. Ou seja, nos entregar é o mesmo que declarar que erraram, sendo punidos, talvez até com a morte. 

— Realmente foi uma sacada genial, mas, se me permite senhor Heitor, você disse que o ato de esbofetear o rapaz era uma jogada estratégica, mas que também continha raiva. A meu ver, você não gosta do Império, todavia não corta as relações com ele, por quê? 

— Jovem Norman, esse é um mundo político, nada é tão simples quanto parece. Muitas vezes, gira em torno de intriga, poder, manipulação e conflitos de interesses. No meu caso tenho uma dinâmica complicada com o Império de Elenea; apesar de minha família ser um grande fornecedor de cristais, ela não é a única. Cortar as relações com o Império só traria desvantagens para a família Corbeau. Infelizmente, a sobrevivência, no entanto, gira em torno dos lucros. A família Corbeau não pode cortar relações por algo como sentimentos. — Ele estava com os punhos cerrados, em um aperto que deixou suas mãos brancas. 

Por outro lado, ele sentia um forte conflito interno. A aliança entre sua família e o Império era desde os tempos da Guerra das coroas; ele sentia a obrigação de manter a aliança com o Império devido às tradições familiares e à posição social de sua família como fornecedora de cristais.

No entanto, suas próprias convicções e frustrações pessoais estavam a fazê-lo questionar-se se estava agindo de acordo com seus próprios valores 

O homem mais velho compartilhava suas visões com o jovem. Heitor se assemelhava a um senhor que havia passado toda sua vida encostado em livros, ele falava de maneira pesada com um vocabulário extenso, que Norman só conseguia acompanhar devido a ter passado muito tempo com seu pai e com os livros.

 “Talvez eu possa aprender muito com Heitor; além disso, se quero fazer algo a respeito de Elenea, preciso fortalecer minhas bases”, pensou ele. 

Do lado de fora da carruagem, a carruagem avançava pela paisagem nevada, uma escolta de soldados marchando em uma formação cunha. Cada movimento era coordenado, como uma máquina bem lubrificada. O Capitão Winston liderava com autoridade, seus olhos alertas para qualquer sinal de perigo. 

 E então o capitão Winston passou as ordens:  

— Todos, a partir de agora, parem com as conversas paralelas. Já nos distanciamos muito da capital e estamos à 1 horas da vila Bergen. Por essas redondezas costuma ter muito relato de assaltantes de mercadoria; eles andam fortemente armados, por isso quero todos com atenção redobrada.  

Enquanto a carruagem se movia, os soldados mantinham uma comunicação silenciosa, sinais de mão rápidos e olhares trocados. Em um instante, a formação cunha se dividia e se reorganizava, adaptando-se a uma mudança sutil no terreno. 

Os soldados que estavam próximos imediatamente mudaram a postura, alguns trocando olhares sérios, enquanto outros ajustavam firmemente suas armas. O murmúrio da notícia se espalhou rapidamente entre eles, logo todos estavam cientes da situação. 

— Assaltantes, hein? Parece que teremos um pouco de emoção! Estou doido para testar essas novas belezinhas aqui — disse o segundo em comando, enquanto puxava uma peça de engenharia impressionante, uma pistola semiautomática. 

Uma representação da fusão entre estética clássica e funcionalidade avançada. Seu corpo adornado com entalhes artesanais, e a empunhadura esculpida em madeira nobre, conferindo-lhe uma aparência elegante.  

Alguém murmurou:

— Pelos deuses, eu quero voltar vivo. Vire essa boca para lá, homem.

Enquanto isso, um terceiro soldado comentou:  

— Vamos ficar alertas, pessoal. Não queremos surpresas desagradáveis. 

O crepúsculo pintava o céu, transformando o profundo cinza em um negro puro. Segundo o relógio de bolso do segundo em comando, desde que o capitão havia falado já tinha se passado 45 minutos. Eles não deveriam estar muito longe da entrada da Vila.  

Um soldado com uma cicatriz no olho perguntou para o segundo em comando:  

— Tenente Dave, os cavalos estão muito cansados, eles precisam de água e comida. Não podemos fazer uma pausa?  

— Graças à partida matutina e à ausência de paradas, alcançaremos a pequena vila de Bergen antes que a noite se instale completamente. Mesmo assim, como o capitão disse, aqui é um lugar perigoso. Não temos escolhas a não ser continuar — o tenente Dave falou, estranhamente ficando com o rosto sério.

 Ele era uma pessoa amante de animais, forçar eles mais do que podiam era uma escolha difícil para ele. 

O soldado assentiu para a resposta do tenente; ele encontrou verdade em suas palavras. Não valia o risco, afinal eles podiam esperar mais um pouco. Estavam já quase às portas.

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