Selecione o tipo de erro abaixo

Capítulo 01 – A prisão invisível

“O conhecimento dos antigos é uma lâmina afiada, pronta para cortar a escuridão da ignorância. Todo guerreiro deve empunhar sua rede com sabedoria.”
O Livro das Marés, Manuscrito IV.


image-31


No coração desse intrigante cenário de rivalidades e conspirações, a Biblioteca das Marés permanecia intocada, um local sagrado, mesmo sob o controle rigoroso do poderoso Clã Dragões de Sangue. 

Dentro de suas paredes silenciosas, segredos ancestrais eram preservados com extremo cuidado, incluindo as misteriosas técnicas secretas que todos acreditavam estar ocultas dos olhos curiosos dos outros clãs.

Ali, entre estantes que pareciam se estender infinitamente, Harley Ginsu mergulhava em suas leituras, como se buscasse um refúgio da realidade cruel que o cercava. A vida havia lhe tirado tudo, lançando-o nos braços de um novo clã, um mundo desconhecido e hostil. 

Desde a infância, ele sempre almejou o horizonte, sonhando com o dia em que poderia, como os pássaros, voar sobre terras desconhecidas, sentir o vento em seu rosto e descobrir os segredos do vasto universo.

Mas os sonhos eram efêmeros. Ele se perguntava, vez após vez, se algum dia conheceria cada canto deste mundo. Sempre que se permitia um vislumbre de esperança, a dura realidade o puxava de volta, pesada e implacável. 

Do seu lar original, um ciclo infindável de treinamento, avaliação e punição, Harley fora arrastado para um ambiente onde sua presença era insignificante — um mero adorno em um jogo de poder maior, descartável a qualquer momento.

O tempo passou e a solidão que conheceu em seu antigo lar persistiu, agora moldada por novas paredes e novos rostos. Em seu novo clã, seu olhar, antes aguçado pela vigilância constante, havia aprendido a não se destacar — um dom que ele aperfeiçoara quando se escondia das ameaças invisíveis ao redor de sua cela.

Hoje estava na biblioteca, mas amanhã poderia estar varrendo o pátio ou removendo excrementos. A expectativa de explorar o mundo e descobrir suas vastas extensões era constantemente sufocada por amarras invisíveis que o prendiam em uma existência monótona. Restavam-lhe apenas os livros para trazer um lampejo de cor a essa vida repetitiva.

Como um arqueólogo à procura de tesouros ocultos, Harley mergulhava nos pergaminhos antigos. Cada folha amarelada era uma relíquia em um vasto oceano de conhecimento, cada palavra escrita um segredo esperando ser desvendado. Era seu escape, sua única riqueza.

Cerca de oito anos antes, seu pai, o patriarca de seu povo, havia desaparecido misteriosamente, deixando um vácuo de liderança no Clã da Adaga Arcana. A consequência foi um caos: bens foram repartidos, alianças desfeitas, e o clã foi fragmentado, cada pedaço entregue a outro clã que ansiava pelo poder perdido. 

Nesse período turbulento, ele e seu quase desconhecido irmão mais velho, herdeiros potenciais do legado de seu pai desaparecido, foram separados. Cada um tomou seu próprio caminho, com Harley sendo forçado a um destino que jamais poderia ter previsto.

O jovem Ginsu, com estatura média de 1,70 metros, tinha um físico moldado pela adversidade e pelo treinamento rigoroso. Ele vestia um traje que evocava as lendas de seu clã de origem, que narravam que seu fundador era um grande mago. 

Assim, ainda que estivesse longe de seu lar, mantinha a tradição em suas roupas — uma túnica curta e uma calça preta flexível que contrastavam com as vestimentas dos membros de seu novo clã.

Seu traje, ajustado com um cordão preto em vez do cinto tradicional dos guerreiros ao seu redor, simbolizava sua decisão de honrar sua herança, recusando-se a adotar as tradições de seu novo clã, uma postura firme contra as humilhações que havia sofrido. Era sua maneira de manter viva a identidade de seu antigo clã, mesmo enquanto tentava sobreviver em um novo território.

Mas o que mais se destacava em Harley era a mochila marrom que carregava nas costas — grande, robusta, feita de couro resistente, repleta de compartimentos secretos. 

Essa mochila era mais do que um simples item; era sua companheira constante, guardando não apenas seus pertences, mas também os segredos e mistérios que ele havia coletado ao longo de sua jornada. Cada objeto dentro dela era um fragmento de sua própria história, um lembrete de onde ele veio e de onde talvez nunca pudesse escapar.

Na quietude dos corredores da Biblioteca das Marés, o jovem mergulhava em uma jornada solitária, carregando não apenas o legado de seu clã, mas também a chama inextinguível de um destino ainda por desvendar. 

Em meio às estantes imponentes e aos volumes antigos, ele se comprometia a não permitir que seus sonhos morressem na escuridão do esquecimento.

Para ele, cada manuscrito era um novo começo, uma porta para uma realidade diferente. Eles ofereciam uma fuga da sua própria vida confinada, onde a liberdade era uma miragem distante. 

Esses textos eram mentores silenciosos, transmitindo segredos antigos e ensinamentos esquecidos, uma riqueza que o tempo não podia apagar.

Harley fixava o olhar naquele espaço que lhe era tão familiar, onde havia vivido intensamente tudo o que aquele lugar poderia oferecer. Cada recanto daquelas instalações ecoava as memórias de uma jornada profunda de crescimento. 

Ele podia imaginar as pessoas vivendo suas vidas cotidianas: treinando, conversando, lendo. Momentos simples, mas fundamentais, que, sem ele perceber, haviam contribuído para sua transformação.

Lembrou-se de Thalassa, cujo apoio fora crucial para sua evolução. Com a ajuda dela, ele conseguiu dominar melhor sua raiva, aprendendo a se comportar de maneira mais humana. 

Thalassa tinha sido uma guia, ensinando-lhe as regras implícitas do contato humano, algo que ele sabia que precisaria refinar pelo resto de sua vida. Seu progresso foi notável. 

Sua expressão indiferente, que antes afastava as pessoas, agora era apenas um pequeno obstáculo comparado ao seu olhar agressivo e aos comportamentos animalescos de outrora. Ele havia aprendido a esconder a fera que habitava dentro de si, de tal forma que as pessoas ao seu redor não se sentiam mais ameaçadas.

Agora, sentia-se finalmente aceito como um membro, embora inferior, do clã. No entanto, ele também percebia que aquele clã, que antes fora um campo de aprendizado, começava a se tornar desnecessário. Essa consciência trazia consigo uma sensação opressiva de confinamento. 

O novo clã, que de certa forma o escravizara, não era muito diferente da antiga gaiola em que ele morava antes. A nova cela era apenas um pouco mais espaçosa, mas ainda assim sufocava sua alma e testava sua determinação a cada momento.

No entanto, para Harley, o importante sempre foram os ganhos e não o processo ou as condições impostas. O ambiente que antes fora um solo fértil para seu crescimento agora parecia apertar-se ao seu redor, sufocando-o lentamente. 

A percepção de que não havia mais nada a aprender ali era cada vez mais clara. Seu espírito inquieto, obrigado a encontrar propósito naquele espaço, ansiava agora desesperadamente por novos desafios. 

A sede por conhecimento e aventura estava renascendo com força total dentro dele, impulsionando-o para além dos limites conhecidos.

Ele sentia o chamado do desconhecido, uma necessidade visceral de explorar, de descobrir o que mais o mundo tinha a oferecer. O desejo de romper as barreiras, de arrancar as grades invisíveis que o mantinham ali, crescia a cada dia. Harley sabia que não poderia mais ignorar essa urgência. 

Ele estava pronto para enfrentar novos horizontes, desafiar a si mesmo em terras desconhecidas e encontrar novas maneiras de evoluir como guerreiro.

Contudo, nenhum desejo poderia diminuir a dor avassaladora do presente, e assim seu passado sombrio continuava a assombrá-lo implacavelmente. Por mais que se esforçasse para não ser consumido pelas lembranças dolorosas, focando-se no autoaperfeiçoamento e no estudo incansável, Harley ainda era atormentado pelos horrores infligidos pelo Clã Dragões de Sangue. 

Recordações torturantes assaltavam sua mente sem piedade, como flashes de um pesadelo interminável. Lembrava-se vividamente do momento humilhante em que rasgaram suas roupas diante de uma multidão insensível, expondo sua vulnerabilidade ao escárnio público.

Sentia novamente a dor lancinante quando seus sons involuntários, decorrentes das pancadas recebidas, eram abafados por risadas e palmas, como se cada golpe fosse uma sinfonia macabra, uma trilha sonora grotesca para os atos brutais de submissão impostos a ele. 

A sensação de impotência e desamparo que experimentara nas mãos cruéis de seus algozes ainda ecoava em sua alma, uma cicatriz emocional que se recusava a cicatrizar. A cada respiração, a sombra do passado pairava sobre ele, envolvendo-o. 

Por mais que tentasse enterrar essas lembranças sob camadas de determinação e autocontrole, elas emergiam para atiçar a fera que a muito custo ele tinha trancafiado dentro de si.

Apesar de todos os seus esforços para controlar sua raiva, Harley sabia que a fera que existia dentro dele nunca poderia ser domesticada e jamais desapareceria ou seria completamente dominada. E enquanto lutava para acalmar-se, ele sabia que a batalha contra os demônios de sua própria mente seria uma jornada longa e árdua.

Sem um plano ou objetivo definido além de descobrir o tamanho do mundo, ele adiava sua partida, suportando humilhações que, quando confrontadas ou defendidas, resultavam em punições ainda mais severas e restrições adicionais. 

Ele compreendia que, se continuasse a resistir, logo seria aprisionado de maneira literal novamente, e seus sonhos de escapar e explorar o mundo seriam desfeitos.

Depois de um período de intensa humilhação, o jovem escolheu sofrer em silêncio, recusando-se a revelar qualquer pista sobre seu clã. Como toda escolha tem suas consequências, Harley acabou mergulhando em um estado catatônico por um período indeterminado, resultado das brutalidades infligidas durante os interrogatórios e torturas diárias. 

Essa condição fez com que o novo clã concluísse que ele não tinha mais utilidade, transformando-o em um fardo dispendioso e sem valor.


Enquanto organizava os pergaminhos e manuscritos, Harley sentia a presença constante de Thalassa. Apesar de ter apenas 15 anos, a jovem possuía uma beleza cativante. 

Seus cabelos escuros, muitas vezes caindo em cachos rebeldes, davam-lhe um toque de charme despretensioso. Ela preferia deixá-los livres, desafiando qualquer padrão de ordem ou controle.

Seus olhos, de um azul profundo como safiras, eram um reflexo de sua alma curiosa, sempre atentos ao que estava ao seu redor. Thalassa tinha o hábito de brincar com todos ao seu redor; seu sorriso travesso e piscadelas brincalhonas adicionavam um ar de malícia divertida a cada interação. 

Ela combinava um estilo prático, típico dos praticantes de artes marciais, com um toque de ousadia que era só seu. Usava uma túnica leve e fluida, que não apenas permitia movimentos ágeis, mas também realçava sua figura esbelta.

Seus sapatos eram tão leves quanto plumas, garantindo-lhe uma vantagem extraordinária em combates ágeis. Thalassa também carregava consigo uma espada de lâmina longa e curvada que descansava sempre ao seu lado, um símbolo de sua prontidão e habilidade. 

Suas pulseiras de jade, que ela usava nos pulsos, não eram apenas acessórios, mas emblemas de sua destreza inigualável, cada uma carregando histórias de vitórias conquistadas.

Com o tempo, e com o mesmo interesse por pergaminhos sobre artefatos, produção de armas e estratégias de guerra, Harley e Thalassa acabaram se aproximando. Eles desenvolveram uma conexão silenciosa, uma cumplicidade que ia além das palavras. 

Enquanto o mundo exterior seguia seu curso, eles se perdiam nas profundezas do conhecimento, como se habitassem um mundo paralelo onde a busca pelos segredos de manuscritos obscuros era a única realidade que importava. Nesses momentos, o tempo e o espaço pareciam se dissolver, tornando-se meros espectadores passivos de sua jornada compartilhada.

Três anos se passaram desde que Harley começou a trabalhar na biblioteca, mas a nova fase de sua vida após emergir do catatonismo estava apenas começando. À medida que sua presença se tornava cada vez mais esquecida pelo clã, ele se perguntava constantemente quando teria a oportunidade de escapar daquele lugar. 

A biblioteca, para ele, tornou-se tanto um refúgio quanto uma prisão. A presença de Thalassa o fazia adiar seus sonhos de fuga, mantendo-o ancorado por aqueles raros momentos de tranquilidade e companheirismo que ele jamais conhecera.

Depois de anos de treinos árduos, rotina impiedosa e solidão, Harley nunca havia experimentado verdadeira camaradagem ou a sensação de bem-estar ao lado de outro ser. 

Sua vida até então fora marcada por desafios, superações e competições incessantes. Pela primeira vez, mesmo em circunstâncias adversas, ele começava a vislumbrar a possibilidade de uma existência mais serena.

O jovem refletia sobre o inesperado que aquele lugar lhe oferecera: algo que ele não sabia que procurava — um lembrete de que, mesmo na solidão mais profunda, a conexão humana poderia ser uma fonte de força e consolo inesperados. 

Com um último olhar para a biblioteca, que tinha sido tanto seu refúgio quanto sua prisão, Harley sentiu uma determinação renovada. Ele estava preparado para desafiar o mundo, armado não só com o conhecimento dos antigos, mas também com a coragem recém-descoberta que agora pulsava em seu coração.

ANEXO:

lei-do-livro
Picture of Olá, eu sou Val Ferri Sant. Ana!

Olá, eu sou Val Ferri Sant. Ana!

Comentem e avaliem o capítulo! Se quiser me apoiar de alguma forma, entre em nosso Discord para conversarmos!

Clique aqui para entrar em nosso Discord ➥